TEMPO COMUM. DÉCIMA NONA SEMANA. SÁBADO

– O amor de Jesus pelas crianças e pelos que, por serem filhos de Deus, se fazem semelhantes a elas.
– Vida de infância e filiação divina.
– Infância espiritual e humildade.

I. JESUS AMOU COM PREDILEÇÃO assim no‑lo mostra o Evangelho em várias ocasiões – os doentes, os que mais precisavam dEle e as crianças. Quanto a estas, amou‑as com verdadeira ternura porque, além de precisarem sempre de ajuda, possuem as qualidades que Ele exige como condições indispensáveis para se fazer parte do seu Reino.

Em duas ocasiões o Evangelho da vida pública nos mostra Jesus abençoando as crianças e apresentando‑as aos seus discípulos como exemplo. Uma foi na Galiléia, em Cafarnaum, e a outra na Judéia, provavelmente perto de Jericó, quando o Senhor se preparava para subir a Jerusalém. O último desses relatos está contido no Evangelho da Missa de hoje 1: Apresentaram‑lhe umas crianças, diz São Mateus. Quem as levou eram certamente mulheres: as mães, avós ou irmãs. Entraram na casa onde Jesus estava, provavelmente empurrando as crianças para a frente, e puseram‑nas diante do Senhor, para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas, como se se tratasse de um gesto habitual de Jesus. Talvez com isso tivessem distraído os ouvintes que escutavam o Mestre, porque diz o Evangelho que os discípulos as repreendiam. Mas o Senhor interveio: Deixai vir a mim as criancinhas, e não as impeçais, porque delas é o reino dos céus. E tendo‑lhes imposto as mãos, partiu dali.

Ao declarar que o Reino dos céus pertence às crianças, o Senhor ensina em primeiro lugar, com o sentido próprio das palavras, que as crianças não estão de maneira nenhuma excluídas do Reino e que, portanto, devemos ter um grande cuidado em prepará‑las e conduzi‑las a Ele. Antes de mais nada, devem ser batizadas quanto antes, como o tem repetido a nossa Mãe a Igreja em todas as épocas 2, pois deseja tê‑las quanto antes no seu seio. “O sentir comum dos Santos Padres – ensina o Catecismo Romano – prova que esta lei deve ser entendida não só em relação aos que já estão na idade adulta, mas também às crianças na infância, e que a Igreja a recebeu por Tradição Apostólica. Deve‑se crer, além disso, que o próprio Cristo Nosso Senhor não quis que fosse negado o sacramento e a graça do batismo às crianças, das quais dizia: Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçais…” 3 O dever dos pais inicia‑se com “a obrigação de fazer com que os filhos sejam batizados nas primeiras semanas de vida” 4.

Nessa passagem do Evangelho, o Senhor diz‑nos também que o seu Reino pertence aos que, como as crianças, têm um olhar limpo e um coração puro, sem complicações nem orgulho: diante de Deus, somos como crianças, e assim devemos comportar‑nos diante dEle. “A criança está, no começo da vida, aberta a qualquer aventura. Também tu; não ponhas nenhum obstáculo para avançar na vida do Evangelho e para continuar durante a tua vida nessa novidade” 5.

II. NA SUA PRIMEIRA VINDA à terra, na Encarnação, o Filho de Deus não se apresentou como um anjo nem como um poderoso; veio sob a débil e frágil condição de uma criança. Embora tivesse podido manifestar‑se de outra forma, preferiu a debilidade de uma criança, como se necessitasse de proteção e amor.

Deus quis que nós, imitando o seu Filho, nos comportássemos como aquilo que somos: filhos débeis, que necessitam continuamente da sua ajuda. O Pai quer que sejamos chamados filhos de Deus, e que o sejamos na realidade6, e nessas poucas palavras está contido um dos pontos centrais da nossa fé, que nos dá a pauta para o nosso comportamento diante de Deus.

Para sermos como crianças, é necessário que nos disponhamos a mudar profundamente, que deixemos de pensar, julgar e agir à maneira das pessoas mais velhas; e que assimilemos o ensinamento divino e nos impregnemos dele com a espontaneidade e a inocência de um filho pequeno, sem os preconceitos, a malícia e as espertezas dos adultos. Para isso, temos de cultivar em primeiro lugar uma firme vontade de nos comportarmos como filhos de Deus, dóceis à sua Vontade, com pureza de mente e de corpo, humildade e simplicidade de espírito.

Fazer‑se semelhante às crianças na vida espiritual é mais do que uma boa devoção: é um querer expresso do Senhor. Ainda que nem todos os santos o tenham manifestado de uma maneira explícita, essa foi a atitude de todos eles, porque o Espírito Santo desperta‑a sempre, inspirando‑nos essa retidão de coração que as crianças possuem na sua inocência 7.

“O menino bobo chora e esperneia, quando a mãe carinhosa lhe espeta um alfinete no dedo para lhe tirar o espinho que se cravou… O menino ajuizado, talvez com os olhos cheios de lágrimas – porque a carne é fraca –, olha agradecido para a sua boa mãe, que o faz sofrer um pouco para evitar maiores males.

“– Jesus, que eu seja menino ajuizado” 8, pedimos‑lhe nestes minutos de oração: que eu saiba compreender que na doença, na dor, no aparente fracasso profissional…, encontra‑se a mão providente de um Pai que nunca deixou de velar pelos seus filhos. Aceitemos com um coração alegre e agradecido tudo o que a vida nos queira oferecer, o doce e o amargo, como enviado ou permitido por quem é infinitamente sábio, por quem mais nos ama.

Esta vida de infância espiritual exige simplicidade, humildade, abandono, mas não é imaturidade. “O menino bobo chora e esperneia…”: o infantilismo é falta de maturidade da mente, do coração, das emoções, e está intimamente ligado à falta de auto‑disciplina, à falta de luta. É uma atitude que pode acompanhar as pessoas durante toda a vida, até à velhice, até à morte, impedindo‑as de ser verdadeiramente crianças diante de Deus.

A verdadeira infância espiritual traz consigo maturidade na mente – que é ponderar os acontecimentos à luz da fé e com a assistência dos dons do Espírito Santo – e, juntamente com essa maturidade, a simplicidade, a descomplicação: “O menino ajuizado olha agradecido…”

Por contraste, não progride no caminho de infância quem vive na maranha da complicação, com todas as flutuações da imaturidade nos seus desejos, nas suas idéias, nas suas imaginações, com uma conduta variável a cada momento. Esse está permanentemente preocupado com o seu “eu”…, que é a única coisa que lhe importa, ao contrário do menino ajuizado que, na sua simplicidade e na sua fraqueza, está totalmente ocupado na glória de seu Pai‑Deus, tal como viveu sempre o seu Mestre aqui na terra: a verdadeira criança, o verdadeiro filho, vive e fala com seu Pai 9.

III. A NOSSA PIEDADE deve estar impregnada de amor, e como poderíamos amar se não começássemos por reconhecer o Senhor como um Pai cheio de amor para com os seus filhos pequenos? Talvez muitos cristãos vivam afastados de Deus ou mantenham com Ele umas relações dificultadas pela imaturidade dos seus caprichos, ou marcadas pela rigidez e pela frieza, por não terem descoberto nas suas vidas o sentido da filiação divina e o caminho da infância espiritual, que para tantas almas foi o começo definitivo de uma verdadeira vida interior.

Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança não entrará nele10. “Por que se diz – pergunta Santo Ambrósio – que as crianças são aptas para o Reino dos céus? Talvez porque geralmente não têm malícia, não sabem enganar nem se atrevem a enganar‑se; desconhecem a luxúria, não desejam as riquezas e ignoram a ambição. Mas a virtude de tudo isto não consiste no desconhecimento do mal, mas na sua repulsa; não consiste na impossibilidade de pecar, mas em não consentir no pecado. Por conseguinte, o Senhor não se refere à infância como tal, mas à inocência que as crianças possuem na sua simplicidade” 11.

Na vida cristã, a maturidade dá‑se precisamente quando nos fazemos crianças diante de Deus, filhos pequenos que confiam e se abandonam nEle como uma criança se abandona nos braços de seu pai. Então encaramos os acontecimentos do mundo como são, no seu verdadeiro valor, e não temos outra preocupação fora a de agradar ao nosso Pai e Senhor.

A vida de infância espiritual é um caminho que exige a virtude sobrenatural da fortaleza para vencer os ímpetos do orgulho e da auto‑suficiência, todos esses movimentos interiores que, à vista dos nossos fracassos, nos podem levar ao desalento, à aridez e à solidão. A piedade filial, pelo contrário, fortalece a esperança, a certeza de chegar à meta, e dá‑nos paz e alegria nesta vida. Perante as dificuldades da vida, não nos sentiremos nunca sozinhos. O Senhor não nos abandona, e esta confiança será para nós como a água para o viajante no deserto. Sem ela, não poderíamos prosseguir viagem.

Peçamos à Virgem, nossa Mãe, que nos segure sempre pela mão, como aos filhos pequenos, com tanto mais cuidado quanto maiores forem a maturidade humana e a experiência que os anos nos forem dando.

(1) Mt 19, 13‑15; (2) cfr. S. C. para a doutrina da fé, Instrução sobre o batismo das crianças, 20‑X‑1980; (3) Catecismo Romano, II, 2, 32; (4) Código de Direito Canônico, can. 867, 1; (5) Ch. Lubich, Palabras para vivir, Ciudad Nueva, Madrid, 1981, pág. 47; (6) 1 Jo 3, 1; (7) cfr. B. Perquin, Abba, Padre, pág. 142; (8) Josemaría Escrivá, Forja, n. 329; (9) cfr. B. Perquin, op. cit., pág. 143; (10) Lc 18, 17; (11) Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São Lucas, 18, 17.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal