TEMPO COMUM. DÉCIMA SEXTA SEMANA. QUINTA‑FEIRA

– O pecado é o maior erro que o homem pode cometer e o único mal verdadeiro.

I. O POVO JUDEU, depois da sua experiência no deserto, conhecia bem a importância da água. Encontrar água no meio do deserto era como achar um tesouro, e os poços eram mais bem guardados do que as jóias, pois deles dependia a vida. A Sagrada Escritura fala de Deus como a fonte de águas vivas; o justo é como uma árvore plantada à beira da água viva1, que produz fruto mesmo em tempo de seca2.

No colóquio com a mulher samaritana, Jesus manifestou que Ele era a fonte capaz de saciar as almas com água viva3. Na festa dos Tabernáculos ou das Tendas, em que os judeus recordavam a sua passagem pelo deserto, Jesus apresenta‑se como o único que pode saciar a sede das almas. No último dia – escreve São João –, o dia mais solene da festa, estava Jesus em pé, e dizia em voz alta: Se alguém tem sede, venha a mim, e beba. O que crê em mim, como diz a Escritura, do seu seio correrão rios de água viva4. Só Cristo pode acalmar a sede de eternidade que o próprio Deus pôs nos nossos corações, só Ele pode tornar fecunda a nossa vida.

Neste contexto, ressoam‑nos hoje com especial vibração as palavras do profeta Jeremias em que fala do abandono do seu povo e, num sentido mais amplo, dos pecados dos homens, dos nossos pecados: Pasmai, céus; e vós, portas celestes, ficai inconsoláveis… porque o meu povo cometeu dois males: abandonou‑me a mim, que sou fonte de água viva, e cavou para si cisternas, cisternas gretadas que não podem reter as águas5.

Todo o pecado é uma separação de Deus. Abandona‑se por nada a água viva que salta para a vida eterna; é uma tentativa frustrada de acalmar a sede com outras coisas, e é a morte. É o maior equívoco que o homem pode cometer, é o autêntico mal, pois arrebata a graça santificante, a vida de Deus na alma, que é o dom mais precioso que recebemos.

O pecado é sempre “desperdício dos nossos valores mais preciosos. Esta é a verdadeira realidade, mesmo quando parece que precisamente o pecado nos permite obter êxitos. O afastamento do Pai traz consigo uma grande destruição em quem o leva a cabo, em quem viola a vontade divina e dissipa a herança recebida: a dignidade da própria pessoa, a herança da graça”6.

O pecado transforma a alma num verdadeiro terreno pedregoso onde é impossível que a graça cresça e as virtudes se desenvolvam; converte‑a em terra seca, endurecida, cheia de espinhos, como nos mostrava o Evangelho que lemos ontem e que voltaremos a considerar amanhã. O pecado – o abandono da fonte de águas vivas para construir cisternas gretadas – significa a ruína do homem.

– Os efeitos do pecado.

II. FORA DE DEUS, o homem só encontrará infelicidade e morte; o pecado é uma vã tentativa de conservar água numa cisterna fendida. “Ajuda‑me a repetir ao ouvido daquele, e do outro…, e de todos: um homem com fé que for pecador, ainda que consiga todas as bem‑aventuranças da terra, é necessariamente infeliz e desgraçado.

“É verdade que o motivo que nos há de levar a odiar o pecado – mesmo o venial – e que deve mover a todos, é sobrenatural: que Deus o detesta com toda a sua infinitude, com ódio sumo, eterno e necessário, como mal oposto ao infinito bem… Mas a primeira consideração que te apontei acima pode conduzir‑nos a esta última”7: a solidão que o pecado deixa na alma deve também levar‑nos a lutar contra ele. Não sem razão se disse que, com muita freqüência, “o caminho do inferno já é um inferno”.

O pecado endurece a alma para as coisas de Deus. No Evangelho da Missa8, Jesus diz, citando o profeta Isaías: Ouvireis com os vossos ouvidos e não entendereis; olhareis com os vossos olhos e não vereis. Porque o coração deste povo tornou‑se insensível, e os seus ouvidos tornaram‑se duros, e fecharam os olhos para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos e entendam com o coração… Basta lançar um olhar ao nosso redor para ver com pena como estas palavras do Senhor são também uma realidade em muitos que perderam o sentido do pecado e estão como que embrutecidos em face das realidades sobrenaturais.

O pecado mortal afasta o homem radicalmente de Deus, porque priva a alma da graça santificante; faz perder todos os méritos adquiridos pelas boas obras já realizadas e impede de receber outros novos; submete de certo modo a pessoa à escravidão do demônio; diminui a inclinação natural para a virtude, de tal maneira que cada vez se torna mais difícil realizar atos bons. Por vezes, afeta também o corpo: causa faltas de paz, mau‑humor, desânimo, pouca vontade para o trabalho; provoca uma desordem nas potências e sentimentos; ocasiona um mal para toda a Igreja e para todos os homens e separa‑os deles, ainda que externamente não se note: assim como todo o justo que se esforça por amar a Deus eleva o mundo e cada homem, todo o pecado “arrasta consigo a Igreja e, de certa maneira, o mundo inteiro. Por outras palavras, não há nenhum pecado, mesmo o mais íntimo e secreto, o mais estritamente individual, que diga respeito exclusivamente àquele que o comete. Todo o pecado repercute com maior ou menor veemência, com maior ou menor dano, em toda a estrutura eclesial e em toda a família humana”9.

Todo o pecado está íntima e misteriosamente relacionado com a Paixão de Cristo. Os nossos pecados estiveram presentes e foram a causa de tanta dor; e agora, no que depende de nós, crucificam novamente o Filho de Deus10. “Como Ele nos ama! Quanto sacrifício, quantas penas não passou para nos salvar, desde o presépio até à Cruz! O que nos dizem os mistérios dolorosos do Rosário, as estações da Via Sacra, a Cruz, os pregos e a lança, as feridas? O Senhor sofreu tudo isso por nós, por cada um de nós, unicamente para nos abrir o acesso ao Pai (Ef 2, 18), para nos obter o perdão dos pecados e o direito de possuirmos a vida eterna. Nós, em recompensa, pecamos e desprezamos todos os seus sacrifícios. E a dor mais aguda da agonia em Getsêmani foi esta: Jesus previu com clarividência divina a ingratidão com que lhe iríamos corresponder”11.

Com a ajuda da misericórdia divina, porque ninguém está confirmado na graça, o cristão que segue de perto o Senhor não cai habitualmente em faltas graves. Mas o conhecimento da nossa debilidade deve levar‑nos a evitar com cuidado as ocasiões de pecar, mesmo as mais remotas; a praticar a mortificação dos sentidos; a não confiar na experiência própria, nos anos de entrega a Deus e de uma formação esmerada… E temos de pedir ao Senhor que saibamos detestar toda a falta deliberada, que nos dê finura de consciência para não perdermos o sentido do pecado, essa tremenda realidade que parece alheia a uma boa parte da sociedade a que pertencemos, porque deu as costas a Deus.

Dizemos a Jesus com palavras de João Paulo II: “Ajuda‑nos, Senhor, a vencer a nossa indiferença e o nosso torpor! Dá‑nos o sentido do pecado. Cria em nós um coração puro e renova na nossa consciência um espírito firme”12.

– A luta contra os pecados veniais. Amor à confissão.

III. PARA ARMARMOS uma luta decidida contra o pecado, é necessário que reconheçamos sem desculpas os nossos erros diários, chamando‑os pelo seu nome, sem procurar justificações que bloqueariam a contrição e a luta por evitá‑los: omissões nos nossos deveres profissionais, na fraternidade, no trato com Deus; juízos negativos sobre os outros; ambições menos nobres ou desordenadas: de ser o centro das atenções, de mandar, de ter mais do que se precisa; movimentos de inveja e mau‑humor que se vertem sobre os outros; pouca solicitude na vida familiar…

Tudo isso são verdadeiros pecados, embora veniais, porque a vontade resiste a secundar o querer de Deus, antepondo‑lhe o capricho pessoal ou o juízo próprio, ainda que não se chegue a uma ruptura com o Senhor. O empenho por estar cada dia mais perto de Jesus Cristo não se compagina com a fraqueza de admitir coisas que nos separam dEle. Cada falta venial deliberada é um passo atrás no caminho para Deus; é entravar a ação do Espírito Santo na alma.

A água viva que o Senhor nos promete – Se alguém tem sede, venha a mim e beba… – não pode ser armazenada em vasilhames quebrados pelo pecado mortal ou rachados pelos pecados veniais. A Confissão restaura a alma, purifica‑a e enche‑a de graça. Recorramos a este sacramento com contrição verdadeira. Que possamos dizer com o Salmista: Os meus olhos derramaram rios de lágrimas porque não observaram a tua lei13.

Pedimos à nossa Mãe Santa Maria, Refúgio dos pecadores, que nos conceda a graça de detestar todo o pecado venial e um grande amor ao sacramento da Misericórdia divina. Examinemos, ao terminarmos este tempo de oração, com que freqüência recorremos a esse sacramento, com que amor nos aproximamos dele, que empenho pomos em praticar os conselhos recebidos.

(1) Sl 1, 3; (2) Jer 17, 5‑8; (3) Jo 4, 10‑15; (4) Jo 7, 37‑38; (5) Jer 2, 12‑13; Primeira leitura da Missa quinta‑feira da décima sexta semana do TC, ano II; (6) João Paulo II, Homilia, 16‑III‑1980; (7) Josemaría Escrivá, Forja, n. 1024; (8) Mt 13, 10‑17; (9) João Paulo II, Exort. Apost. Reconciliatio et Paenitentia, 2‑XII‑1984, 16; (10) cfr. Hebr 6, 6; (11) B. Baur, En la intimidad con Dios, pág. 68; (12) João Paulo II, Homilia na inauguração do Ano Santo, 25‑III‑1983; (13) Sl 118, 136.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.