TEMPO COMUM. VIGÉSIMA PRIMEIRA SEMANA. QUINTA‑FEIRA

– Necessidade de manter sempre a vida espiritual em atitude de vigília.
– A caridade dos primeiros cristãos: o dia de guarda.
– Como viver o dia de guarda.

I. TODO O EVANGELHO é um apelo para que estejamos em guarda, despertos e vigilantes em face do inimigo, que não descansa, e em face da chegada do Senhor, que não sabemos quando terá lugar: esse momento decisivo em que deveremos apresentar‑nos ao Senhor com as mãos cheias de frutos… Vigiai, pois, porque não sabeis a hora em que virá o vosso Senhor, diz‑nos o Evangelho da Missa1Sabei que, se o pai de família soubesse a que horas da noite viria o ladrão, vigiaria sem dúvida, e não deixaria arrombar a sua casa.

Para um cristão que se manteve em vigília, esse último dia não virá como um ladrão na noite2; não haverá espanto nem confusão, porque cada dia terá sido um encontro com Deus através dos acontecimentos mais simples e correntes. São Paulo compara esta vigília à guarda montada pelo soldado bem armado que não se deixa surpreender3; fala com freqüência da vida cristã como um estar de vigília à semelhança do soldado em campanha4, pois vive‑se sobriamente e não se é surpreendido pelo inimigo porque se está acordado mediante a oração e a mortificação.

Ao referir‑se ao ladrão na noite, o Senhor quer ensinar‑nos a não distrair a atenção do grande negócio da salvação, a não considerar a vigilância como coisa meramente negativa: vigiar não é apenas abster‑se do sono pelo receio de que possa acontecer algo de desagradável enquanto se dorme. Vigiar “quer dizer estar sempre em atitude de espera; significa estar com a cabeça assomada à janela com a esperança de ser o primeiro a gritar: «Estão chegando!»”5 Vigiar é estar alegre e ansiosamente atento à vinda do Senhor; é procurar com todas as forças que os que temos sob os nossos cuidados também encontrem Jesus, porque, mediante a Comunhão dos Santos, podemos ser como a sentinela que avista o inimigo e alerta os seus, como o vigia que aguarda esperançoso a chegada do seu amo para dar a boa notícia aos outros; é esperar o Senhor como aquele servo prudente que cuida da propriedade, ocupando‑se entretanto em realizar “todos os pequenos trabalhos para aproveitar o tempo: limpar o pó aqui, deixar brilhante o chão acolá, acender o fogo mais além, de modo que a casa esteja confortável quando o dono entrar.

Cada um tem uma tarefa a cumprir; cada um de nós deve organizar‑se para executá‑la o melhor possível, muito mais se, como tudo indica, não nos resta muito tempo” 6.

Vigiar, estar alerta, repelir o sono da tibieza. Conseguimo‑lo quando fazemos bem o exame geral diário, quando temos um exame particular bem concreto, que nos leve a combater um defeito importante ou a adquirir a virtude que mais nos falta.

II. OS PRIMEIROS CRISTÃOS, que souberam cumprir bem o mandamento novo do Senhor7, a ponto de os pagãos os identificarem pelo amor que tinham entre eles e pelo respeito com que tratavam a todos, viveram a caridade preocupando‑se pelas necessidades dos outros e, nos tempos difíceis, ajudando os irmãos para que todos fossem fiéis à fé. Existia entre eles o costume – Tertuliano chama‑o statio, termo castrense que significa estar de guarda8 – de jejuar e fazer penitência dois dias por semana, a fim de se prepararem para receber com a alma mais limpa a Sagrada Eucaristia, e de orar por aqueles que corriam algum perigo iminente ou passavam por uma necessidade mais grave. Sabemos, por exemplo, que São Frutuoso sofreu o martírio num dia em que jejuava porque era a sua statio, o seu dia de guarda9. Vários documentos dos primeiros séculos nos falam desse costume.

O Senhor espera que vivamos a caridade particularmente com os que têm conosco os mesmos laços da fé: “«Vede como se amam, dizem, como estão dispostos a morrer uns pelos outros»[…].

No que diz respeito ao nome de irmãos com que nós nos chamamos, eles alimentam uma idéia falsa […]. Por direito de natureza, nossa mãe comum, nós também somos vossos irmãos…, mas com quanto maior razão são considerados e chamados irmãos os que reconhecem a Deus como único Pai, os que bebem do mesmo Espírito de santidade, e os que, saídos do mesmo seio da ignorância, ficaram maravilhados com a luz da verdade!”10 Se todas as necessidades dos homens nos devem doer, como não havemos de viver uma caridade vigilante com os que possuem os nossos mesmos ideais!

Pode ser muito útil, como àqueles primeiros cristãos, fixar um dia da semana em que procuremos estar mais atentos aos nossos irmãos na fé, ajudando‑os com uma oração mais intensa, com mais sacrifícios, com demonstrações mais sinceras de afeto. Isso é estar especialmente vigilante na caridade, como a sentinela que guarda o acampamento, como o vigia que lança o grito de alerta à aproximação do inimigo.

«Custos, quid de nocte!» – Sentinela, alerta! “Tomara que tu também te acostumasses a ter, durante a semana, o teu dia de guarda: para te entregares mais, para viveres com mais amorosa vigilância cada detalhe, para fazeres um pouco mais de oração e de mortificação.

“Olha que a Santa Igreja é como um grande exército em ordem de batalha. E tu, dentro desse exército, defendes uma «frente», onde há ataques e lutas e contra‑ataques. Compreendes?

“Essa disposição, ao aproximar‑te mais de Deus, incitar‑te‑á a converter as tuas jornadas, uma após outra, em dias de guarda”11.

III. VAI – DIZ O PROFETA ISAÍAS – e põe uma sentinela que te anuncie tudo o que vir. Se vir um carro de guerra guiado por dois cavaleiros, uma fila de homens montados sobre asnos e outra sobre camelos, que preste atenção, muita atenção. E então grite: “Eu os vejo!” Assim estou eu, Senhor, no meu posto de guarda, e nele permaneço o dia inteiro e todas as noites12. A sentinela está em constante vigília, de dia e de noite, ante a iminência da chegada dos destruidores da Babilônia que tudo arrasarão e imporão os seus ídolos. O vigia está atento para salvar o seu povo; assim devemos nós estar.

Para vivermos esta vigília e crescermos na fraternidade, pode ajudar‑nos, como aos primeiros cristãos, esse dia em que pensamos especialmente nos outros. Nessa jornada, devemos dizer com os lábios e com os atos: Cor meum vigilat, o meu coração está vigilante13. Todos precisamos uns dos outros, todos podemos ajudar‑nos. Na realidade, todos participamos continuamente dos bens espirituais da Igreja, da oração dos seus filhos, da sua mortificação, do seu trabalho bem feito e oferecido a Deus, da dor de um doente… Neste momento, agora, alguém está rezando por nós, e a nossa alma vitaliza‑se pela generosidade de pessoas que talvez desconheçamos, ou de alguém que temos muito perto. Um dia, na presença de Deus, no momento do juízo particular, veremos essas imensas ajudas que nos mantiveram à tona em muitas ocasiões, e em outras nos ajudaram a aproximar‑nos um pouco mais do Senhor. Se formos fiéis, também veremos com um júbilo irreprimível como foram eficazes em outros irmãos nossos todos os sacrifícios, orações e trabalhos que oferecemos por eles, mesmo aqueles que porventura nos pareceram estéreis.

Tudo o que fazemos repercute, pois, na vida dos outros. Este pensamento deve ajudar‑nos a cumprir com fidelidade os nossos deveres, oferecendo a Deus as nossas obras, e a orar com devoção, sabendo que o nosso trabalho, doenças e preces – bem unidos à oração e ao Sacrifício de Cristo, que se renova no altar – constituem um formidável apoio para todos. Pode até acontecer que esse sentido de solidariedade sobrenatural venha a constituir um dos motivos fundamentais para a nossa própria fidelidade a Deus em momentos de desânimo, para recomeçarmos muitas vezes, para sermos generosos na mortificação. Então poderemos dizer como o Senhor: Pro eis sanctifico ego meipsum…, santifico‑me por eles14, este é o motivo pelo qual vou acabar bem este trabalho, viver aquela mortificação que me custa. Jesus olhará então para nós com especial ternura, e não nos soltará da sua mão. Poucas coisas são tão gratas ao Senhor como aquelas que se referem de modo direto aos seus irmãos, nossos irmãos.

Esta caridade vigilante, esse “dia de guarda”, é fortaleza para todos. “«Frater qui adjuvatur a fratre quasi civitas firma» – O irmão ajudado por seu irmão é tão forte quanto uma cidade amuralhada. – Pensa um pouco e decide‑te a viver a fraternidade que sempre te recomendo” 15.

Dia de guarda. Uma jornada para sermos mais vibrantes na caridade, com o exemplo, com muitas obras singelas de serviço a todos, com pequenos sacrifícios que tornem a todos a vida mais amável; um dia para ver se ajudamos com a correção fraterna os que precisam dela; uma jornada para recorrermos mais freqüentemente a Maria, “porto dos que naufragam, consolo do mundo, resgate dos cativos, alegria dos enfermos”16, com a recitação do Rosário, com a oração Lembrai‑vos, pedindo pelos que mais precisam de ajuda.

(1) Mt 24, 42‑51; (2) 1 Tess 5, 2; (3) cfr. 1 Tess 5, 4‑11; (4) cfr. J. Precedo, El cristiano en la metáfora castrense de San Pablo, S.P.C.I.C., Roma, 1963, págs. 343‑358; (5) R. Knox, Ejercicios para seglares, 2ª ed., Rialp, Madrid, 1962, pág. 77; (6) ib., pág. 79; (7) cfr. Jo 13, 34; (8) cfr. A. G. Hamman, A vida cotidiana dos primeiros cristãos, pág. 200; (9) cfr. Martírio de São Frutuoso, em Atas dos mártires, BAC, Madrid, 1962, pág. 784; (10) Tertuliano, Apologético, 39; (11) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 960; (12) Is 21, 6‑8; (13) Cant 5, 2; (14) cfr. Jo 17, 19; (15) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 460; (16) Santo Afonso Maria de Ligório, Visitas ao Santíssimo Sacramento, 2.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal