TEMPO COMUM. VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO. ANO C

– O Senhor quer que todos os homens se salvem. A Redenção é universal.
– Apóstolos de Cristo no meio do mundo, onde Deus quer que estejamos.
– O Senhor envia‑nos novamente. Comecemos pelos que estão mais perto.

I. ALÉM DE OUTRAS conseqüências funestas, o pecado original deu o fruto amargo da posterior divisão dos homens. A soberba e o egoísmo, que têm as suas raízes no pecado de origem, são a causa mais profunda dos ódios, da solidão e das divisões. A Redenção, pelo contrário, veio realizar a verdadeira união mediante a caridade de Jesus Cristo, que nos torna filhos de Deus e irmãos uns dos outros. É o que foi predito pelo profeta Isaías e que lemos hoje na primeira Leitura da Missa 1: Eu virei reunir todos os povos de todas as línguas; todos comparecerão para ver a minha glória. Os próprios gentios, os que nunca ouviram falar de mim nem viram a minha glória, anunciarão a minha glória às gentes e farão vir todos os irmãos convocados de todas as nações, como um presente para o Senhor, trazendo‑os a cavalo, em carros, em liteiras, em mulas e dromedários, ao meu monte santo, a Jerusalém – diz o Senhor –, tal como os filhos de Israel trazem a sua oferenda em vasos puros à casa do Senhor. É uma grandiosa chamada à fé e à salvação de todos os povos, sem distinção de língua, condição ou raça. Esta profecia realizar‑se‑á com a chegada do Messias, Jesus Cristo.

No Evangelho 2, São Lucas transmite‑nos a resposta de Jesus a alguém que lhe perguntou, enquanto iam para Jerusalém: Senhor, são poucos os que se salvam? Jesus não quis responder diretamente. Foi mais longe que a pergunta e fixou‑se no essencial: perguntam‑lhe sobre o número e Ele responde sobre o modo: Entrai pela porta estreita… E a seguir ensina que, para entrar no Reino – a única coisa que verdadeiramente importa –, não é suficiente pertencer ao Povo eleito nem alimentar uma falsa confiança nEle: Então começareis a dizer: Nós comemos e bebemos na tua presença, e tu ensinaste nas nossas praças. E ele vos dirá: Apartai‑vos de mim, todos os que praticais a iniqüidade… Não bastam esses privilégios divinos; é necessária uma fé com obras.

Todos os homens foram chamados a ir para o Céu, o Reino definitivo de Cristo. Foi para isso que nascemos, porque Deus quer que todos os homens se salvem 3. Quando Cristo morreu na Cruz, o véu do Templo rasgou‑se ao meio 4, sinal de que terminava a separação entre judeus e gentios 5. Desde então, todos os homens são chamados a fazer parte da Igreja, o novo Povo de Deus que, “permanecendo uno e único, deve estender‑se por todo o mundo e em todos os tempos, para cumprir assim o desígnio da vontade de Deus, que no princípio criou uma natureza humana e decidiu depois congregar num só povo os seus filhos que estavam dispersos” 6.

A segunda Leitura 7 indica qual é a nossa missão nesta tarefa universal de salvação: Erguei as vossas mãos fatigadas e robustecei os vossos joelhos trêmulos; dirigi os vossos passos pelo caminho certo, para que os que manquejam não se extraviem, antes sejam curados. É uma chamada à exemplaridade, a fim de fortalecermos, com a nossa conduta e a nossa caridade, os que se sentem mais fracos. Muitos virão apoiar‑se em nós; outros compreenderão que o caminho estreito que leva ao Céu se converte em estrada ampla para os que amam a Cristo.

II. EU OS ENVIAREI às nações dalém mar, à África e à Líbia, cujos povos atiram com seta, à Itália e à Grécia, às ilhas longínquas… 8 E virão muitos do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e se sentarão à mesa no reino de Deus 9. Esta profecia já se cumpriu, e, ao mesmo tempo, são muitos os que ainda não conhecem o rosto de Cristo; é possível que muitos tenham ouvido falar dEle, mas na realidade não o conhecem. Nós também poderíamos repetir a muitos as palavras de João Batista: No meio de vós está quem vós não conheceis 10.

O Senhor quis que participássemos da sua missão de salvar o mundo, e dispôs que o empenho apostólico fosse elemento essencial e inseparável da vocação cristã. Quem se decide a segui‑lo converte‑se num apóstolo com responsabilidades concretas de ajudar os outros a encontrar a porta estreita que conduz ao Céu: “Inseridos pelo Batismo no Corpo Místico de Cristo, robustecidos pela Confirmação na força do Espírito Santo, recebem do próprio Senhor a missão que os destina ao apostolado” 11. Todos os cristãos, de qualquer idade ou condição, em todas as circunstâncias em que se encontrem, são chamados “a dar testemunho de Cristo em todo o mundo” 12.

O desejo de aproximar os homens do Senhor não nos leva a fazer coisas estranhas ou chamativas, e muito menos a descurar os deveres familiares, sociais e profissionais. É precisamente nas relações humanas normais que encontramos o campo para uma ação apostólica muitas vezes silenciosa, mas sempre eficaz. No meio do mundo, no lugar em que Deus nos colocou, devemos levar os outros a Cristo: com o exemplo, mostrando coerência entre a fé e as obras; com a alegria constante; com a nossa serenidade perante as dificuldades; por meio da palavra que anima sempre e que mostra a grandeza e a maravilha de encontrar e seguir Jesus.

Dos primeiros cristãos, dizia‑se: “O que a alma é para o corpo, isso são os cristãos para o mundo” 13. Poderia dizer‑se o mesmo de nós na família, no lugar de estudo ou de trabalho, na associação cultural ou esportiva a que pertencemos? Somos a alma que dá a vida de Cristo onde quer que estejamos presentes?

III. IDE PELO MUNDO inteiro e pregai o Evangelho a todas as criaturas 14, lemos no Salmo responsorial da Missa. São palavras de Cristo bem claras: Ele não exclui nenhum povo ou nação, nenhuma pessoa, da tarefa que os seus discípulos devem realizar em todas as épocas. O Senhor chama os muito idosos e os muito jovens, a criança que balbucia as primeiras palavras e quem se encontra na plenitude da vida, o vizinho, o diretor da empresa e o empregado… Os Apóstolos depararam com gente muito diversa: uns eram‑lhes superiores em cultura, outros pertenciam a povos que nem sequer tinham ouvido falar da Palestina, estes ocupavam cargos importantes, aqueles exerciam ofícios manuais de nenhuma transcendência na vida da nação… Mas não excluíram ninguém do anúncio da Boa Nova. E estes íntimos de Cristo, que outrora se tinham mostrado por vezes covardes e sem ânimo, alcançaram depois plena consciência da missão universal que lhes era confiada.

“Cada geração de cristãos tem que redimir e santificar o seu próprio tempo: para isso, precisa compreender e compartilhar os anseios dos outros homens, seus iguais, a fim de lhes dar a conhecer, com dom de línguas, como devem corresponder à ação do Espírito Santo, à efusão permanente das riquezas do Coração divino. Compete‑nos a nós, cristãos, anunciar nestes dias, a esse mundo a que pertencemos e em que vivemos, a mensagem antiga e nova do Evangelho” 15.

Nesta tarefa evangelizadora, temos que contar com “um fato completamente novo e desconcertante, que é a existência de um ateísmo militante, que invadiu já muitos povos” 16; ateísmo que pretende que os homens se voltem contra Deus ou que ao menos o esqueçam. São ideologias que utilizam poderosos meios de comunicação de massas, que levam a cabo uma sistemática difusão capilar de “slogans” e de chavões aparentemente irretorquíveis, numa enxurrada que parece amedrontar e deprimir muitos cristãos sem uma formação sólida.

“A todos esses homens e a todas essas mulheres, estejam onde estiverem, nos seus momentos de exaltação ou nas suas crises ou derrotas, temos que fazer chegar o anúncio solene e firme de São Pedro, durante os dias que se seguiram ao Pentecostes: Jesus é a pedra angular, o Redentor, a totalidade da nossa vida, porque fora dEle não foi dado aos homens outro nome debaixo do céu pelo qual possamos ser salvos (Act IV, 12)”17.

O Senhor serve‑se de nós para iluminar muitas pessoas. Pensemos hoje naqueles que estão mais perto de nós e comecemos por eles, sem nos importarmos de que às vezes pareça que somos pouco para tudo o que é preciso fazer. O Senhor multiplicará as nossas forças, e a nossa Mãe Santa Maria, Regina Apostolorum, converterá em semente prodigiosamente fecunda a nossa ação constante, paciente, audaz.

(1) Is 66, 18‑21; (2) Lc 13, 22‑30; (3) 1 Tim 2, 4; (4) Lc 23, 45; (5) cfr. Ef 2, 14‑16; (6) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 13; (7) Hebr 12, 5‑13; (8) Is 66, 18; (9) Lc 13, 29; (10) Jo 1, 26; (11) Conc. Vat. II, Decr. Apostolicam actuositatem, 3; (12) ib.; (13) Epístola a Diogneto, 5; (14) Mc 16, 15; (15) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 132; (16) João XXIII, Const. Apost. Humanae salutis, 25‑XII‑1961; (17) Josemaría Escrivá, op. cit.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal