Primeiros Cristãos. Universalidade da Fé
TEMPO PASCAL. QUARTA SEMANA. TERÇA-FEIRA
– A rápida propagação do cristianismo. Os primeiros cristãos santificaram-se no meio do ambiente em que encontraram Cristo.
– Cidadãos exemplares no meio do mundo. Levar Cristo a todos os ambientes.
– Costumes cristãos no seio da família.
I. “NOSSO SENHOR funda a sua Igreja sobre a fraqueza – mas também sobre a fidelidade – de uns homens, os Apóstolos, aos quais promete a assistência constante do Espírito Santo [...]. A pregação do Evangelho não surge na Palestina por iniciativa pessoal de alguns homens fervorosos. O que é que os Apóstolos podiam fazer? Não contavam nada no seu tempo; não eram ricos, nem cultos, nem heróis do ponto de vista humano. Jesus coloca sobre os ombros desse punhado de discípulos uma tarefa imensa, divina” 1.
Quem tivesse contemplado sem sentido sobrenatural os começos apostólicos daquele pequeno grupo, teria concluído que se tratava de uma iniciativa destinada ao fracasso. Não obstante, esses homens tiveram fé, foram fiéis e começaram a pregar por toda a parte aquela doutrina insólita que chocava frontalmente com muitos costumes pagãos; em pouco tempo o mundo soube que Jesus Cristo era o Redentor do mundo.
Desde o princípio, a Boa Nova é pregada a todos os homens, sem discriminação alguma. Os que se tinham dispersado com a perseguição provocada pela morte de Estêvão – lemos na Missa de hoje 2 – chegaram até a Fenícia, Chipre e Antioquia. Nesta cidade, foram tantas as conversões que foi ali que pela primeira vez se deu o nome de cristãos aos discípulos do Senhor. Poucos anos depois, encontramos seguidores de Cristo em Roma e em todas as regiões do Império.
Nos começos, a fé cristã arraigou principalmente entre pessoas de condição modesta: soldados, cardadores de lã, escravos, comerciantes. Vede, irmãos – escrevia São Paulo –, quem são os que foram chamados à fé entre vós: não há muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos nobres... 3
Para Deus, não há distinção de pessoas, e os primeiros chamados – ignorantes e débeis aos olhos humanos – foram os instrumentos que o Senhor utilizou para a expansão da Igreja. Assim ficou mais patente que a eficácia era divina. Isto não quer dizer que não houvesse entre os primeiros cristãos pessoas cultas, sábias, importantes – um ministro etíope, centuriões, homens como Apolo e Dionísio Areopagita, mulheres como Lídia –, mas eram poucos dentro do grande número dos convertidos à nova fé. São Tomás comenta que “também pertence à glória de Deus o fato de que Ele tenha atraído a Si os sublimes do mundo através de pessoas simples” 4.
Os primeiros cristãos exerciam todas as profissões correntes no seu tempo, a não ser aquelas que podiam trazer algum perigo para a sua fé, como as de “intérpretes de sonhos”, adivinhos, guardas dos templos... E embora a vida pública estivesse permeada de práticas religiosas pagãs, cada um permaneceu no lugar e profissão em que a fé o encontrou, esforçando-se por dar o seu tom ao ambiente em que vivia, por ter uma conduta exemplar, sem fugir do convívio – antes pelo contrário – com os vizinhos e concidadãos. Estavam presentes no foro, no mercado, no exército... “Nós, cristãos – dirá Tertuliano –, não vivemos afastados do mundo; freqüentamos o foro, as termas, as oficinas, as lojas, os mercados e as praças públicas. Exercemos os ofícios de marinheiro, de soldado, de agricultor, de negociante...” 5
O Senhor recorda-nos que também nos dias de hoje Ele nos chama a todos, sem estabelecer distinções de profissão, de raça ou de condição social. “Como te inspiram compaixão!... Quererias gritar-lhes que estão perdendo o tempo... Por que são tão cegos e não percebem o que tu – miserável – já viste? Por que não hão de preferir o melhor?
“– Reza, mortifica-te, e depois – tens obrigação disso! – desperta-os um a um, explicando-lhes – também um a um – que, tal como tu, podem encontrar um caminho divino, sem abandonar o lugar que ocupam na sociedade” 6.
Foi o que fizeram os nossos primeiros irmãos na fé.
II. NOS FINS DO SÉCULO II, os cristãos estão já espalhados por todo o Império: “Não há raça alguma de homens, chamem-se bárbaros, gregos ou outra coisa, quer habitem em casas ou sejam nômadas sem lugar para morar ou morando em tendas de pastores, entre os quais não se ofereçam pelo nome de Jesus crucificado orações e ações de graças ao Pai, Criador de todas as coisas”7.
Os fiéis cristãos não fogem do mundo para procurarem o Senhor em plenitude: consideram-se parte integrante desse mundo, que por outro lado procuram vivificar por dentro, com a sua oração, com o seu exemplo, com uma caridade magnânima: “O que é a alma para o corpo, isso são os cristãos para o mundo”8. Vivificaram o seu mundo – que em muitos aspectos tinha perdido o sentido da dignidade humana – sendo cidadãos como os outros e sem distinguir-se deles nem pelo modo de vestir, nem por insígnias, nem por mudarem de cidadania 9.
Não somente são cidadãos, como procuram ser exemplares: “Obedecem às leis, mas com a sua vida vão além das leis” 10. Honram a autoridade civil, pagam os impostos e cumprem as demais obrigações sociais. E isto, tanto em épocas de paz como em períodos de perseguição e de ódio manifesto. São Justino, em meados do século II, descreve o heroísmo com que os primeiros cristãos viviam as virtudes cívicas: “Como aprendemos dEle (de Cristo), procuramos pagar os tributos e as contribuições, íntegra e prontamente, aos vossos encarregados [...]. Adoramos somente a Deus, mas vos obedecemos com gosto em todas as demais coisas, reconhecendo abertamente que sois os reis e os governantes dos homens, e pedindo na oração que, juntamente com o poder imperial, encontreis também uma arte de governo repleta de sabedoria” 11. E Tertuliano, que atacava com veemência a degenerescência do mundo pagão, escrevia que os fiéis oravam nas suas assembléias pelo imperador, pelos seus ministros e autoridades, pelo bem-estar temporal e pela paz do Império12.
Seja em que época for, os cristãos não podem viver de costas para a sociedade de que fazem parte. Enraizados no coração do mundo, hão de procurar cumprir responsavelmente as suas tarefas pessoais, para impregná-las por dentro de um espírito novo, de caridade cristã. Quanto mais longe de Cristo estiver determinado ambiente, tanto mais urgente será a presença dos cristãos nesse lugar, para condimentá-lo com o sal de Cristo e devolver ao homem a sua dignidade tantas vezes perdida. “Para seguir as pegadas de Cristo, o apóstolo de hoje não vem reformar nada, e muito menos desentender-se da realidade histórica que o rodeia... – Basta-lhe atuar como os primeiros cristãos, vivificando o ambiente” 13.
III. OS CAMINHOS QUE LEVARAM os primeiros cristãos à fé foram muito variados, e alguns deles extraordinários, como aconteceu com São Paulo 14. Houve muitos que foram chamados pelo Senhor por meio do exemplo de um mártir, mas a maioria chegou a conhecer a Boa Nova através de alguns companheiros de trabalho, de prisão, de viagem, etc. E já na época apostólica se tornou costume batizar as crianças mesmo antes de chegarem ao uso da razão. São Paulo, à semelhança dos outros Apóstolos, batizou famílias inteiras. Dois séculos mais tarde, Orígenes podia escrever: “A Igreja recebeu dos Apóstolos o costume de administrar o batismo mesmo às crianças” 15.
As casas dos primeiros fiéis, externamente iguais às outras, converteram-se em lares cristãos. Os pais transmitiam a fé aos seus filhos, e estes aos deles, e assim a família se converteu num pilar fundamental da consolidação da fé e dos costumes cristãos. Repletos de caridade, os lares cristãos eram recantos de paz no meio das incompreensões externas, das calúnias, da perseguição. No lar, aprendia-se a oferecer o dia a Deus, a dar-lhe graças, a abençoar os alimentos, a orar na escassez e na abundância.
Os ensinamentos dos pais brotavam com naturalidade ao ritmo da vida, e assim a família cumpria a sua função educadora. São João Crisóstomo dá estes conselhos a um casal cristão: “Mostra à tua mulher que aprecias muito viver com ela e que por ela preferes ficar em casa a andar pela rua. Prefere-a a todos os teus amigos e mesmo aos filhos que ela te deu; ama esses filhos por amor dela [...]. Fazei juntos as vossas orações [...]. Aprendei o temor de Deus; todas as outras coisas fluirão daí como de uma fonte e a vossa casa se encherá de inumeráveis bens” 16. Houve também casos em que o foco de expansão do cristianismo na família era uma filha ou um filho: atraíam os outros irmãos à fé, depois os pais, e estes os tios..., acabando por aproximar os próprios avós.
Os costumes cristãos que se podem viver numa família são muitos: a recitação do terço, os quadros ou imagens de Nossa Senhora, a bênção dos alimentos... e muitos outros. Se soubermos praticá-los, contribuirão para que se respire sempre no lar um clima amável, de família cristã, onde os filhos, desde pequenos, aprenderão com naturalidade a tratar com Deus e com a sua Mãe Santíssima.
(1) São Josemaría Escrivá, Lealdade à Igreja, Palabra, Madrid, 1985; (2) cfr. At 11, 19-20; (3) 1 Cor 1, 26; (4) São Tomás, Comentário à 1ª Carta aos Corintios; (5) Tertuliano, Apologético, 42; (6) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 182; (7) São Justino, Diálogo com Trifon, 117, 5; (8) Epístola a Diogneto, 6, 1; (9) cfr. ib., 5, 1-11; (10) ib., 5, 10; (11) São Justino, Apologia 1, 17; (12) cfr. Tertuliano, Apologético, 39, 1 e segs.; (13) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 320; (14) cfr. At 9, 1-19; (15) Origenes, Com. à carta aos Romanos, 5, 9; (16) São João Crisóstomo, Hom. 20 sobre a carta aos Efésios.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
São Ciríaco
04 de Maio
São Ciríaco
Segundo um antigo texto da tradição cristã, do século IV, um hebreu de nome Judas teria ajudado nos trabalhos para encontrar a cruz de Cristo na cidade de Jerusalém, promovidos pelo bispo e pela rainha Helena, que era cristã e mãe do então imperador Constantino. Esse hebreu se converteu e se tornou um sacerdote, tomando o nome de Ciríaco, que em grego significa 'Patrício', nome comum entre os romanos.
Mais tarde, após ter percorrido as estradas da Palestina, ele foi eleito bispo de Jerusalém, e aí teria sido martirizado, junto com sua mãe, chamada Ana, durante a perseguição de Juliano, o Apóstata.
Essa seria a história de são Ciríaco, que comemoramos hoje, não fosse a marca profunda deixada por sua presença na cidade italiana de Ancona, em Nápoles. A explicação para isto encontra-se no Martirológio Romano, que associou os textos antigos e confirmou sua presença em ambas as cidades. A conclusão de sua trajetória exata é o que veremos a seguir.
Logo que se converteu, para fugir à hostilidade dos velhos amigos pagãos, Ciríaco teria abandonado a Palestina para exilar-se na Itália, fixando-se em Ancona. Nessa cidade ele foi eleito bispo, trabalhando, arduamente, para difundir o cristianismo, pois o Edito de Milão dava liberdade para a expansão da religião em todos os domínios do Império.
Após uma longa vida episcopal, Ciríaco, já idoso, fez sua última peregrinação à cidade de Jerusalém, onde fora bispo na juventude, para rever os lugares santos. E foi nesse momento que ele sofreu o martírio e morreu em nome de Cristo, por ordem do último perseguidor romano, Juliano, o Apóstata, entre 361 e 363.
Os devotos dizem que suas relíquias chegaram ao porto de Ancona trazidas pelas ondas do mar. Essa tradição é celebrada, no dia 4 de maio, na catedral de Ancona, onde são distribuídos maços de junco benzidos.
Na realidade, as relíquias de são Ciríaco retornaram à cidade durante o governo do imperador Teodósio, entre 379 e 395, graças à sua filha, Gala Plácida, que interveio favoravelmente junto às autoridades, conseguindo o que a população de Ancona tanto desejava.
A memória desse culto antiquíssimo a são Ciríaco pode ser observada pelos monumentos, das mais remotas épocas, que existem, em toda a cidade, com a imagem do santo. Aliás, são Ciríaco foi escolhido como o padroeiro de Ancona e a própria catedral, no século XIV, foi dedicada a ele, mudando até o nome. Essa majestosa igreja, que domina a cidade do alto das colinas do Guasco, é vista por todos os que chegam em Ancona por terra ou por mar, mais um tributo à são Ciríaco, por seu exílio e vida episcopal.
Texto: Paulinas Internet
Desejos de Santidade
TEMPO PASCAL. QUARTA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA
– Querer ser santo é o primeiro passo necessário para percorrer o caminho até o fim. Desejos sinceros e eficazes.
– O aburguesamento e a tibieza matam os desejos de santidade. Estar vigilantes.
– Contar com a graça de Deus e com o tempo. Evitar o desânimo na luta por melhorar.
I. COMO A CORÇA ANSEIA pelas águas vivas, assim a minha alma suspira por vós, ó meu Deus. Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e contemplarei a face de Deus? 1 Assim rezamos na liturgia da Missa de hoje. A corça que procura saciar a sua sede na fonte é a figura que o salmista emprega para descrever o desejo de Deus que se aninha no coração do homem reto: sede de Deus, ânsias de Deus! Eis a aspiração de quem não se conforma com os êxitos oferecidos pelo mundo para satisfazer os sonhos humanos.
De que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma? 2 Esta pergunta de Jesus situa-nos de um modo radical perante o grandioso horizonte da nossa vida, de uma vida cuja razão última está em Deus. Minha alma tem sede de Deus! Os santos foram homens e mulheres que, no meio de todos os seus defeitos, tiveram um grande desejo de saciar-se de Deus. Cada um de nós pode perguntar-se: tenho verdadeiramente desejos de ser santo? Mais ainda: gostaria de ser santo? A resposta, sem dúvida, será afirmativa: sim. Mas devemos procurar que não seja uma resposta teórica, porque, para alguns, a santidade pode ser “um ideal inacessível, um lugar comum da ascética, mas não um fim concreto, uma realidade viva” 3. Nós queremos torná-la realidade com a graça do Senhor.
Assim a minha alma suspira por vós, ó meu Deus. Temos que começar por fomentar na nossa alma o desejo de santidade, dizendo ao Senhor: “Sim, quero ser santo”; ou ao menos, se me vejo débil e fraco, “quero ter desejos de ser santo”.
E para que a dúvida se dissipe, para que a santidade não fique num som vazio, fixemos o nosso olhar em Cristo: “O Senhor Jesus, Mestre e Modelo divino de toda a perfeição, pregou a todos e a cada um dos discípulos de qualquer condição a santidade de vida, da qual Ele mesmo é o autor e consumador, dizendo: Sede, portanto, perfeitos, como também vosso Pai celestial é perfeito (Mt 5, 48)” 4.
Ele é o iniciador. Se não fosse assim, nunca nos passaria pela cabeça a possibilidade de aspirar à santidade. Mas Jesus estabelece-a como um preceito: Sede perfeitos, e por isso não é de estranhar que a Igreja faça ressoar com força essas palavras ao ouvido dos seus filhos: “Todos os fiéis cristãos estão, pois, convidados e obrigados a procurar a santidade e a perfeição dentro do seu estado” 5.
Como conseqüência, que clara deve ser a nossa ânsia de santidade! Na Sagrada Escritura, o profeta Daniel é chamado vir desideriorum, “varão de desejos” 6. Oxalá cada um de nós merecesse esse nome! Porque ter desejos, querer ser santo, é o passo necessário para tomar a decisão de empreeender o caminho com o firme propósito de percorrê-lo até o fim: “... ainda que me canse, ainda que não possa, ainda que arrebente, ainda que morra” 7.
“Deixa que a tua alma se consuma em desejos... Desejos de amor, de esquecimento próprio, de santidade, de Céu... Não te detenhas a pensar se chegarás alguma vez a vê-los realizados, como te sugerirá algum sisudo conselheiro; aviva-os cada vez mais, porque o Espírito Santo diz que Lhe agradam os «varões de desejos». – Desejos operantes, que tens de pôr em prática na tarefa cotidiana” 8.
Portanto, é preciso que examinemos se os nossos desejos de santidade são sinceros e eficazes; mais ainda, se os encaramos como uma “obrigação” – como vimos que diz o Concílio Vaticano II –, em resposta aos requerimentos divinos. À luz desse exame, talvez achemos a explicação para tanta fraqueza, para tanta falta de vontade na luta interior. “Dizes que sim, que queres. – Está bem. – Mas... queres como um avaro quer o seu ouro, como uma mãe quer ao seu filho, como um ambicioso quer as honras, ou como um pobre sensual quer o seu prazer? – Não? Então não queres” 9.
II. A CONVERSÃO DO CENTURIÃO Cornélio, que se lê na primeira leitura da Missa, demonstra que Deus não faz distinção de pessoas. São Pedro explica aos outros Apóstolos o que lhe aconteceu: O Espírito Santo desceu sobre eles, assim como no princípio descera sobre nós 10.
A força do Espírito Santo não conhece limites nem barreiras, como não as conheceu no caso de Cornélio, que não pertencia à raça nem ao povo judeu. Também não as conhece na nossa vida pessoal: por um lado, temos que desejar ser santos; por outro, se Deus não edifica a casa, em vão trabalham os que a constroem 11. A humildade far-nos-á contar sempre e antes de mais nada com a graça de Deus. Depois, virá o nosso esforço pessoal por adquirir virtudes e, juntamente com esse esforço, o nosso empenho apostólico, pois não podemos pensar numa santidade pessoal que ignore os outros, pois isso seria um contrasenso; e, por último, o nosso desejo de estar com Cristo na Cruz, quer dizer, de ser mortificados, de não rejeitar o sacrifício nem em coisas pequenas nem, se for preciso, nas grandes.
Temos que estar prevenidos para não nos aproximarmos de Deus com regateios, querendo tornar compatível o amor a Deus com aquilo que não lhe agrada. Devemos esforçar-nos por alimentar continuamente na oração os nossos desejos de santidade, pedindo a Deus a graça de saber lutar todos os dias, de saber descobrir no exame de consciência em que pontos o nosso amor se está apagando. Os desejos de santidade tornar-se-ão realidade mediante o cumprimento delicado dos nossos atos de piedade, sem abandoná-los nem adiá-los seja por que motivo for, sem nos deixarmos levar pelo estado de ânimo nem pelos sentimentos, pois “a alma que ama a Deus de verdade não deixa, por preguiça, de fazer o que pode para encontrar o Filho de Deus, seu Amado. E depois de ter feito tudo o que pode, não fica satisfeita, pois pensa que não fez nada” 12.
A humildade é a virtude que não nos deixará dar-nos ingenuamente por satisfeitos com o que já fizemos, nem nos deixará ficar somente em desejos teóricos, pois sempre nos fará ver que podemos fazer mais para traduzir esses desejos em obras de amor, impedindo que a realidade dos nossos pecados, ofensas e negligências deite por terra os nossos sonhos. A humildade não corta as asas dos desejos, mas faz-nos compreender a necessidade de recorrermos a Deus para convertê-los em realidade. Com a graça divina, faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que as virtudes se desenvolvam na nossa alma, de modo a afastarmos os obstáculos, a evitarmos as ocasiões de pecar e a resistirmos com valentia às tentações.
III. MINHA ALMA tem sede de Deus, do Deus vivo. Mas será compatível essa sede com a consciência dos nossos defeitos e mesmo das nossas quedas? Sim, porque não são santos os que nunca pecaram, mas os que sempre se levantaram. Renunciar à santidade porque nos vemos cheios de defeitos é uma manifestação disfarçada de soberba e uma evidente covardia, que acabará por afogar os nossos desejos de Deus. “Abater-se demasiado e sucumbir perante as adversidades é próprio de uma alma covarde e que não tem a vigorosa virtude de confiar nas promessas do Senhor” 13.
Deixar Deus, abandonar a luta porque temos defeitos ou porque existem adversidades é um grave erro, uma tentação muito sutil e muito perigosa, que nos pode levar a essa manifestação de soberba que é a pusilanimidade, a falta de ânimo e valor para tolerar as desgraças ou para tentar realizar coisas grandes. Talvez precisemos de não criar falsas ilusões, porque quereríamos ser santos em um só dia, e isso não é possível, a não ser que Deus decida fazer um milagre, que não tem por que fazê-lo, pois nos dá contínua e progressivamente – pelos canais ordinários – as graças de que necessitamos.
O desejo de sermos santos, quando é eficaz, consiste num impulso consciente e decidido que nos leva a usar de todos os meios para alcançar a santidade. Sem desejos, não há nada a fazer; nem sequer se tenta. Mas somente com desejos não se vai a parte nenhuma. “É preciso, pois, ter paciência, e não pretender desterrar num só dia tantos maus hábitos que adquirimos pelo pouco cuidado que tivemos com a nossa saúde espiritual” 14.
Deus conta com o tempo e é paciente com cada um de nós. Se desanimamos com a lentidão do nosso avanço espiritual, temos que lembrar-nos de como é péssimo afastar-se do bem, deter-se diante das dificuldades e descoroçoar-se com os defeitos próprios. Precisamente nessas circunstâncias é que Deus nos pode conceder mais luzes para examinarmos melhor a nossa consciência e para empreendermos com mais ânimo a luta em muitos outros pontos de batalha, lembrando-nos de que os santos sempre se consideraram grandes pecadores e justamente por isso procuraram aproximar-se mais de Deus por meio da oração e da mortificação, confiantes na misericórdia divina: “Esperemos com paciência que haveremos de melhorar e, ao invés de nos inquietarmos por termos feito pouco no passado, procuremos com diligência fazer mais no futuro” 15.
Como a corça anseia pelas águas vivas, assim a minha alma suspira por vós, ó meu Deus. Mantenhamos vivo o desejo de Deus; alimentemos todos os dias a fogueira da nossa fé e da nossa esperança com o fogo do amor a Deus, que aviva as nossas virtudes e queima a nossa miséria, e saciaremos a nossa sede de santidade em águas que saltam até a vida eterna 16.
(1) Sl 41; Salmo responsorial da Missa da segunda-feira da quarta semana do Tempo Pascal; (2) Mt 16, 26; (3) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 96; (4) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 40; (5) ib., 42; (6) Dan 9, 23; (7) Santa Teresa, Caminho de perfeição, 21, 2; (8) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 628; (9) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 316; (10) At 11, 15-17; (11) Sl 126, 1; (12) São João da Cruz, Cântico espiritual, 3, 1; (13) São Basílio, Homilias sobre a alegria; em F. Fernandez Carvajal, Antologia de textos, n. 1781; (14) J. Tissot, A arte de aproveitar as próprias faltas, pág. 14; (15) ib., págs. 24-25; (16) cfr. Jo 4, 14.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
O Bom Pastor. Amor ao Papa
TEMPO PASCAL. QUARTO DOMINGO
— Jesus é o bom Pastor e encarrega Pedro e os seus sucessores de continuarem a sua missão aqui na terra.
— O primado de Pedro. O amor dos primeiros cristãos por Pedro.
— Obediência fiel ao Vigário de Cristo; difundir os seus ensinamentos. O “doce Cristo na terra”.
I. “RESSUSCITOU O BOM PASTOR que deu a vida pelas suas ovelhas e se dignou morrer pelo seu rebanho. Aleluia” 1.
A liturgia deste domingo é dominada pela figura do Bom Pastor que, pelo seu sacrifício, devolveu a vida às ovelhas e as reconduziu ao redil. Quando São Pedro, no meio das primeiras perseguições aos cristãos, lhes escrever para firmá-los na fé, recordar-lhes-á o que Cristo sofreu por eles: Por suas chagas fomos curados. Porque éreis como ovelhas desgarradas; mas agora retornastes ao Pastor e guarda das vossas almas 2. Por isso a Igreja inteira se enche de júbilo pela ressurreição de Jesus Cristo 3 e pede a Deus Pai que “o débil rebanho do vosso Filho tenha parte na admirável vitória do seu Pastor” 4.
Os primeiros cristãos manifestaram uma entranhada predileção pela imagem do Bom Pastor, testemunhada em inúmeras pinturas murais, relevos, desenhos em epitáfios, mosaicos e esculturas, nas catacumbas e nos mais veneráveis edifícios da Antigüidade. A liturgia deste domingo convidamos a meditar na misericordiosa ternura do nosso Salvador, para que reconheçamos os direitos que Ele adquiriu sobre cada um de nós com a sua morte. É também uma boa ocasião para considerarmos na nossa oração pessoal o nosso amor pelos bons pastores que o Senhor deixou para nos guiarem e guardarem em seu nome.
O Antigo Testamento alude muitas vezes ao Messias como o bom pastor que alimentará, regerá e governará o povo de Deus, freqüentemente abandonado e disperso. Essas profecias cumprem-se em Jesus com características novas. Ele é o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas e que estabelece pastores para que continuem a sua missão. Em contraste com os ladrões, que andam atrás dos seus interesses e deitam a perder o rebanho, Jesus é a porta da salvação5, que permite encontrar pastagens abundantes a quem a transponha 6. Existe uma terna relação pessoal entre Jesus, o Bom Pastor, e as suas ovelhas: Ele as chama a cada uma pelo seu nome, caminha à frente delas, e as ovelhas o seguem porque conhecem a sua voz… Ele é o pastor único que forma um só rebanho 7, protegido pelo amor do Pai 8. É o pastor supremo 9.
Na sua última aparição, pouco antes da Ascensão, Cristo ressuscitado constitui Pedro como pastor do seu rebanho 10, como guia da Igreja. Cumpre-se então a promessa que fizera pouco antes da Paixão: Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos 11. A seguir, profetiza-lhe que, como bom pastor, também ele morrerá pelo seu rebanho.
Cristo confia em Pedro, apesar da tríplice negação do Apóstolo. Apenas lhe pergunta, também por três vezes, se o ama. O Senhor não tem inconveniente em confiar a sua Igreja a um homem com fraquezas, mas que se arrepende e ama com atos. Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela terceira vez se o amava, e respondeu-lhe: Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta as minha ovelhas.
Estas palavras de Jesus a Pedro — apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas — indicam que a missão de Pedro será a de guardar todo o rebanho do Senhor sem exceção. E apascentar eqüivale a dirigir e governar. Pedro é constituído pastor e guia de toda a Igreja. Como diz o Concilio Vaticano II, Jesus Cristo “colocou à frente dos demais Apóstolos o bem-aventurado Pedro e nele instituiu o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade de fé e comunhão” 12.
Onde está Pedro, aí está a Igreja de Cristo. Junto dele, sabemos com certeza qual o caminho que conduz à salvação.
II. O EDIFÍCIO DA IGREJA estará assentado até o fim dos tempos sobre o primado de Pedro, a rocha. A figura de Pedro cresce assim de maneira incomensurável, porque, antes de partir, Cristo, que é realmente o alicerce da Igreja 13, deixa Pedro no seu lugar. Daí que os seus sucessores venham a receber mais tarde o nome de Vigário de Cristo, quer dizer, aquele que faz as vezes de Cristo.
Pedro é e será sempre o firme esteio da Igreja em face de todas as tempestades que a envolveram e a envolverão através dos séculos. A base de sustentação que lhe proporciona e a vigilância que exerce sobre ela como bom Pastor são a garantia de que sairá sempre vitoriosa de todas as provas e tentações. Pedro morrerá uns anos mais tarde, mas, quanto ao seu ofício de pastor supremo, “é necessário que dure eternamente por obra do Senhor, para perpétua saúde e bem perene da Igreja, que, estabelecida sobre a rocha, deve permanecer firme até a consumação dos séculos” 14.
O amor ao Papa remonta aos próprios começos da Igreja. Os Atos dos Apóstolos 15 narram a comovedora atitude manifestada pelos primeiros cristãos quando São Pedro é aprisionado por Herodes Agripa, que tenciona matá-lo depois da festa da Páscoa: A Igreja rezava incessantemente por ele a Deus. “Observai os sentimentos dos fiéis para com o seu pastor, diz São João Crisóstomo. Não recorrem a distúrbios nem à rebeldia, mas à oração, que é um remédio invencível. Não dizem: como somos homens sem poder algum, é inútil que oremos por ele. Rezavam por amor e não pensavam nada de semelhante” 16.
Devemos rezar muito pelo Papa e pelas suas intenções, pois ele carrega sobre os seus ombros com o grave peso da Igreja. Talvez possamos fazê-lo com as palavras desta oração litúrgica: Dominus conservei eum, et vivificet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius: Que o Senhor o guarde, e lhe dê vida, e o faça feliz na terra, e não o entregue às mãos dos seus inimigos 17. Em todos os lugares do mundo, sobe diariamente a Deus um clamor de oração da Igreja inteira, que reza “com ele e por ele”. Não se celebra nenhuma Missa sem que se mencione o seu nome e pecamos pela sua pessoa e intenções. E será também muito do agrado do Senhor que nos lembremos ao longo do dia de oferecer pelo seu Vigário aqui na terra as nossas orações, as nossas horas de trabalho ou de estudo e algum pequeno sacrifício.
“Obrigado, meu Deus, pelo amor ao Papa que puseste em meu coração” 18. Oxalá possamos fazer nossas estas palavras todos os dias, cada vez com mais motivo. O amor e veneração pelo Romano Pontífice é um dos grandes dons que o Senhor nos deixou.
III. A PAR DA NOSSA ORAÇÃO, devemos manifestar também amor e respeito por aquele que faz as vezes de Cristo na terra. “O amor ao Romano Pontífice deve ser em nós uma formosa paixão, porque nele nós vemos Cristo” 19. Por isso, “não podemos ceder à tentação, demasiado fácil, de contrapor um Papa a outro, para depositar a nossa confiança naquele cujos atos estejam mais de acordo com as nossas tendências pessoais. Não podemos ser daqueles que lamentam o Papa de ontem ou esperam o de amanhã para se dispensarem de obedecer ao chefe de hoje. Quando se lêem os textos do cerimonial da coroação dos Pontífices, é possível observar que ninguém confere ao eleito pelo Conclave os poderes da sua dignidade: o sucessor de Pedro recebe esses poderes diretamente de Cristo. Quando falamos do Sumo Pontífice, devemos banir do nosso vocabulário termos procedentes das assembléias parlamentares ou das polêmicas jornalísticas, e não devemos deixar aos estranhos à nossa fé o cuidado de nos revelarem o prestígio que possui no mundo o Chefe da cristandade” 20.
E não haverá respeito e amor verdadeiro ao Papa se não houver uma obediência fiel, interna e externa, aos seus ensinamentos e à sua doutrina. Os bons filhos escutam com veneração mesmo os simples conselhos do Pai comum e procuram pô-los sinceramente em prática.
No Papa devemos, pois, ver aquele que está no lugar de Cristo no mundo: o “doce Cristo na terra”, como costumava chamá-lo Santa Catarina de Sena; e amá-lo e escutá-lo, porque na sua voz está a verdade. Faremos com que as suas palavras cheguem a todos os cantos do mundo, sem deformações, para que — tal como em relação a Cristo, quando andava na terra — muitos desorientados pela ignorância e pelo erro descubram a verdade e muitos aflitos recobrem a esperança. Dar a conhecer os ensinamentos pontifícios é parte da tarefa apostólica do cristão.
Podem aplicar-se ao Papa aquelas palavras de Jesus: Quem permanece em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer 21. Sem essa união, todos os frutos seriam aparentes e vazios e, em muitos casos, amargos e prejudiciais a todo o Corpo Místico de Cristo. Pelo contrário, se estivermos muito unidos ao Papa, não nos faltarão motivos, diante da tarefa apostólica que nos espera, para o otimismo que se refletem nestas palavras: “Com alegria te abençôo, meu filho, por essa fé na tua missão de apóstolo que te levou a escrever: «Não há dúvida; o futuro é garantido, apesar de nós talvez. Mas é preciso que formemos uma só coisa com a Cabeça – ‘ut omnes unum sint!’ -, pela oração e pelo sacrifício»” 22.
(1) Antífona da comunhão da Missa do quarto domingo do Tempo Pascal; (2) 1 Pe 2, 25; (3) Oração coleta da Missa do quarto domingo do Tempo Pascal; (4) ih.\ (5) cfr. Jo 10, 10; (6) cfr. Jo 10, 9-10; (7) cfr. Jo 10, 16; (8) cfr. Jo 10, 29; (9) 1 Pe 5, 4; (10) cfr. Jo 21, 15-17; (11) Lc 22, 32; (12) Cone. Vat. II, Const. Lumen gentium, 18; (13) 1 Cor 3, 11; (14) Cone. Vat. I, Const. Pastor aeternus, cap. 2; (15) cfr. At 12, 1-2; (16) São João Crisóstomo, Hom. sobre os Atos dos Apóstolos, 26; (17) Enchiri-dium indulgentiarum, 1986, n. 39. Oração pro Pontífice’, (18) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 573; (19) São Josemaría Escrivá, Homília Lealdade à Igreja, 4-VI-1972; (20) J. Chevrot, Simão Pedro, págs. 78-79; (21) Jo 15, 5; (22) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 968.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal
São Felipe São Tiago, Apóstolos
03 de Maio
São Felipe São Tiago, Apóstolos
A comemoração conjunta dos dois apóstolos tem origem numa tradição: as relíquias dos dois mártires teriam sido levadas de Hierápolis e de Jerusalém a Roma, para repousar na igreja dos Santos Apóstolos.
Filipe, nascido em Betsaida, aparece sempre em quinto lugar no elenco dos apóstolos. O evangelho de João, no qual é citado três vezes, oferece-nos um interessante perfil desse apóstolo, deduzido de duas respostas que ele dá a pergunta formulada por Jesus.
Primeiramente, quando da miraculosa multiplicação dos pães, em face da bem conhecida pergunta: 'Onde compraremos pão?...'. Após ter passado os olhos pela multidão, Filipe refletiu de modo prático: 'nem duzentas moedas seriam suficientes...'.
Durante a última ceia, quando Jesus menciona o mistério da Santíssima Trindade, Filipe intervém bruscamente: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!...”. Diante do mistério, ele - como Tomé - deseja tocar com a mão ou, melhor dizendo, ver com os próprios olhos, 'aquilo que o olho humano não é capaz de ver' sem o lumen gloriae, de que nos falam os teólogos.
Foi quando, pela última vez, o apóstolo se fez presente. Segundo a Tradição - que, em traços sumários, relata seu perfil -, depois de Pentecostes, Filipe se consagrara a pregar o Evangelho na Ásia Menor até que, chegando aos 87 anos (época do imperador Domiciano), foi crucificado como Cristo.
São Tiago - denominado o 'Menor', para distingui-lo do homônimo, irmão de João - é primo de Jesus e autor de uma epistola dirigida a todas as comunidades cristãs. Emerge daí a figura de um homem austero e de poucas palavras.
Com efeito, é ele quem nos admoesta sobre o comedimento no falar, pois devemos dar contas a Deus de cada palavra supérflua! Com o recuo dos séculos, suas palavras constituem um sinal: “... Ó ricos, clama contra vós os bens de que privastes os trabalhadores...'.
Sobre o martírio desse apóstolo, que foi bispo de Jerusalém (após o martírio do outro Tiago), temos notícias de primeira mão transmitidas pelo historiador judeu Flávio Josefo. Segundo este, Tiago Menor, foi apedrejado em 62, após uma tentativa de precipitá-lo do pináculo do templo. A condenação foi decretada pelo sumo sacerdote Ananias II, que se aproveitou do vácuo de poder que se seguiu à morte do procurador romano Festo.
Fonte: 'Os Santos e os Beatos da Igreja do Ocidente e do Oriente', Paulinas Editora
O Exame Particular
TEMPO PASCAL. TERCEIRA SEMANA. SÁBADO
– Para sermos fiéis ao Senhor, temos que lutar todos os dias. O “exame particular”.
– Fim e matéria do “exame particular”.
– Constância na luta. A fidelidade nos momentos difíceis forja-se todos os dias naquilo que parece pequeno.
I. A PROMESSA da Sagrada Eucaristia na sinagoga de Cafarnaum provocou discussões e escândalos. Perante uma verdade tão maravilhosa, uma boa parte dos discípulos do Senhor deixou de segui-lo: Desde então – relata São João no Evangelho da Missa – muitos dos seus discípulos se retiraram e já não andavam com Ele 1.
Diante da maravilha da sua entrega na Comunhão eucarística, os homens respondem virando-lhe as costas. Não é a multidão, mas os discípulos que o abandonam. Os Doze permanecem, são fiéis ao seu Mestre e Senhor. Possivelmente, eles também não compreenderam bem naquele dia o que o Senhor lhes prometia, mas permaneceram com Ele. Por que ficaram? Por que foram leais naquele momento de deslealdade? Porque uma profunda amizade os unia a Jesus, porque conversavam familiarmente com Ele todos os dias e haviam compreendido que Ele tinha palavras de vida eterna; porque o amavam profundamente. Aonde iremos?, diz Pedro quando o Senhor lhes pergunta se eles também querem ir-se embora: Senhor, a quem iríamos nós? Tu tens palavras de vida eterna. E nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus 2.
Nós, cristãos, vivemos numa época privilegiada para dar testemunho dessa virtude tão pouco valorizada que é a fidelidade. Vemos com freqüência como se quebra a lealdade na vida conjugal, nos compromissos assumidos, como se é infiel à doutrina e à pessoa de Cristo. Os Apóstolos mostram-nos que esta virtude se baseia no amor; eles são fiéis porque amam a Cristo. É o amor que os induz a permanecer ao lado do Senhor no meio das deserções. Só um deles o trairá mais tarde, porque tinha deixado de amar. Por isso o Papa São João Paulo II nos aconselha: “Procurai Jesus, esforçando-vos por conseguir uma fé pessoal profunda que informe e oriente toda a vossa vida; mas sobretudo que o vosso compromisso e o vosso programa sejam amar a Jesus, com um amor sincero, autêntico e pessoal. Ele deve ser o vosso amigo e o vosso apoio no caminho da vida. Só Ele tem palavras de vida eterna” 3. Ninguém mais fora dEle.
Enquanto estivermos neste mundo, a nossa vida será uma luta constante entre amar a Cristo e deixar-nos levar pela tibieza, pelas paixões ou por um aburguesamento que mata todo o amor.
A fidelidade a Cristo forja-se na luta contra tudo o que nos afasta dEle, no esforço por progredir nas virtudes. Então seremos fiéis tanto nos momentos bons como nas épocas difíceis, quando nos parecer que são poucos os que permanecem junto do Senhor.
Para nos mantermos numa fidelidade firme ao Senhor, é necessário que lutemos a cada instante, com espírito alegre, ainda que as batalhas sejam pequenas. E uma manifestação desse desejo de nos aproximarmos todos os dias um pouco mais de Deus, de amá-lo cada vez mais, é o exame particular, que nos ajuda a combater com eficácia os defeitos e obstáculos que nos separam de Cristo e dos nossos irmãos, os homens, e nos permite adquirir virtudes e hábitos que limam as nossas arestas no relacionamento com o Senhor.
O exame particular concretiza-nos as nossas metas da vida interior e leva-nos a atingir, com a ajuda da graça, uma cota determinada e específica dessa montanha que é a santidade, ou a expulsar um inimigo, talvez pequeno mas bem apetrechado, que causa inúmeros estragos e retrocessos. “O exame geral assemelha-se à defesa. – O particular, ao ataque. – O primeiro é a armadura. O segundo, espada toledana” 4, de aço penetrante.
Hoje, enquanto dizemos ao Senhor que queremos ser-lhe fiéis, devemos também perguntar-nos na sua presença: são grandes os meus desejos de progredir no seu amor? Concretizo esses desejos de luta num ponto específico que possa ser objeto do meu exame particular?
II. MEDIANTE O EXAME GERAL, chegamos a conhecer as razões últimas do nosso comportamento; através do exame particular, procuramos os remédios eficazes para combater determinado defeito ou para crescer em determinada virtude. Este exame, breve e freqüente ao longo do dia, em momentos concretos, deve ter uma finalidade muito precisa. “Com o exame particular tens de procurar diretamente adquirir uma virtude determinada ou arrancar o defeito que te domina” 5.
Por vezes, o seu objeto será “derrubar o nosso Golias, isto é, a paixão dominante” 6, aquilo que mais sobressai como defeito no nosso comportamento, aquilo que mais prejudica a nossa amizade com o Senhor ou a caridade com o próximo. “Quando alguém se vê especialmente dominado por um defeito, deve armar-se somente contra esse inimigo, e tratar de combatê-lo antes de lutar com os demais [...], pois, enquanto não o tiver vencido, deitará a perder os frutos da vitória conseguida sobre os demais” 7. É por isso que é tão importante conhecermo-nos bem e darmo-nos a conhecer na direção espiritual, que é o momento em que normalmente determinamos a matéria desse exame.
Como nem todos temos os mesmos defeitos, “torna-se necessário que cada um batalhe conforme o tipo de dificuldade que o acossa” 8. Podem ser temas do nosso exame particular: cuidar de ser pontuais a todo o momento, a começar pela hora de nos levantarmos, de iniciar a nossa oração, de assistir à Santa Missa...; ser pacientes conosco próprios, com os defeitos dos nossos familiares ou dos que colaboram conosco no trabalho; suprimir pela raiz o hábito de murmurar e contribuir para que não se murmure na nossa presença; combater as nossas brusquidões no relacionamento ou a falta de interesse pelas necessidades do próximo; crescer na virtude da gratidão, de tal maneira que saibamos agradecer também os pequenos serviços da vida cotidiana; ser ordenados na distribuição do tempo, nos livros ou instrumentos de trabalho, nas coisas de uso pessoal...
Ainda que por vezes o objeto do nosso exame particular possa ser formulado em termos negativos, como uma resistência ao mal, o melhor meio de alcançá-lo será praticarmos a virtude contrária ao defeito que procuramos desarraigar: cultivar a humildade para vencer a ânsia de ser o centro de tudo ou de receber contínuos elogios e louvores; procurar viver habitualmente na presença de Deus para evitar as palavras precipitadas, as faltas de caridade... Deste modo a luta interior torna-se mais eficaz e atrativa. “O movimento da alma para o bem é mais forte do que aquele que se propõe afastá-la do mal” 9.
Antes de fixarmos a matéria do nosso exame particular, devemos pedir luzes ao Senhor para saber em que coisas Ele quer que lutemos: Domine, ut videam! 10, Senhor, que eu veja!, podemos dizer-lhe como o cego de Jericó. E pedir ajuda ao sacerdote a quem confiamos a direção da nossa alma.
III. A MANEIRA DE CONCRETIZAR o exame particular é uma tarefa pessoal. Para uns – pela sua tendência para as coisas vagas e para as generalidades –, será necessário detalhá-lo muito e montar uma contabilidade rigorosa; para outros, isso poderia ser motivo de complicações e criar problemas onde não deve havê-los. Se nos esforçarmos por dar-nos a conhecer, a direção espiritual poderá vir em nossa ajuda neste ponto.
Não nos devemos surpreender se demoramos um certo tempo a alcançar o objeto do nosso exame particular. Se estiver bem escolhido, o normal será que incida sobre um defeito arraigado, e que, portanto, seja necessária uma luta paciente, que nos leve a recomeçar muitas vezes, sem desânimos. Nesse começar novamente, com a ajuda do Senhor, vamos firmando bem os alicerces da humildade. Só saberemos manter vivo o exame particular se tivermos uma constância humilde. O amor – que é inventivo – achará todos os dias a maneira de tornar novo esse mesmo ponto de luta, porque nele procuraremos não tanto superar-nos como amar o Senhor, tirar todos os obstáculos que dificultam a nossa amizade com Ele e, portanto, o que nos separa dos outros. Teremos ocasião de fazer muitos atos de contrição pelas derrotas e de dar graças pelas vitórias.
A luta num exame particular concreto, dia após dia, é o melhor remédio contra a tibieza e o aburguesamento. Que grande coisa seria se o nosso Anjo da Guarda pudesse testemunhar no fim da nossa vida que lutamos todos os dias, ainda que nem tudo tenham sido vitórias!
A fidelidade cheia de fortaleza nos momentos difíceis forja-se naquilo que parece pequeno. “Devemos convencer-nos de que o maior inimigo da rocha não é a picareta ou o machado, nem o golpe de qualquer outro instrumento, por mais contundente que seja: é essa água miúda, que se infiltra, gota a gota, por entre as fendas do penhasco, até arruinar a sua estrutura. O maior perigo para o cristão é desprezar a luta nessas escaramuças que calam pouco a pouco na alma, até a tornarem frouxa, quebradiça” 11.
Ao terminarmos a nossa oração, dizemos ao Senhor como Pedro: Senhor, a quem iríamos nós? Tu tens palavras de vida eterna. Sem Ti ficamos sem Caminho, sem Verdade e sem Vida. É uma esplêndida jaculatória que podemos repetir muitas vezes, mas especialmente à hora da luta.
Pedimos a Nossa Senhora, Virgo fidelis, que nos ajude a ser fiéis, a lutar todos os dias por tirar os obstáculos, bem concretos, que nos separam do seu Filho.
(1) Jo 6, 66; (2) Jo 6, 69; (3) João Paulo II, Discurso, 30-I-1979; (4) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 238; (5) ib., n. 241; (6) J. Tissot, A vida interior; (7) São João Clímaco, Escada do paraíso, 15; (8) Cassiano, Colações, 5, 27; (9) São Tomás, Suma Teológica, 1-2, q. 29, a. 3; (10) cfr. Mc 10, 48; (11) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 77.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
Santo Atanásio
02 de Maio
Santo Atanásio
Atanásio é universalmente venerado como 'pai da ortodoxia' e 'arauto da divindade de Cristo', pela qual sofreu cinco vezes o exílio, em Tréveris, em Roma e no deserto egípcio.
Poucos meses depois de retornar de Nicéia - onde estivera como acompanhante de seu santo bispo Alexandre, por ocasião do concílio ecumênico -, foi chamado a sucedê-lo na sede de Alexandria do Egito, onde se confrontavam as religiões pagã, judaica e cristã, representadas pelas seitas heréticas, gnósticas e maniqueístas. Aí floresceu o temperamento batalhador de Atanásio.
Desde o início da adolescência, aprendera a conviver com a perseguição ao cristianismo, conduzida por Diocleciano. Quando simples diácono, e já dotado de sólida formação cultural, ergueu-se em liça contra Ário. Este propagava - precisamente em Alexandria do Egito - a doutrina antitrinitário, que fazia de Cristo uma simples criatura, 'filho de Deus pela graça'.
O Concílio de Nicéia restabelecera a 'verdade da fé', mas não a paz. Eleito bispo, coube-lhe dispender muitas energias para barrar a heresia, que Melécio difundia de modo camuflado. De fato, o ressurgir do arianismo coincide, na verdade, com sua elevação ao episcopado. Alguns bispos 'melecianos' dificultaram- lhe a vida, por meio de infamantes acusações - entre as quais, a de que teria abusado de uma mulher e assassinado Arsênio, bispo de Ipsale. Felizmente este reapareceu vivo e saudável.
Mas os arianos conseguiram envolver nas contendas religiosas os próprios imperadores que sucederam a Constantino, os quais, considerando que Atanásio constituía um perigo para a paz religiosa, mandaram-no sucessivas vezes ao exílio.
O pugnaz bispo serviu-se dessa pausa forçada para retemperar o espírito entre os monges do deserto. Tinha em grande veneração o abade santo Antão, patriarca dos monges do deserto. Acerca deste, Atanásio escreveu uma preciosa biografia, que inflamou de entusiasmo pela vida solitária tantos jovens (até no Ocidente).
Com a ascensão do imperador Valente, tiveram fim suas precipitadas fugas e o exílio. Atanásio pode, então, consagrar-se em paz ao pastoreio de seu próprio rebanho, bem como aos escritos teológicos, que o fizeram ser venerado como um dos quatro doutores gregos.
Fonte: 'Os Santos e os Beatos da Igreja do Ocidente e do Oriente', Paulinas Editora.
São José Operário
– O trabalho, um dom de Deus.
– Sentido humano e sobrenatural do trabalho.
– Amar a nossa ocupação profissional.
A memória de São José Operário vem-se celebrando liturgicamente desde 1955. A Igreja recorda assim – seguindo o exemplo de São José e sob o seu patrocínio – o valor humano e sobrenatural do trabalho. Todo o trabalho humano é colaboração com a obra de Deus Criador, e por Jesus Cristo converte-se – na medida do amor a Deus e da caridade com os outros – em verdadeira oração e em apostolado.
I. VIVERÁS DO TRABALHO das tuas mãos...1
A Igreja, ao apresentar-nos hoje São José como modelo, não se limita a louvar uma forma de trabalho, mas a dignidade e o valor de todo o trabalho humano honrado. Na primeira Leitura da Missa 2, lemos a narração do Gênesis em que o homem surge como participante da Criação. A Sagrada Escritura também nos diz que Deus colocou o homem no jardim do Éden para que o cultivasse e guardasse 3.
O trabalho foi desde o princípio um preceito para o homem, uma exigência da sua condição de criatura e expressão da sua dignidade. É a forma como colabora com a Providência divina sobre o mundo. Com o pecado original, a forma dessa colaboração, o como, sofreu uma alteração: A terra será maldita por tua causa – lemos também no Gênesis 4 –; com fadiga te alimentarás dela todos os dias da tua vida... Comerás o pão com o suor do teu rosto...
O que deveria ser realizado de um modo sereno e aprazível, tornou-se depois da queda original trabalhoso, e muitas vezes esgotador. No entanto, permanece inalterada a realidade de que o trabalho em si está relacionado com o Criador e colabora com o plano de redenção dos homens. As condições que o rodeiam fizeram com que alguns o considerassem um castigo, ou que, pela malícia do coração do homem, se convertesse numa simples mercadoria ou num “instrumento de opressão”, a tal ponto que por vezes se torna impossível compreender a sua grandeza e dignidade. E há ainda os que pensam que é um meio de ganhar dinheiro, a serviço da vaidade, da auto-afirmação, do egoísmo... Em todas essas atitudes, esquece-se que o trabalho é de per si obra divina, porque é colaboração com Deus e oferenda que se lhe faz, meio por excelência de adquirir e desenvolver as virtudes humanas e sobrenaturais.
É freqüente observar que a sociedade materialista dos nossos dias aprecia os homens “pelo que ganham”, pela sua capacidade de obter um maior nível de bem-estar econômico. “É hora de que todos nós, cristãos, anunciemos bem alto que o trabalho é um dom de Deus, e que não faz nenhum sentido dividir os homens em diferentes categorias, conforme os tipos de trabalho, considerando umas ocupações mais nobres do que outras. O trabalho, todo o trabalho, é testemunho da dignidade do homem, do seu domínio sobre a criação; é meio de desenvolvimento da personalidade; é vínculo de união com os outros seres; fonte de recursos para o sustento da família; meio de contribuir para o progresso da sociedade em que se vive e para o progresso de toda a humanidade” 5.
Tudo isto no-lo recorda a festa de hoje 6, ao propor-nos São José como modelo e padroeiro: um homem que viveu do seu ofício, a quem devemos recorrer com freqüência para que não se degrade nem se distorça o trabalho que temos entre mãos, pois não raras vezes, quando se esquece Deus, “a matéria sai da oficina enobrecida, ao passo que os homens se envilecem” 7. O nosso trabalho, com a ajuda de São José, deve sair das nossas mãos como uma oferenda gratíssima ao Senhor, convertido em oração.
II. O EVANGELHO DA MISSA8 mostra-nos, uma vez mais, como Jesus é conhecido em Nazaré pelo seu trabalho. Quando voltou à sua terra, os seus conterrâneos comentavam: Não é este o filho do carpinteiro? A sua mãe não é Maria?... Em outro lugar, a Escritura diz que, como acontece em tantas ocasiões, Jesus continuou o ofício daquele que na terra fez junto dEle as vezes de pai: Não é este o carpinteiro, filho de Maria?... 9
Ao ser assumido pelo Filho de Deus, o trabalho ficou santificado e, desde então, pode converter-se numa tarefa redentora se o unirmos a Cristo, Redentor do mundo. A fadiga, o esforço, as dificuldades, que são conseqüências do pecado original, convertem-se com Cristo em algo de imenso valor sobrenatural. Sabemos que o homem foi associado à obra redentora de Jesus Cristo, “o qual conferiu uma dignidade eminente ao trabalho quando trabalhou em Nazaré com as suas próprias mãos” 10.
Qualquer trabalho nobre pode chegar a ser uma tarefa que aperfeiçoa aquele que o realiza bem como toda a sociedade, e pode converter-se em meio de ajudar os outros através da comunhão que existe entre todos os membros do Corpo Místico de Cristo que é a Igreja. Mas, para isso, é necessário não esquecer o fim sobrenatural que devem ter todos os atos da vida, mesmo os que se apresentam como muito duros ou difíceis: “O condenado às galés bem sabe que rema a fim de mover um barco, mas, para reconhecer que isso dá sentido à sua existência, terá que aprofundar no significado que a dor e o castigo têm para um cristão; quer dizer, terá que encarar a sua situação como uma possibilidade de identificar-se com Cristo. Pois bem, se por ignorância ou por desprezo não o consegue, chegará a odiar o seu “trabalho”. Um efeito similar pode dar-se quando o fruto ou o resultado do trabalho (não a sua retribuição econômica, mas aquilo que se “trabalhou”, “elaborou” ou “fez”) se perde numa lonjura de que quase não se tem notícia” 11. Quantas pessoas, infelizmente, se dirigem todas as manhãs ao seu “trabalho” como se fossem para as galés! Vão remar um barco que não sabem para onde se dirige, e aliás sem se importarem com isso. Só esperam o fim de semana e o ordenado. Esse trabalho, evidentemente, não dignifica, não santifica; dificilmente servirá para desenvolver a personalidade.
Pensemos hoje, junto de São José, no valor que damos às nossas ocupações, no esforço que pomos em acabá-las com perfeição, na pontualidade, na competência profissional, na serenidade – não contraposta à urgência – com que as realizamos... Se o nosso trabalho for sempre humanamente bem feito, poderemos dizer com a liturgia da Missa de hoje: Ó Deus, fonte de todos os benefícios, olhai as oferendas que vos apresentamos na festa de São José, e fazei que estes dons se transformem em fonte de graça para aqueles que vos invocam 12.
III. OBRA BEM FEITA é aquela que se executa com amor. Ter apreço pelo trabalho profissional, pelo ofício que se exerce, é talvez o primeiro passo para dignificá-lo e para elevá-lo ao plano sobrenatural. Devemos pôr o coração nas tarefas que temos entre mãos, e não fazê-lo “porque não há outro remédio”. “Meu filho, aquele homem que veio ver-me esta manhã – aquele de blusão cor de terra – não é um homem honesto [...]. Exerce a profissão de caricaturista num jornal ilustrado. Isso lhe dá de que viver, ocupa-lhe as horas do dia. E, no entanto, sempre fala com repugnância do seu ofício e diz: «Se eu pudesse ser pintor! Mas é indispensável que desenhe essas bobagens para poder comer. Não olhe para os bonecos, homem, não os veja! Comércio puro...» Quer dizer que trabalha unicamente pelo lucro. E deixou que o seu espírito se ausentasse daquilo em que ocupa as mãos. Porque tem o seu trabalho na conta de coisa muito vil. Mas eu te digo, filho, que se o trabalho do meu amigo é tão vil, se os seus desenhos podem ser chamados bobagens, a razão está justamente em que ele não pôs neles o seu espírito. Não há tarefa que não se torne nobre e santa quando o espírito nela reside. É nobre e santa a tarefa do caricaturista, como a do carpinteiro e a do lixeiro [...]. Há uma maneira de fazer caricaturas, de trabalhar a madeira [...], que revela que se pôs amor nessa atividade, cuidados de perfeição e harmonia, e uma pequena chispa de fogo pessoal: isso que os artistas chamam estilo próprio, e que não há obra nem obrinha humana em que não possa florescer. Essa é a boa maneira de trabalhar. A outra, a de menosprezar o ofício, tendo-o por vil, ao invés de redimi-lo e secretamente transformá-lo, é má e imoral. O visitante de blusão cor de terra é, pois, um homem imoral, porque não ama o seu ofício” 13.
São José ensina-nos a realizar bem o ofício que nos ocupa tantas horas: as tarefas domésticas, o laboratório, o arado ou o computador, o trabalho de carregar pacotes ou de cuidar da portaria de um edifício... A categoria de um trabalho reside na sua capacidade de nos aperfeiçoar humana e sobrenaturalmente, nas possibilidades que nos oferece de levar adiante a família e de colaborar nas obras em favor dos homens, na ajuda que através dele prestamos à sociedade...
São José, enquanto trabalhava, tinha Jesus diante de si. Pedia-lhe que segurasse uma madeira enquanto ele a serrava, ensinava-lhe a manejar o formão e a plaina... Quando se sentia cansado, olhava para o seu filho, que era o Filho de Deus, e aquela tarefa adquiria aos seus olhos um novo vigor, porque sabia que com o seu trabalho colaborava com os planos misteriosos, mas reais, da salvação. Peçamos-lhe hoje que nos ensine a ter essa presença de Deus que ele teve enquanto exercia o seu ofício. E não nos esqueçamos de Santa Maria, a quem vamos dedicar com muito amor este mês de Maio que hoje começa. Não nos esqueçamos de oferecer em sua honra todos estes dias, alguma hora de trabalho ou de estudo, mais intensa, mais bem acabada.
(1) Sl 127, 1-2; cfr. Antífona de entrada da Missa de 1º de maio; (2) Gen 1, 26; 2, 3; (3) Gen 2, 15; (4) Gen 3, 17-19; (5) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 47; (6) João Paulo II, Exort. Apost. Redemptoris custos, 15-VIII-1989, 22; (7) Pio XI, Enc. Quadragesimo anno, 15-V-1931; (8) Mt 13, 54-58; (9) Mc 6, 3; (10) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 67; (11) P. Berglar, Opus Dei, Rialp, Madrid, 1987, pág. 309; (12) Oração sobre as oferendas da Missa de 1º de maio; (13) E. D’Ors, Aprendizaje y heroísmo: grandeza y servidumbre de la inteligencia, EUNSA, Pamplona, 1973, págs. 19-20.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
São José Operário
01 de Maio
São José Operário
Neste dia 1º de maio, a Igreja celebra a festa de São José Operário, padroeiro dos trabalhadores, coincidindo com o Dia Mundial do Trabalho. Esta celebração litúrgica foi instituída em 1955 pelo Papa Pio XII, diante de um grupo de trabalhadores reunidos na Praça de São Pedro, no Vaticano.
Naquela ocasião, o Santo Padre pediu que “o humilde operário de Nazaré, além de encarnar diante de Deus e da Igreja a dignidade do trabalho manual, seja também o providente guardião de vocês e suas famílias”.
Pio XII desejou que o Santo Custódio da Sagrada Família “seja para todos os trabalhadores do mundo, especial protetor diante de Deus e escudo para proteger e defender nas penalidades e nos riscos de trabalho”.
Por sua vez, João Paulo II, em sua encíclica “Laborem Exercens”, sublinhou que, “mediante o trabalho, o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas também se realiza a si mesmo como homem e até, num certo sentido, ‘se torna mais homem’”.
Mais tarde, no Jubileu dos Trabalhadores, em 2000, o Papa da família disse: “Queridos trabalhadores, empresários, cooperadores, homens da economia: uni os vossos braços, as vossas mentes e os vossos corações a fim de contribuir para a construção de uma sociedade que respeite o homem e o seu trabalho”.
“O homem vale pelo que é e não pelo que possui. Tudo o que se realiza ao serviço de uma justiça maior, de uma fraternidade mais ampla e de uma ordem mais humana nas relações sociais conta muito mais do que qualquer progresso no âmbito técnico”, acrescentou.
Fonte: https://www.acidigital.com
O Pão que dá a Vida Eterna
TEMPO PASCAL. TERCEIRA SEMANA. QUINTA-FEIRA
– O anúncio da Sagrada Eucaristia na sinagoga de Cafarnaum. O Senhor pede-nos uma fé viva. Hino Adoro te devote.
– O mistério da fé. A Transubstanciação.
– Os efeitos da Comunhão na alma: sustenta, repara e deleita.
I. EU SOU O PÃO DA VIDA. Vossos pais, no deserto, comeram o maná e morreram. Este é o pão que desceu do céu para que todo aquele que dele comer não morra 1. É o surpreendente e maravilhoso anúncio feito por Jesus na sinagoga de Cafarnaum e que lemos hoje no Evangelho da Missa. O Senhor continua: Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém comer deste pão, viverá eternamente. E o pão que eu hei de dar é a minha carne para a salvação do mundo 2.
Jesus revela o grande mistério da Sagrada Eucaristia. As suas palavras são de um realismo tão grande que excluem qualquer outra interpretação. Sem a fé, essas palavras não têm sentido. Pelo contrário, se pela fé aceitamos a presença real de Cristo na Eucaristia, a revelação de Jesus torna-se clara e inequívoca, e mostra-nos o infinito amor de Deus para conosco.
Adoro te devote, latens deitas, quae sub his figuris vere latitas: “Adoro-vos com devoção, Deus escondido, que sob estas aparências estais verdadeiramente presente”, dizemos à Sagrada Eucaristia, com palavras do hino composto por São Tomás e que há muitos séculos foi adotado pela liturgia da Igreja. É uma expressão de fé e piedade que nos pode servir para manifestar o nosso amor, pois constitui um resumo dos principais pontos da doutrina católica sobre este sagrado mistério.
“Adoro-vos com devoção, Deus escondido”, repetimos bem devagar na intimidade do nosso coração, com fé, esperança e amor.
Os que estavam naquele dia na sinagoga entenderam o sentido profundo e realista das palavras do Senhor; se as tivessem entendido num sentido simbólico ou figurado, não se teriam deixado invadir pelo assombro e pela confusão, como São João diz a seguir, nem teria havido muitos que abandonaram o Senhor naquele mesmo dia. Duras são estas palavras. Quem as pode ouvir? 3, dizem aqueles homens enquanto se retiram. São duras – continuam a ser duras – para os que não têm o coração bem disposto, para os que não admitem sem sombra de dúvida que Jesus de Nazaré, Deus que se fez homem, se comunica desse modo aos homens, por amor. “Adoro-vos com devoção, Deus escondido”, dizemos-lhe na nossa oração, manifestando-lhe o nosso amor, o nosso agradecimento e o assentimento humilde com que o acatamos. É uma atitude imprescindível para nos aproximarmos deste mistério de Amor.
Tibi se cor meum totum subiicit, quia te contemplans totum deficit: “A Vós se submete o meu coração por inteiro e se rende totalmente ao contemplar-vos”. Sentimos necessidade de repetir estas palavras muitas vezes, porque são muitos os incrédulos. O Senhor também nos pergunta a nós, a todos os que queremos segui-lo de perto: Também vós quereis partir? 4 E ao vermos a desorientação e a confusão em que andam tantos cristãos que se separaram do tronco da fé, que têm a alma indiferente às realidades sobrenaturais, o nosso amor reafirma-se: “A Vós se submete o meu coração por inteiro”.
A nossa fé na presença real de Cristo na Eucaristia deve ser muito firme: “Cremos que, assim como o pão e o vinho consagrados pelo Senhor na Última Ceia se converteram no seu Corpo e no seu Sangue, os quais pouco depois seriam oferecidos por nós na Cruz, assim também o pão e o vinho consagrados pelo sacerdote se convertem no Corpo e no Sangue de Cristo, que está sentado gloriosamente no Céu; e cremos que a presença misteriosa do Senhor, sob a aparência daqueles elementos, que continuam a aparecer aos sentidos da mesma maneira que antes, é verdadeira, real e substancial” 5.
II. NÃO SE PODEM MITIGAR as palavras do Senhor: O pão que eu hei de dar é a minha carne para a salvação do mundo. “Eis o mistério da fé”, proclamamos imediatamente depois da Consagração na Santa Missa. Essa foi e é a pedra de toque da fé cristã. Pela transubstanciação, o pão e o vinho “já não são o pão comum e a comum bebida, mas sinal de uma coisa sagrada, sinal de um alimento espiritual; mas além disso adquirem um novo significado e um novo fim enquanto contêm uma «realidade» que com razão denominamos ontológica; porque sob as referidas espécies já não existe o que antes havia, mas algo completamente diferente [...], visto que, uma vez convertida a substância ou natureza do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo, já nada resta do pão e do vinho, a não ser as aparências: debaixo delas está presente Cristo todo inteiro, na sua realidade física, corporalmente, ainda que não do mesmo modo que os corpos estão num lugar” 6.
Olhamos para Jesus presente no Sacrário, talvez a poucos metros de nós, ou vamos com o coração à igreja mais próxima, e lhe dizemos que sabemos pela fé que Ele está ali presente. Cremos firmemente nas promessas que fez em Cafarnaum e que realizou pouco depois no Cenáculo: Credo quidquid dixit Dei Filius: nihil hoc verbo veritatis verius: “Creio em tudo o que disse o Filho de Deus; nada de mais verdadeiro que esta palavra de verdade”.
A nossa fé e o nosso amor devem manifestar-se especialmente no momento da Comunhão. Recebemos o Pão vivo que desceu dos céus, o alimento absolutamente necessário para chegarmos à meta. Recebemos o próprio Cristo, perfeito Deus e homem perfeito, misteriosamente escondido, mas desejoso de comunicar-nos a vida divina. Nesse momento, mediante a sua Humanidade gloriosa, a sua Divindade atua na nossa alma com uma intensidade maior do que quando esteve aqui na terra. Nenhum daqueles que foram curados – Bartimeu, o paralítico de Cafarnaum, os leprosos... – esteve tão perto de Cristo – do próprio Cristo – como nós o estamos em cada Comunhão. Os efeitos que este Pão vivo, Jesus, produz na nossa alma são incontáveis e de uma riqueza infinita. A Igreja resume-os nestas palavras: “Todos os efeitos que a comida e a bebida materiais produzem na vida do corpo, sustentando, reparando e deleitando, realiza-os este sacramento na vida espiritual” 7.
Oculto sob as espécies sacramentais, Jesus espera-nos. Ficou para que o recebêssemos, para nos fortalecer no amor. Examinemos hoje como é a nossa fé, vejamos como é o nosso amor, como preparamos cada Comunhão. Dizemos ao Senhor com Pedro: Nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus 8. Tu és o nosso Redentor, a razão do nosso viver.
III. A COMUNHÃO SUSTENTA a vida da alma de modo semelhante ao de como o alimento corporal sustenta o corpo. A recepção da Sagrada Eucaristia mantém o cristão na graça de Deus, pois a alma recupera-se do contínuo desgaste que sofre devido às feridas que nela permanecem após o pecado original e os pecados pessoais. Mantém a vida de Deus na alma, livrando-a da tibieza; e ajuda a evitar o pecado mortal e a lutar eficazmente contra os veniais.
A Sagrada Eucaristia aumenta também a vida sobrenatural, fá-la crescer e desenvolver-se. E, ao mesmo tempo que sacia espiritualmente, aumenta na alma o desejo dos bens eternos: Os que me comem terão ainda mais fome, e os que me bebem terão ainda mais sede 9. A comida material converte-se naquele que a come e, conseqüentemente, restaura-lhe as perdas e acrescenta-lhe as forças vitais. A comida espiritual, porém, converte nela aquele que a come, e assim o efeito próprio deste sacramento é a conversão do homem em Cristo, para que não seja ele quem vive, mas Cristo nele; e, em conseqüência, tem um duplo efeito: restaura as perdas espirituais causadas pelos pecados e deficiências e aumenta as forças das virtudes” 10.
Por último, a graça que recebemos em cada Comunhão deleita aquele que comunga com as devidas disposições. Nada se pode comparar à alegria da Sagrada Eucaristia, à amizade e proximidade de Jesus presente em nós. “Jesus Cristo, durante a sua vida mortal, não passou nunca por lugar algum sem derramar as suas bênçãos abundantemente, e daí podemos deduzir como devem ser grandes e preciosos os dons de que participam aqueles que têm a felicidade de recebê-lo na Sagrada Comunhão; ou, para dizê-lo melhor, como toda a nossa felicidade neste mundo consiste em receber Jesus Cristo na Sagrada Comunhão” 11.
A Comunhão é “o remédio para as nossas necessidades cotidianas” 12, “remédio de imortalidade, antídoto contra a morte e alimento para vivermos para sempre em Jesus Cristo” 13. Concede a paz e a alegria de Cristo à alma, e é verdadeiramente “uma antecipação da bem-aventurança eterna” 14.
De todos os exercícios e práticas de piedade, não há nenhum cuja eficácia santificadora possa comparar-se à digna recepção deste sacramento. Nele não somente recebemos a graça, mas o próprio Manancial e Fonte donde ela brota. Todos os sacramentos se ordenam para a Sagrada Eucaristia e têm-na por centro 15.
Jesus, oculto sob os acidentes do pão, deseja que o recebamos com freqüência: o banquete, diz-nos Ele, está preparado 16. São muitos os ausentes e Jesus espera-nos, ao mesmo tempo que nos envia a anunciar aos outros que também os espera a eles no Sacrário.
Se o pedirmos à Santíssima Virgem, Ela nos ajudará a abeirar-nos da Comunhão cada vez mais bem preparados.
(1) Jo 6, 48-50; (2) Jo 6, 51; (3) Jo 6, 60; (4) cfr. Jo 6, 67; (5) Paulo VI, Enc. Credo do povo de Deus, 24; (6) Paulo VI, Enc. Mysterium Fidei, 3-IX-1965; (7) Conc. de Florença, Bula Exsultate Deo; Dz 1322-698; (8) Jo 6, 70; (9) Jo 6, 35; (10) São Tomás, Coment. ao livro IV das Sentenças, d. 12, q. 2, a. 11; (11) Cura d’Ars, Sermão sobre a Comunhão; (12) Santo Ambrósio, Sobre os mistérios, 4; (13) Santo Inácio de Antioquia, Epístola aos Efésios, 20; (14) cfr. Jo 6, 58; Dz 875; (15) cfr. São Tomás, Suma Teológica, 3, q. 65, a. 3; (16) cfr. Lc 14, 15 e segs.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal