A Nova Aliança
TEMPO COMUM. DÉCIMA SEXTA SEMANA. SÁBADO
– A Aliança do Sinai e a Nova Aliança de Cristo na Cruz.
I. LEMOS NO LIVRO do Êxodo1 que, quando Moisés desceu do monte Sinai, deu a conhecer ao povo os mandamentos que tinha recebido de Deus. Os israelitas obrigaram‑se a cumpri‑los e Moisés os pôs por escrito. Na manhã seguinte, edificaram um altar na parte mais baixa da montanha e levantaram doze pedras, em memória das doze tribos de Israel. Imolaram umas vítimas com cujo sangue ratificaram a Aliança que Javé fazia com o seu povo. Mediante esse pacto, os israelitas comprometiam‑se a cumprir os preceitos divinos recebidos por Moisés, e Javé, com amor paternal, velaria pelo seu povo, eleito entre todos os povos da terra. O rito realizou‑se por meio do sangue, símbolo da fonte da vida. Aspergiu‑se o altar, que representava a Deus, e depois de Moisés ter lido em voz alta e solenemente o “livro da Aliança”, aspergiu o povo. A aspersão com o sangue expressava essa união especial de Javé com o seu povo2.
Este acontecimento foi tão importante que seria recordado e renovado em muitas ocasiões3. O povo viria a romper o pacto inúmeras vezes, mas Deus não se cansaria de perdoar; e não somente perdoaria como anunciaria constantemente pelos Profetas a nova Aliança pela qual manifestaria a sua infinita misericórdia4.
Pelo Sangue de Cristo, derramado na Cruz, selou‑se o pacto definitivo, que unia intimamente a Deus o seu novo povo, a humanidade inteira, chamada a fazer parte da Igreja. O sacrifício do Calvário foi um sacrifício de valor infinito, que estabeleceu umas relações completamente novas e irrevogáveis dos homens com Deus.
“Desejas descobrir [...] o valor deste sangue?, pergunta São João Crisóstomo. Olha de onde brotou e qual é a sua fonte. Começou a brotar da própria Cruz, e a sua fonte foi o lado aberto do Senhor. Porque, depois que Jesus morreu, diz o Evangelho, um dos soldados aproximou‑se com a lança e trespassou‑lhe o lado, e imediatamente jorrou água e sangue: água como símbolo do Batismo; sangue como figura da Eucaristia. O soldado trespassou‑lhe o lado, abriu uma brecha no muro do templo santo, e eu encontro ali o tesouro escondido e alegro‑me com a riqueza encontrada”5.
Encontramos essa riqueza diariamente na Santa Missa, em que o céu parece unir‑se à terra perante o assombro dos próprios anjos, e em que nos unimos com Cristo mediante uma intimidade real e verdadeira; o antigo Povo eleito jamais pôde imaginar algo semelhante. “Dulcíssimo Jesus Cristo – dizemos ao Senhor com uma antiga oração para a ação de graças da Missa –, nós te suplicamos que a tua Paixão seja a virtude que me fortaleça, proteja e defenda; as tuas chagas sejam para mim manjar e bebida com as quais me alimente, embriague e deleite; a aspersão do teu sangue purifique‑me de todos os meus delitos; a tua morte seja para mim vida permanente; a tua Cruz seja a minha eterna glória...”6
– A renovação da Aliança: a Santa Missa.
II. VIRÃO DIAS, diz o Senhor, em que eu farei uma nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá; não como a aliança que fiz com os seus pais no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito...7
Na Última Ceia, o Senhor antecipou o que mais tarde levaria a cabo ao morrer. Nessa ação, mostrou aos seus discípulos o que queria fazer e fez na Cruz: entregar o seu Corpo e o seu Sangue por todos. A Última Ceia é a antecipação do sacrifício da Cruz8. Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; fazei isto em memória de mim todas as vezes que o beberdes9. São palavras do Senhor que São Paulo nos transmite na primeira Epístola aos Coríntios, escrita vinte e sete anos depois daquela noite memorável, e que a Igreja guardou como um tesouro.
A palavra memória, comemoração, reproduz o sentido da palavra hebraica que se utilizava para designar a essência da Páscoa judaica, como recordação ou memorial da saída do Egito e da Aliança feita por Deus no Sinai10. Com esses ritos, os israelitas não se limitavam a recordar um acontecimento passado, mas tinham consciência de que o atualizavam e reviviam, para dele participarem ao longo de todas as gerações. Quando o Senhor mandou aos Apóstolos: Fazei isto em memória de mim, não lhes disse simplesmente que recordassem aquele momento único da Ceia memorável, mas também que renovassem o seu sacrifício do Calvário, já presente nessa celebração.
Agora, diariamente, em todo o mundo, essa Aliança renova‑se sempre que se celebra a Santa Missa. Em cada altar re‑presenta‑se, quer dizer, torna‑se a fazer presente, de modo misterioso mas real, o mesmo sacrifício de Cristo no Calvário: realiza‑se no presente, aqui e agora, a obra da nossa Redenção que Cristo realizou naquele lugar e então, como se desaparecessem os vinte séculos que nos separam do Calvário. Este caráter de Nova Aliança do Sacrifício Eucarístico manifesta‑se especialmente durante a Consagração11, e nesses instantes temos de expressar, de modo mais consciente, a nossa fé e o nosso amor.
Um autor antigo dava ao sacerdote celebrante um conjunto de recomendações que, devidamente adaptadas, podem ajudar‑nos a viver mais intensamente de fé e de amor nesse momento tão grande. Uma vez pronunciadas as palavras que tornam presente Cristo sobre o altar, “deves penetrar com os olhos da fé no que se esconde sob as espécies sacramentais; ao dobrares o joelho, olha com os olhos da fé o exército dos anjos que te rodeia e, com eles, adora Cristo, com uma reverência tão profunda que humilhes o teu coração até ao abismo. Na elevação, contempla Cristo suspenso da Cruz, e pede‑lhe que atraia a Si todas as coisas. Faz atos intensíssimos das outras virtudes, ora uns, ora outros, de fé, esperança, adoração, humildade..., dizendo com a mente: «Jesus, Filho de Deus, tem piedade de mim! Meu Senhor e meu Deus! Eu te amo, meu Deus, e te adoro com todo o meu coração e com todos os meus sentimentos». Também podes renovar a intenção pela qual celebras e oferecer o que já foi consagrado de acordo com os quatro fins da Missa. Mas, de modo especial, quando levantas o cálice, lembra‑te com dor e lágrimas de que o sangue de Cristo foi derramado por ti e de que, com freqüência, tu o desprezaste; adora‑o como compensação pelos desprezos passados”12.
– Amar o Sacrifício do altar.
III. QUÃO AMÁVEL é a tua morada, Senhor dos exércitos! A minha alma desfalece e suspira pelos átrios do Senhor13. Com que amor e reverência temos de aproximar‑nos da Santa Missa! Ali está o manancial de graças sempre novas a que devem acudir todas as gerações que se vão sucedendo no tempo, a fim de encontrarem a fortaleza de que precisam para percorrerem o longo caminho que leva à eternidade14. Ali encontram não só a graça, mas o próprio Autor de toda a graça15.
Quando nos preparamos para celebrar ou participar do Santo Sacrifício do altar, temos de fazê‑lo de um modo tão intenso e tão ativo que nos unamos estreitamente a Jesus Cristo, Sumo Sacerdote, conforme nos indica São Paulo: Tende nos vossos corações os mesmos sentimentos de Jesus Cristo16; temos de oferecer o Santo Sacrifício juntamente com Ele e por Ele, e com Ele oferecer‑nos também nós mesmos17.
Para chegarmos a essa íntima união com Jesus Cristo na Santa Missa, ser‑nos‑á de grande ajuda esmerar‑nos em participar externamente da Liturgia, mediante uma atitude consciente, piedosa e ativa. Prestaremos delicada atenção aos diálogos e às aclamações, faremos atos de fé e de amor nos breves silêncios previstos, procuraremos estar especialmente vigilantes, com a vigilância do amor, no momento da Consagração e ao recebermos Jesus na nossa alma... Não esqueçamos que “não ama a Cristo quem não ama a Santa Missa, quem não se esforça por vivê‑la com serenidade e sossego, com devoção e carinho. O amor converte os enamorados em pessoas de sensibilidade fina e delicada; leva‑os a descobrir, para que se esmerem em vivê‑los, pormenores às vezes insignificantes, mas que trazem a marca de um coração apaixonado. É assim que devemos assistir à Santa Missa. Por isso sempre desconfiei das pessoas empenhadas em ouvir uma Missa curta e atropelada: pareciam‑me demonstrar com essa atitude, aliás pouco elegante, não terem percebido ainda o que significa o Sacrifício do altar”18.
A ação de graças depois da Missa completará esses momentos tão importantes do dia, que terão uma influência decisiva no trabalho, na vida familiar, na alegria com que tratamos os outros, na serenidade e confiança com que vivemos todo o nosso dia. A Missa, assim vivida, nunca será um ato isolado, mas alimento das nossas ações; dar‑lhes‑á umas características peculiares, as que definem um filho de Deus que vive como tal no meio do mundo, corredimindo com Cristo.
Procuremos encontrar Nossa Senhora na Santa Missa, pois Ela acompanhou o seu Filho nos sofrimentos do Calvário e ofereceu‑se com Ele ao Pai. Torna a fazê‑lo, ainda que sem dor, em cada Missa, e ao invocarmos a sua ajuda nesses momentos, podemos estar certos de encontrar a melhor forma de participar do Sacrifício de Cristo. Ofereçamos Jesus, e ofereçamo‑nos nós mesmos com Ele, por meio de Santa Maria, que de um modo muito especial se encontra presente no Santo Sacrifício. “Pai Santo! Pelo Coração Imaculado de Maria, eu vos ofereço Jesus, vosso Filho muito amado, e me ofereço eu mesmo por Ele, com Ele e nEle, por todas as intenções e em nome de todas as criaturas”19.
(1) Ex 24, 3‑8; Primeira leitura da Missa do sábado da décima sexta semana do TC, ano I; (2) cfr. B. Orchard e outros, Verbum Dei, vol. I; (3) cfr. 2 Sam 7, 13‑16, 28, 69; Jos 24, 19‑28; (4) cfr. Jer 31, 31‑34; Ez 16, 60; Is 42, 6; (5) São João Crisóstomo, Catequeses batismais, III, 19; (6) Preces selectae, Adamas Verlag, Colonia, 1987, pág. 20; (7) Jer 31, 31; (8) cfr. M. Schmaus, Teologia Dogmática, vol. VI, pág. 244; (9) 1 Cor 11, 25; (10) cfr. Sagrada Bíblia, Epístola de São Paulo aos Corintios, EUNSA, Pamplona, 1984, nota a 1 Cor 11, 24; (11) cfr. B. Orchard e outros, op. cit.; (12) Card. J. Bona, El sacrificio de la Misa, págs. 144‑146; (13) Sl 83, 2‑3; Salmo responsorial da Missa do sábado da décima sexta semana do TC, ano II; (14) cfr. R. Garrigou‑Langrange, As três idades da vida interior, vol. I, pág. 131; (15) cfr. Paulo VI, Instr. Eucaristicum mysterium, 25‑III‑1967, 4; (16) cfr. Fil 2, 5; (17) cfr. Pio XII, Enc. Mediator Dei, 20‑XI‑1947; (18) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 92; (19) P. M. Sulamitis, Oferenda do Amor Misericordioso, Salamanca, 1931.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.
Santo Inocêncio I
28 de Julho
Santo Inocêncio I
Inocêncio I nasceu em Roma, Itália. Foi Papa e seu pontificado durou 16 anos. Governou a Igreja num período dificílimo, tendo presenciado a destruição de Roma, no ano 410, pelos bárbaros comandados por Alarico. Inocêncio bem que tentou evitar a destruição e, como gozava de grande prestígio entre os bárbaros, a pedido de Alarico, foi ao encontro do Imperador Honório, em Ravena, a fim de tentar um acordo. A tentativa não surtiu efeito e durante três dias, com exceção das igrejas que, em respeito ao Papa Inocêncio, foram poupadas, as tropas bárbaras de Alarico devastaram e saquearam a cidade de Roma. Inocêncio I trabalhou e ajudou muito na reconstrução da cidade, sem contudo deixar, em qualquer momento, de se preocupar com a situação da Igreja na África e no Oriente. Ele manteve um relacionamento cordial com todas as Igrejas particulares, comunicando-se com elas através de cartas. O cuidado para com as Igrejas é comprovado pelo grande número de cartas escritas, sendo que 36 delas constituem o núcleo das coleções canônicas, ou Cartas Encíclicas. Santo Inocêncio I interviu doutrinalmente em assuntos como liturgia do batismo, da reconciliação, da unção dos enfermos e da indissolubilidade do matrimônio, mesmo em casos de adultério. Foi durante o seu pontificado que surgiu a heresia pelagiana, doutrina herética que afirmava que os homens podiam alcançar a salvação pelo próprio esforço, dispensando totalmente a graça divina. Apesar de combater com muita firmeza essa heresia e de ser muito rigoroso na correção dos erros doutrinais, Santo Inocêncio tinha um coração extremamente aberto e acolhedor para todos, inclusive para os que a ele se opunham. Santo Inocêncio manifestou compreensão e interesse tanto pelos pequenos problemas que afligiam os mais simples, como pelos grandes dramas e problemas sociais. Morreu em Roma, no ano 417.
Hoje, em nossa sociedade onde reina a corrupção, a impunidade, a ausência de ética e um profundo desrespeito pela pessoa humana, Santo Inocêncio, que soube conduzir com pulso seguro, coração aberto e generoso, a barca de Pedro, nos lembra que poder é serviço e quem o exerce, seja em maior ou menor escala, deve estar atento a todos os problemas e situações que afligem o povo. Tudo que se deseja de quem governa, seja uma pequena comunidade, seja uma grande nação, são idéias e projetos claros, mão firme, mas acima de tudo, um coração sensível, pronto para acolher com igual solicitude os anseios da comunidade e os suspiros dos pequeninos.
28 de Julho 2018
A SANTA MISSA

16ª Semana do Tempo Comum – Sábado
Cor: verde
1ª Leitura: Jr 7,1-11
“Acaso, esta casa, em que meu nome é invocado,
tornou-se a vossos olhos uma caverna de ladrões?”
Leitura do Livro do Profeta Jeremias
1 Palavra comunicada a Jeremias, da parte do Senhor: 2 ‘Põe-te à porta da casa do Senhor e lá anuncia esta palavra, dizendo: Ouvi a palavra do Senhor, todos vós de Judá, que entrais por estas portas para adorar o Senhor. 3 Isto diz o Senhor dos exércitos, Deus de Israel: Melhorai vossa conduta e vossas obras, que eu vos farei habitar neste lugar. 4 Não ponhais vossa confiança em palavras mentirosas, dizendo: – ‘É o templo do Senhor, o templo do Senhor, o templo do Senhor! 5 Mas, se melhorardes vossa conduta e vossas obras, se fizerdes valer a justiça, uns com os outros, 6 não cometerdes fraudes contra o estrangeiro, o órfão e a viúva, nem derramardes sangue inocente neste lugar, e não andardes atrás de deuses estrangeiros, para vosso próprio mal, 7 então eu vos farei habitar neste lugar, na terra que dei a vossos pais, desde sempre e para sempre. 8 Eis que confiais em palavras mentirosas, que para nada servem. 9 Como! Roubar, matar, cometer adultério e perjúrio, queimar incenso a Baal, e andar atrás de deuses que nem sequer conheceis;
10 e depois, vindes à minha presença, nesta casa em que meu nome é invocado, e dizeis: ‘Nenhum mal nos foi infligido, tendo embora cometido todas essas abominações. 11 Acaso, esta casa, em que meu nome é invocado, tornou-se a vossos olhos uma caverna de ladrões? Eis que também eu vi, diz o Senhor.
– Palavra do Senhor
– Graças a Deus.
Salmo Responsorial: Sl 83,3. 4. 5-6a.8a. 11 (R. 2)
R. Quão amável, ó Senhor, é vossa casa!
3Minha alma desfalece de saudades *
e anseia pelos átrios do Senhor!
Meu coração e minha carne rejubilam *
e exultam de alegria no Deus vivo! R.
4 Mesmo o pardal encontra abrigo em vossa casa, +
e a andorinha ali prepara o seu ninho, *
para nele seus filhotes colocar:
vossos altares, ó Senhor Deus do universo! *
vossos altares, ó meu Rei e meu Senhor! R.
5 Felizes os que habitam vossa casa; *
para sempre haverão de vos louvar!
6a Felizes os que em vós têm sua força, *
8aCaminharão com um ardor sempre crescente. R.
11 Na verdade, um só dia em vosso templo *
vale mais do que milhares fora dele!
Prefiro estar no limiar de vossa casa, *
a hospedar-me na mansão dos pecadores! R.
Evangelho: Mt 13,24-30
“Deixai crescer um e outro até a colheita!”
– O Senhor esteja convosco
– Ele está no meio de nós.
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo: 24 Jesus contou outra parábola à multidão: ‘O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente no seu campo. 25 Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora. 26 Quando o trigo cresceu e as espigas começaram a se formar, apareceu também o joio. 27 Os empregados foram procurar o dono e lhe disseram: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde veio então o joio?’ 28 O dono respondeu: ‘Foi algum inimigo que fez isso’. Os empregados lhe perguntaram: ‘Queres que vamos arrancar o joio?’ 29 O dono respondeu: ‘Não! pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo. 30 Deixai crescer um e outro até a colheita! E, no tempo da colheita, direi aos que cortam o trigo: arrancai primeiro o joio e o amarrai em feixes para ser queimado!
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor!
TEMPO COMUM. DÉCIMA SEXTA SEMANA. SEXTA‑FEIRA
– Dignidade do corpo e de todas as coisas criadas. Necessidade desta virtude.
I. A IGREJA sempre reconheceu a dignidade do corpo humano e de todas as coisas criadas. No relato da Criação, o autor sagrado mostra como Deus se regozijou com o que tinha feito1; depois de ter criado o homem, diz o Gênesis, Deus viu que era muito bom tudo o que tinha feito2, e constituiu‑o como cabeça de toda a criação. E com a vinda da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que assumiu a natureza humana e realizou a redenção do homem e do universo material, tudo o que é humano adquiriu uma particular dignidade.
Não é doutrina cristã a oposição radical entre a alma e o corpo, pois todo o homem, em corpo e alma, está chamado a alcançar a vida eterna. Ninguém como a Igreja ensinou a dignidade e o respeito que se deve ao corpo: Não sabeis que os vossos membros são templo do Espírito Santo que habita em vós, e que o recebestes de Deus e que portanto não vos pertenceis a vós mesmos? Porque fostes comprados por um grande preço. Glorificai, pois, e trazei a Deus no vosso corpo3.
No entanto, por causa da desordem que o pecado introduziu no mundo, o homem tem de esforçar‑se e lutar para não se ver prisioneiro e escravo dos bens que Deus criou para ele com o fim de que também através deles pudesse alcançar o Céu. Especialmente nos nossos dias, parece que muitos procuram estabelecer como fim aquilo que Deus estabeleceu como meio, e põem de parte as leis divinas, sem perceber que caem nas garras de um tirano cada vez mais exigente. Desse modo, desfiguram a imagem de Deus que existe em todo o homem e, com ela, a própria dignidade humana. A temperança, pelo contrário, “faz com que o corpo e os nossos sentidos encontrem o lugar exato que lhes corresponde no nosso ser humano”4, o lugar que Deus lhes determinou.
Os que não estão habituados a negar‑se em nada, os que abrem as portas a tudo o que os sentidos lhes pedem, os que procuram em primeiro lugar agradar ao corpo e só se empenham em andar à busca das maiores comodidades, dificilmente poderão ser donos de si mesmos e chegar a Deus. Estão como que embotados para as coisas divinas, e também para muitos valores humanos, que não entendem e para os quais se encontram incapacitados. São mau terreno para que a semente da graça divina lance raízes neles. O próprio Senhor nos diz no Evangelho da Missa que aquele que recebeu a semente entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste século e a sedução das riquezas sufocam a palavra, e ela fica infrutuosa5.
Num clima em que o importante é o corpo, a saúde, o aspecto físico, é impossível que a vida cristã ganhe raízes e dê fruto. Os bens convertem‑se assim em males, em duros espinhos que sufocam o que há de mais nobre no homem e a própria vida eterna, que se inicia já aqui na alma em graça: “Com o corpo pesado e enfartado de mantimentos, muito mal preparado está o ânimo para voar em direção ao alto”6.
Temos que estar atentos para não nos deixarmos levar por essa ânsia desmedida de bem‑estar que está presente em muitos setores do mundo atual, nos quais se pensa que o ápice da vida e do triunfo consiste em ter mais e em ostentar aquilo que se possui. O nosso verdadeiro êxito está em sermos fiéis àquilo que Deus quer de nós e em alcançarmos a vida eterna. Nós sabemos que o nosso coração só pode saciar‑se em Deus, pois está feito para a eternidade, e que as coisas terrenas sempre o deixarão insatisfeito, frustrado e triste.
– A temperança humaniza o homem e possibilita a sua plenitude. Desprendimento dos bens. Dar exemplo.
II. A NOSSA MÃE A IGREJA recorda‑nos continuamente a necessidade da temperança, que impede que a semente lançada no coração fique sufocada. Temos que estar vigilantes, pois se examinarmos “a orientação que a nossa cultura moderna vai tomando, verificaremos que conduz a um certo hedonismo, à vida fácil, a um certo empenho por eliminar a cruz do nosso horizonte”7. E essa tendência ameaça muitos.
A temperança humaniza o homem, porque, se este se abandona à satisfação dos seus instintos, acaba por parecer‑se com um trem descarrilado: perde o eixo, sai dos trilhos e fica impossibilitado de prosseguir viagem. Nessas circunstâncias, o que é mais nobre no homem – a inteligência e a vontade – fica submetido ao que o é menos: ao instinto e às paixões.
Viver a virtude da temperança não é repressão, mas moderação, harmonia. É um hábito que se adquire por meio de muitos pequenos atos que disciplinam os prazeres, mesmo os lícitos, e orientam os bens sensíveis para o fim último do homem. Quem vive essa virtude “sabe prescindir do que faz mal à sua alma e apercebe‑se de que o sacrifício é apenas aparente, porque, ao viver assim – com sacrifício –, livra‑se de muitas escravidões e no íntimo do seu coração consegue saborear todo o amor de Deus. A vida recupera então os matizes que a intemperança esbate. Ficamos em condições de nos preocuparmos com os outros, de compartilhar com todos as coisas pessoais, de nos dedicarmos a tarefas grandes”8.
Viver bem esta virtude implica andar desprendido dos bens e dar‑lhes a importância que têm e não mais; não criar necessidades; não fazer gastos inúteis; ser moderado na comida, na bebida, no descanso; prescindir de caprichos...
O Senhor pede‑nos que demos exemplo de temperança no meio do mundo, sem nos deixarmos levar pela falsa naturalidade de querer ser como os outros. Transigir neste ponto seria dificultar ou até impedir a possibilidade de seguir Cristo como um dos seus íntimos. Com a nossa vida, temos de mostrar a muitos que “o homem vale mais pelo que é do que pelo que tem”9, e temos de fazê‑lo com o exemplo de uma vida sóbria e temperada. De modo especial, os pais devem ensinar e ajudar os filhos a crescer “numa justa liberdade diante dos bens materiais, adotando um estilo de vida simples e austero”10.
– Algumas manifestações de temperança.
III. A VIRTUDE DA TEMPERANÇA tem que impregnar toda a vida do cristão: desde as comodidades do lar até os instrumentos de trabalho e as maneiras de divertir‑se. Para descansar, por exemplo, não é necessário – geralmente – fazer grandes gastos nem longas viagens. Dá exemplo de temperança aquele que sabe usar moderadamente da televisão e, em geral, dos instrumentos de conforto que a técnica oferece, sem estar excessivamente pendente do seu próprio bem‑estar. Muitos parecem viver exclusivamente para passar a vida rodeados do maior bem‑estar possível.
Nos nossos dias, também se pode dizer de certas pessoas que o seu Deus é o ventre11, pela preocupação que põem nos assuntos da comida e da bebida. Pessoa sóbria é aquela que modera o uso dos alimentos: evita comer fora de horas e por capricho; não procura pratos mais requintados neste ou naquele restaurante, entrando em gastos desproporcionados; não consome quantidades excessivas... “Habitualmente, comes mais do que precisas. – E essa fartura, que muitas vezes te produz lassidão e incomodidade física, torna‑te incapaz de saborear os bens sobrenaturais e entorpece o teu entendimento. – Que boa virtude, mesmo para a terra, é a temperança!”12
Ainda que muitas destas manifestações de gula não sejam pecado grave, no entanto são ofensas a Deus, que debilitam a vontade e acabam por ser uma recusa dessa vida austera, alegre e desprendida que o Senhor pede. São os espinhos que afogam a boa semente; levam a uma vida de tibieza e de desinteresse e apatia pelos bens espirituais e especialmente pelos divinos.
A Igreja dá à sobriedade um valor e sentido mais alto quando nos convida a encarar os alimentos como um dom de Deus e aconselha a bênção à mesa e a ação de graças depois das refeições. São Tomás sublinha que, embora a sobriedade e a temperança sejam necessárias a todos, são‑no de maneira particular aos jovens, pela sua inclinação para a sensualidade; às mulheres; aos anciãos, que devem dar exemplo; aos ministros da Igreja; e aos governantes, para que possam exercer os seus cargos com sabedoria13.
A temperança refere‑se também à moderação da curiosidade, do falar sem medida, das piadas nas conversas... “Penso – afirmava o Papa João Paulo II – que esta virtude exige também de cada um de nós uma humildade específica em relação aos dons que Deus colocou na natureza humana. Eu diria a «humildade do corpo» e a «do coração»”14, que tão bem se compaginam com a rejeição da ostentação e da vaidade néscia.
A temperança é uma grande defesa contra a agressividade de um ambiente polarizado nos bens materiais. Além disso, prepara para receber, como terra boa, as moções do Espírito Santo e é um meio indispensável para levarmos a cabo um apostolado eficaz no meio do mundo.
(1) Cfr. Gen 1, 25; (2) Gen 1, 31; (3) 1 Cor 6, 19‑20; (4) João Paulo II, Sobre a temperança, 22‑XI‑1988; (5) Mt 13, 22; (6) São Pedro de Alcântara, Tratado da oração e da meditação, II, 3; (7) Paulo VI, Alocução, 8‑IV‑1966; (8) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 84; (9) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, n. 35; (10) João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris consortio, 22‑XI‑1981, n. 37; (11) Fil 3, 19; (12) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 682; (13) São Tomás, Suma Teológica, II‑II, q. 149, a. 4; João Paulo II, Sobre a temperança, 22‑XI‑1988.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.
São Celestino I
27 de Julho
São Celestino I 
São Celestino sucedeu ao Papa São Bonifácio e governou a Igreja do ano 422 ao ano 432. Seu pontificado foi marcado por grandes realizações. Era um homem firme, mas ao mesmo tempo liberal, atento aos problemas temporais do povo, mas sem jamais se descuidar da parte espiritual e tinha uma percepção muito clara e ampla das dificuldades que atingiam a comunidade eclesial.
Entre as obras realizadas por ele, está a reconstrução da cidade de Roma, arrasada pelas tropas do bárbaro Alarico. São Celestino defendeu o direito do Papa de receber apelos de qualquer cristão, fosse ele padre ou leigo. As respostas a esses apelos e solicitações ficaram sendo conhecidas pelo nome de Decretais, e a partir delas, São Celestino fixava normas de comportamento. Foram essas normas que deram origem ao hoje conhecido “Direito Canônico”.
São Celestino I esclareceu muitas dúvidas existentes no seu tempo, corrigiu abusos, combateu heresias e realizou intervenções na África, na Inglaterra, na França e no Oriente. Combateu vigorosamente a heresia nestoriana que negava a maternidade divina de Maria, defendendo no Concílio de Éfeso a verdade de que Nossa Senhora, sendo mãe de Jesus é também mãe de Deus, já que Jesus era Deus e homem.
São Celestino revelou-se um verdadeiro pastor, solícito com todos, mesmo com aqueles que não compartilhavam de suas idéias e até o combatiam. Prova disso é a carta que após o Concílio escreveu aos padres conciliares, ao imperador, ao patriarca de Constantinopla, ao clero e ao povo, manifestando sua satisfação pela vitória da verdade, mas convidando todos a uma atitude de magnanimidade para com os derrotados.
O Papa Celestino I morreu no dia 27 de julho do ano 432, após ter governado a Igreja por dez anos, período não muito longo, mas de grandes realizações.
Para a sociedade de hoje em que a maioria dos que detêm o poder, o exercem de forma ditatorial, São Celestino I nos oferece uma mensagem carregada de sabedoria: quem governa tem o direito de expor e defender suas idéias e projetos, mas tem também o dever de abrir os ouvidos para ouvir, o coração para sentir, e as mãos para acolher os pedidos, os desejos e as necessidades do povo. O governante sábio não é quem sabe de cor todas as leis ou que as segue ao pé da letra, mas aquele que é capaz de conciliar a justiça com a misericórdia, e a firmeza de atitudes com a magnanimidade de coração.
27 de Julho 2018
A SANTA MISSA

16ª Semana do Tempo Comum – Sexta-feira
Cor: verde
1ª Leitura: Jr 3,14-17
“Eu vos darei pastores segundo o meu coração;
e em torno de Jerusalém se reunirão todos os povos”.
Leitura do Livro do Profeta Jeremias
14 Convertei-vos, filhos, que vos tendes afastado de mim, diz o Senhor, pois eu sou vosso Senhor; vou tomar-vos, um de uma cidade e dois de uma família, e vos reconduzirei a Sião; 15 eu vos darei pastores segundo o meu coração, que vos apascentarão com clarividência e sabedoria. 16 Quando vos tiverdes multiplicado e crescerdes na terra, naqueles dias, diz o Senhor, não se falará mais da “arca da aliança do Senhor”; ela não virá à memória de ninguém, não se lembrarão dela, não a procurarão nem fabricarão outra. 17 Naquele tempo, chamarão Jerusalém Trono do Senhor, em torno dela se reunirão, em nome do Senhor, todos os povos; eles não se deixarão mais levar pelas inclinações de um coração mau.
– Palavra do Senhor
– Graças a Deus.
Salmo Responsorial: Jr 31, 10. 11-12ab. 13 (R. Cf. 10d)
R. O Senhor nos guardará qual pastor a seu rebanho.
10Ouvi, nações, a palavra do Senhor *
e anunciai-a nas ilhas mais distantes:
‘Quem dispersou Israel, vai congregá-lo, *
e o guardará qual pastor a seu rebanho!’ R.
11 Pois, na verdade, o Senhor remiu Jacó *
e o libertou do poder do prepotente.
12a Voltarão para o monte de Sião, +
entre brados e cantos de alegria *
12b afluirão para as bênçãos do Senhor: R.
13 Então a virgem dançará alegremente, *
também o jovem e o velho exultarão;
mudarei em alegria o seu luto, *
serei consolo e conforto após a guerra. R.
Evangelho: Mt 13,18-23
“Aquele que ouve a palavra e a compreende. Esse produz fruto”.
– O Senhor esteja convosco
– Ele está no meio de nós.
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 18 Ouvi a parábola do semeador: 19 Todo aquele que ouve a palavra do Reino e não a compreende, vem o Maligno e rouba o que foi semeado em seu coração. Este é o que foi semeado à beira do caminho. 20 A semente que caiu em terreno pedregoso é aquele que ouve a palavra e logo a recebe com alegria; 21 mas ele não tem raiz em si mesmo, é de momento: quando chega o sofrimento ou a perseguição, por causa da palavra, ele desiste logo. 22 A semente que caiu no meio dos espinhos é aquele que ouve a palavra, mas as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a palavra, e ele não dá fruto. 23 A semente que caiu em boa terra é aquele que ouve a palavra e a compreende. Esse produz fruto. Um dá cem, outro sessenta e outro trinta.’
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor!
TEMPO COMUM. DÉCIMA SEXTA SEMANA. QUINTA‑FEIRA
– O pecado é o maior erro que o homem pode cometer e o único mal verdadeiro.
I. O POVO JUDEU, depois da sua experiência no deserto, conhecia bem a importância da água. Encontrar água no meio do deserto era como achar um tesouro, e os poços eram mais bem guardados do que as jóias, pois deles dependia a vida. A Sagrada Escritura fala de Deus como a fonte de águas vivas; o justo é como uma árvore plantada à beira da água viva1, que produz fruto mesmo em tempo de seca2.
No colóquio com a mulher samaritana, Jesus manifestou que Ele era a fonte capaz de saciar as almas com água viva3. Na festa dos Tabernáculos ou das Tendas, em que os judeus recordavam a sua passagem pelo deserto, Jesus apresenta‑se como o único que pode saciar a sede das almas. No último dia – escreve São João –, o dia mais solene da festa, estava Jesus em pé, e dizia em voz alta: Se alguém tem sede, venha a mim, e beba. O que crê em mim, como diz a Escritura, do seu seio correrão rios de água viva4. Só Cristo pode acalmar a sede de eternidade que o próprio Deus pôs nos nossos corações, só Ele pode tornar fecunda a nossa vida.
Neste contexto, ressoam‑nos hoje com especial vibração as palavras do profeta Jeremias em que fala do abandono do seu povo e, num sentido mais amplo, dos pecados dos homens, dos nossos pecados: Pasmai, céus; e vós, portas celestes, ficai inconsoláveis... porque o meu povo cometeu dois males: abandonou‑me a mim, que sou fonte de água viva, e cavou para si cisternas, cisternas gretadas que não podem reter as águas5.
Todo o pecado é uma separação de Deus. Abandona‑se por nada a água viva que salta para a vida eterna; é uma tentativa frustrada de acalmar a sede com outras coisas, e é a morte. É o maior equívoco que o homem pode cometer, é o autêntico mal, pois arrebata a graça santificante, a vida de Deus na alma, que é o dom mais precioso que recebemos.
O pecado é sempre “desperdício dos nossos valores mais preciosos. Esta é a verdadeira realidade, mesmo quando parece que precisamente o pecado nos permite obter êxitos. O afastamento do Pai traz consigo uma grande destruição em quem o leva a cabo, em quem viola a vontade divina e dissipa a herança recebida: a dignidade da própria pessoa, a herança da graça”6.
O pecado transforma a alma num verdadeiro terreno pedregoso onde é impossível que a graça cresça e as virtudes se desenvolvam; converte‑a em terra seca, endurecida, cheia de espinhos, como nos mostrava o Evangelho que lemos ontem e que voltaremos a considerar amanhã. O pecado – o abandono da fonte de águas vivas para construir cisternas gretadas – significa a ruína do homem.
– Os efeitos do pecado.
II. FORA DE DEUS, o homem só encontrará infelicidade e morte; o pecado é uma vã tentativa de conservar água numa cisterna fendida. “Ajuda‑me a repetir ao ouvido daquele, e do outro..., e de todos: um homem com fé que for pecador, ainda que consiga todas as bem‑aventuranças da terra, é necessariamente infeliz e desgraçado.
“É verdade que o motivo que nos há de levar a odiar o pecado – mesmo o venial – e que deve mover a todos, é sobrenatural: que Deus o detesta com toda a sua infinitude, com ódio sumo, eterno e necessário, como mal oposto ao infinito bem... Mas a primeira consideração que te apontei acima pode conduzir‑nos a esta última”7: a solidão que o pecado deixa na alma deve também levar‑nos a lutar contra ele. Não sem razão se disse que, com muita freqüência, “o caminho do inferno já é um inferno”.
O pecado endurece a alma para as coisas de Deus. No Evangelho da Missa8, Jesus diz, citando o profeta Isaías: Ouvireis com os vossos ouvidos e não entendereis; olhareis com os vossos olhos e não vereis. Porque o coração deste povo tornou‑se insensível, e os seus ouvidos tornaram‑se duros, e fecharam os olhos para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos e entendam com o coração... Basta lançar um olhar ao nosso redor para ver com pena como estas palavras do Senhor são também uma realidade em muitos que perderam o sentido do pecado e estão como que embrutecidos em face das realidades sobrenaturais.
O pecado mortal afasta o homem radicalmente de Deus, porque priva a alma da graça santificante; faz perder todos os méritos adquiridos pelas boas obras já realizadas e impede de receber outros novos; submete de certo modo a pessoa à escravidão do demônio; diminui a inclinação natural para a virtude, de tal maneira que cada vez se torna mais difícil realizar atos bons. Por vezes, afeta também o corpo: causa faltas de paz, mau‑humor, desânimo, pouca vontade para o trabalho; provoca uma desordem nas potências e sentimentos; ocasiona um mal para toda a Igreja e para todos os homens e separa‑os deles, ainda que externamente não se note: assim como todo o justo que se esforça por amar a Deus eleva o mundo e cada homem, todo o pecado “arrasta consigo a Igreja e, de certa maneira, o mundo inteiro. Por outras palavras, não há nenhum pecado, mesmo o mais íntimo e secreto, o mais estritamente individual, que diga respeito exclusivamente àquele que o comete. Todo o pecado repercute com maior ou menor veemência, com maior ou menor dano, em toda a estrutura eclesial e em toda a família humana”9.
Todo o pecado está íntima e misteriosamente relacionado com a Paixão de Cristo. Os nossos pecados estiveram presentes e foram a causa de tanta dor; e agora, no que depende de nós, crucificam novamente o Filho de Deus10. “Como Ele nos ama! Quanto sacrifício, quantas penas não passou para nos salvar, desde o presépio até à Cruz! O que nos dizem os mistérios dolorosos do Rosário, as estações da Via Sacra, a Cruz, os pregos e a lança, as feridas? O Senhor sofreu tudo isso por nós, por cada um de nós, unicamente para nos abrir o acesso ao Pai (Ef 2, 18), para nos obter o perdão dos pecados e o direito de possuirmos a vida eterna. Nós, em recompensa, pecamos e desprezamos todos os seus sacrifícios. E a dor mais aguda da agonia em Getsêmani foi esta: Jesus previu com clarividência divina a ingratidão com que lhe iríamos corresponder”11.
Com a ajuda da misericórdia divina, porque ninguém está confirmado na graça, o cristão que segue de perto o Senhor não cai habitualmente em faltas graves. Mas o conhecimento da nossa debilidade deve levar‑nos a evitar com cuidado as ocasiões de pecar, mesmo as mais remotas; a praticar a mortificação dos sentidos; a não confiar na experiência própria, nos anos de entrega a Deus e de uma formação esmerada... E temos de pedir ao Senhor que saibamos detestar toda a falta deliberada, que nos dê finura de consciência para não perdermos o sentido do pecado, essa tremenda realidade que parece alheia a uma boa parte da sociedade a que pertencemos, porque deu as costas a Deus.
Dizemos a Jesus com palavras de João Paulo II: “Ajuda‑nos, Senhor, a vencer a nossa indiferença e o nosso torpor! Dá‑nos o sentido do pecado. Cria em nós um coração puro e renova na nossa consciência um espírito firme”12.
– A luta contra os pecados veniais. Amor à confissão.
III. PARA ARMARMOS uma luta decidida contra o pecado, é necessário que reconheçamos sem desculpas os nossos erros diários, chamando‑os pelo seu nome, sem procurar justificações que bloqueariam a contrição e a luta por evitá‑los: omissões nos nossos deveres profissionais, na fraternidade, no trato com Deus; juízos negativos sobre os outros; ambições menos nobres ou desordenadas: de ser o centro das atenções, de mandar, de ter mais do que se precisa; movimentos de inveja e mau‑humor que se vertem sobre os outros; pouca solicitude na vida familiar...
Tudo isso são verdadeiros pecados, embora veniais, porque a vontade resiste a secundar o querer de Deus, antepondo‑lhe o capricho pessoal ou o juízo próprio, ainda que não se chegue a uma ruptura com o Senhor. O empenho por estar cada dia mais perto de Jesus Cristo não se compagina com a fraqueza de admitir coisas que nos separam dEle. Cada falta venial deliberada é um passo atrás no caminho para Deus; é entravar a ação do Espírito Santo na alma.
A água viva que o Senhor nos promete – Se alguém tem sede, venha a mim e beba... – não pode ser armazenada em vasilhames quebrados pelo pecado mortal ou rachados pelos pecados veniais. A Confissão restaura a alma, purifica‑a e enche‑a de graça. Recorramos a este sacramento com contrição verdadeira. Que possamos dizer com o Salmista: Os meus olhos derramaram rios de lágrimas porque não observaram a tua lei13.
Pedimos à nossa Mãe Santa Maria, Refúgio dos pecadores, que nos conceda a graça de detestar todo o pecado venial e um grande amor ao sacramento da Misericórdia divina. Examinemos, ao terminarmos este tempo de oração, com que freqüência recorremos a esse sacramento, com que amor nos aproximamos dele, que empenho pomos em praticar os conselhos recebidos.
(1) Sl 1, 3; (2) Jer 17, 5‑8; (3) Jo 4, 10‑15; (4) Jo 7, 37‑38; (5) Jer 2, 12‑13; Primeira leitura da Missa quinta‑feira da décima sexta semana do TC, ano II; (6) João Paulo II, Homilia, 16‑III‑1980; (7) Josemaría Escrivá, Forja, n. 1024; (8) Mt 13, 10‑17; (9) João Paulo II, Exort. Apost. Reconciliatio et Paenitentia, 2‑XII‑1984, 16; (10) cfr. Hebr 6, 6; (11) B. Baur, En la intimidad con Dios, pág. 68; (12) João Paulo II, Homilia na inauguração do Ano Santo, 25‑III‑1983; (13) Sl 118, 136.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.
São Joaquim e Sant'Ana
26 de Julho
São Joaquim e Sant'Ana 
Os Evangelhos nada falam sobre os pais de Nossa Senhora, e o pouco que se sabe sobre eles deve-se a escritos apócrifos que misturam alguns fatos verdadeiros com lendas. Joaquim e Ana são nomes bíblicos. Ana em hebraico é Hannah, ou Joana, e significa “graça”. Joaquim equivale a “Javé prepara ou fortalece”.
Ambos os nomes indicam missão: a missão divina de preparar Israel para as promessas messiânicas. A Igreja aceitou os nomes de Joaquim e Ana, assim como aceitou a tradição universal da velhice e esterilidade de ambos que viviam humilhados perante a comunidade, até o dia em que o Senhor os abençoou com uma filha.
Contam os apócrifos que Joaquim, triste e desiludido, foi para o deserto onde passou em oração e penitência, e ao fim de 40 dias, um anjo anunciou-lhe que ele teria um filho. Quando a menina nasceu recebeu o nome de Maria e, quando ela completou três anos, os pais a levaram ao templo e a consagraram ao serviço divino.
O culto aos avós de Jesus começou no século VI e é muito antigo entre os orientais, principalmente entre os gregos. No ano 550 Justiniano mandou construir em Constantinopla uma Igreja em honra de Sant’Ana. No ano 636, ano da tomada de Jerusalém pelos muçulmanos, já existia uma basílica com uma imagem de Sant’Ana, ensinando a Sagrada Escritura a Maria. Lentamente o culto foi se espalhando, chegando ao Ocidente lá pelo século X, atingindo seu ápice no século XV. Durante algum tempo, São Joaquim foi festejado no dia 20 de março e depois no dia 16 de agosto. A partir de 1913, com a reforma do calendário litúrgico, os pais de Nossa Senhora, que eram celebrados em datas diferentes, passaram a ser celebrados no dia 26 de julho.
Hoje, quando a Igreja celebra a festa de São Joaquim e Sant’Ana e a sociedade civil comemora o dia dos avós, nós somos colocados diante da necessidade de uma reflexão sobre o idoso. Mais precisamente, sobre o descaso, a indiferença, a intolerância com que ele é tratado. Diante dos asilos superlotados, das faltas de oportunidade de trabalho e lazer para as pessoas da terceira idade, somos desafiados, não a fazer coisas por nossos avós, mas a nos unir a eles na luta pelos seus direitos e na denúncia das situações de exclusão a que são submetidos. Hoje somos convidados a abrir espaço para que aqueles que se doaram sem restrições, e que deram os melhores anos de suas vidas para abrir caminhos para a geração atual, não sejam tratados como peças descartáveis e inúteis, mas possam continuar ocupando no mundo o lugar que merecem, de protagonistas de sua própria história.
26 de Julho 2018
A SANTA MISSA

Memória: São Joaquim e Sant’Ana, pais da Virgem Maria
Cor: branca
1ª Leitura: Eclo 44, 1.10-15
“Seus nomes duram através das gerações”.
Leitura do Livro do Eclesiástico
1 Vamos fazer o elogio dos homens famosos, nossos antepassados através das gerações. 10 Estes, são homens de misericórdia; seus gestos de bondade não serão esquecidos. 11 Eles permanecem com seus descendentes; seus próprios netos são a sua melhor herança.12 A descendência deles mantém-se fiel às alianças, 13 e, graças a eles, também os seus filhos. Sua descendência permanece para sempre, e sua glória jamais se apagará. 14 Seus corpos serão sepultados na paz e seu nome dura através das gerações. 15 Os povos proclamarão a sua sabedoria, e a assembleia vai celebrar o seu louvor.
– Palavra do Senhor
– Graças a Deus.
Salmo Responsorial: Salmo 131 (132), 11.13-14.17-18 (R. Lc 1, 32)
R. O Senhor vai dar-lhe o trono de seu pai, o rei Davi.
11O Senhor fez a Davi um juramento, *
uma promessa que jamais renegará:
“Um herdeiro que é fruto do teu ventre *
colocarei sobre o trono em teu lugar! R.
13 Pois o Senhor quis para si Jerusalém *
e a desejou para que fosse sua morada:
14 “Eis o lugar do meu repouso para sempre, *
eu fico aqui: este é o lugar que preferi!” R.
17 “De Davi farei brotar um forte Herdeiro, *
acenderei ao meu Ungido uma lâmpada.
18 Cobrirei de confusão seus inimigos, *
mas sobre ele brilhará minha coroa!” R.
Evangelho: Mt 13, 16-17
“Muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram”.
– O Senhor esteja convosco
– Ele está no meio de nós.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 16 “Felizes sois vós, porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem. 17 Em verdade vos digo, muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram, desejaram ouvir o que ouvis, e não ouviram”.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor!
25 DE JULHO
SÃO TIAGO (MAIOR) APÓSTOLO
Festa
– Beber o cálice do Senhor.
São Tiago era natural de Betsaida, filho de Zebedeu e irmão de São João. Foi um dos três discípulos que estiveram presentes na Transfiguração, na agonia do Getsêmani e em outros acontecimentos importantes da vida pública de Jesus. Foi o primeiro Apóstolo que morreu por pregar a mensagem salvadora de Cristo. A sua energia e firmeza fizeram que o Senhor o chamasse filho do trovão. A sua atividade apostólica desenvolveu-se na Judéia e na Samaria e, segundo uma venerável tradição, levou-o até à Espanha. Retornando à Palestina, sofreu o martírio por volta do ano 44, por ordem de Herodes Agripa. Os seus restos mortais foram trasladados para Santiago de Compostela, centro de peregrinação durante a Idade Média e foco de fé para toda a Europa.
I. CAMINHANDO JESUS ao longo do mar da Galiléia, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que consertavam as redes; e chamou-os e deu-lhes o nome de “Boanerges”, que quer dizer “filhos do trovão”1.
“Tudo começou quando alguns pescadores do lago de Tiberíades foram chamados por Jesus de Nazaré. Acolheram a chamada, seguiram-no e viveram com Ele aproximadamente três anos. Participaram da sua vida cotidiana, foram testemunhas da sua pregação, da sua bondade misericordiosa com os pecadores e com os que sofriam, do seu poder. Escutaram atentos a sua palavra, uma palavra jamais ouvida”. Durante esse tempo, os discípulos tiveram conhecimento “de uma realidade que, desde então, os possuiria para sempre: a experiência da vida com Jesus. Foi uma experiência que rompeu a trama da existência anterior; tiveram que deixar tudo: a família, a profissão, os bens. Foi uma experiência que os introduziu numa nova maneira de existir”2.
Um dia, o convidado a seguir Jesus foi Tiago, irmão de João e filho de Salomé, uma das mulheres que serviam o Senhor com os seus bens e que estaria presente no Calvário. O Apóstolo conhecia Jesus antes de Ele o ter chamado definitivamente, e gozou da sua predileção juntamente com Pedro e seu irmão: esteve presente no Tabor3, presenciou o milagre da ressurreição da filha de Jairo e foi um dos três que o Mestre tomou consigo para que o acompanhassem no Horto das Oliveiras4, no começo da Paixão. Pelo seu zelo impetuoso, Tiago e seu irmão receberam do Senhor a alcunha de Boanerges, filhos do trovão.
O Evangelho da Missa narra-nos um acontecimento singular da vida deste Apóstolo. Jesus acabava de anunciar que se aproximava o momento da sua Paixão e Morte em Jerusalém: Eis que subimos a Jerusalém – disse-lhes –, e o Filho do homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas, que o condenarão à morte e o entregarão aos gentios para ser escarnecido, açoitado e crucificado; mas ao terceiro dia ressuscitará5. O Mestre sente necessidade de compartilhar com os seus discípulos esses sentimentos que embargam a sua alma. Nessa altura, aproximou-se dele a mãe dos filhos de Zebedeu com os seus filhos, e prostrou-se para pedir-lhe alguma coisa6. Pede-lhe que reserve para os filhos dois lugares de importância no novo reino cuja chegada parecia iminente. Jesus dirige-se aos irmãos e pergunta-lhes se podem partilhar com Ele o seu cálice, o seu mesmo destino. Oferecer a taça própria a outra pessoa era considerado na Antigüidade como uma grande prova de amizade. Eles responderam: Podemos7. “Era a palavra da disponibilidade, da força; uma atitude que é própria não só de pessoas jovens, mas de todos os cristãos, especialmente de todos os que aceitam ser apóstolos do Evangelho”8. Jesus aceita a resposta generosa dos dois discípulos e diz-lhes: Efetivamente, haveis de beber o meu cálice, participareis dos meus sofrimentos, completareis em vós a minha Paixão. Alguns anos mais tarde, por volta do ano 44, Tiago morreria decapitado por ordem de Herodes9, e João seria provado com inúmeros padecimentos e perseguições ao longo da sua vida.
Desde que Cristo nos redimiu na Cruz, todo o sofrimento cristão consistirá em beber o cálice do Senhor, em participar da sua Paixão, Morte e Ressurreição. Por meio das nossas dores, completamos de certo modo a Paixão de Cristo10, que se prolonga no tempo, com os seus frutos salvíficos. A dor humana torna-se redentora, porque se acha associada à que o Senhor padeceu. É o mesmo cálice de que Ele, na sua misericórdia, nos faz participar. Perante as contrariedades, a doença, a dor, Jesus faz-nos a mesma pergunta: Podeis beber o meu cálice? E nós, se estivermos unidos a Ele, saberemos responder-lhe afirmativamente, e acolheremos com paz e alegria aquilo que humanamente não é agradável. Com Cristo, até a dor e o fracasso se convertem em gozo e em paz. “Esta foi a grande revolução cristã: converter a dor em sofrimento fecundo; fazer, de um mal, um bem. Despojamos o diabo dessa arma...; e, com ela, conquistamos a eternidade”11.
– Não desanimar com as nossas fraquezas. Recorrer ao Senhor.
II. NO ESPAÇO DE TEMPO que transcorreu entre o momento em que Tiago manifestou as suas ambições – não inteiramente nobres – e o seu martírio, tem lugar um longo processo interior. O próprio zelo do Apóstolo, dirigido contra aqueles samaritanos que não tinham querido receber Jesus por dar a impressão de ir para Jerusalém12, transformar-se-á mais tarde em ânsia de almas. Pouco a pouco, sem perder a sua própria personalidade, Tiago irá aprendendo que o zelo pelas coisas de Deus não pode ser áspero nem violento, e que a única ambição que vale a pena é a glória de Deus. Conta São Clemente de Alexandria que, quando o Apóstolo era levado ao tribunal onde ir ser julgado, foi tal a sua inteireza que o seu acusador se aproximou dele para lhe pedir perdão. São Tiago refletiu... Depois, abraçou-o dizendo: “A paz esteja contigo”; e os dois receberam a palma do martírio13.
Ao meditarmos hoje sobre a vida do Apóstolo, serve-nos de grande ajuda considerarmos os seus defeitos, bem como os dos outros Onze que o Senhor tinha escolhido. Não eram poderosos, nem sábios, nem simples. Vemo-los às vezes ambiciosos, discutidores14, com pouca fé15. Mas, a par dessas deficiências e falhas, tinham uma alma e um coração grandes. São Tiago será o primeiro Apóstolo mártir16. Tanto pôde a graça divina naquele coração generoso, que o levou a enveredar por caminhos bem diversos dos que ele tinha sonhado e pedido.
O Mestre sempre foi paciente com Tiago e com todos, e contou com o tempo para ensiná-los e formá-los com uma sábia pedagogia divina. “Observemos – escreve São João Crisóstomo – como a maneira de o Senhor os interrogar equivale a uma exortação e a um aliciante. Não diz: “Podeis suportar a morte? Sois capazes de derramar o vosso sangue?” As suas palavras são: Podeis beber o cálice? E, para animá-los a dar o passo, acrescenta: ...que eu irei beber? Deste modo, a consideração de que se tratava do mesmo cálice que o Senhor iria beber havia de estimulá-los a uma resposta mais generosa. E chama à sua Paixão batismo, mostrando assim que os seus sofrimentos haviam de ser causa de uma grande purificação para o mundo inteiro”17.
O Senhor também nos chamou a cada um de nós. Não nos deixemos invadir pelo desalento se alguma vez as nossas fraquezas e defeitos se tornam patentes. Se recorrermos a Jesus, Ele nos dará ânimos para seguirmos adiante com humildade, mais fielmente. O Senhor tem paciência também conosco, e conta com o tempo.
– Recorrer à Virgem nas dificuldades.
III. NA SEGUNDA LEITURA da Missa, São Paulo recorda-nos: Trazemos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que se veja que a superioridade da virtude é de Deus, e não nossa18. Somos algo quebradiço e pouco resistente, que no entanto pode conter um tesouro de incomparável valor, porque Deus realiza maravilhas nos homens, apesar das suas debilidades. E precisamente para que se veja que é Ele quem atua e dá a eficácia, escolheu as coisas fracas segundo o mundo para confundir as fortes; e as coisas vis e desprezíveis segundo o mundo, e aquelas que não são, para destruir as que são, a fim de que nenhum homem se vanglorie na sua presença19. Isto escreve aquele que outrora perseguira a Igreja. Ao trazermos Deus nas nossas almas, podemos viver ao mesmo tempo “no Céu e na terra, endeusados; mas sabendo que somos do mundo e que somos terra, com a fragilidade própria do que é terra: um pote de barro que o Senhor se dignou aproveitar para o seu serviço. E quando se quebrou, recorremos aos grampos, como o filho pródigo: Pequei contra o Céu e contra Ti...”20, a esses grampos que se punham antigamente nos vasos que se quebravam, para que continuassem a ser úteis.
Deus torna eficazes os que têm a humildade de sentir-se como um vaso de argila, os que trazem no seu corpo a mortificação de Jesus21, os que bebem o cálice da Paixão, que o Senhor bebeu e convidou São Tiago a beber.
Diz-nos a tradição que este Apóstolo pregou o Evangelho na Espanha. A sua ânsia de almas levou-o ao extremo do mundo então conhecido. A mesma tradição fala-nos das dificuldades que encontrou nessas terras nos começos da sua evangelização, e como Nossa Senhora lhe apareceu em carne mortal para animá-lo. É possível que também nós sejamos assaltados pelo desalento numa ou noutra ocasião, e que nos sintamos um pouco abatidos diante dos obstáculos que dificultam os nossos desejos de levar outras almas a Cristo. Podemos até encontrar incompreensões, zombarias, oposições. Mas Jesus não nos abandona. Recorreremos a Ele, e poderemos dizer com São Paulo: Estamos cercados de dificuldades, mas não desesperamos; somos afligidos, mas não nos sentimos desamparados; somos acossados, mas não perecemos...22 E recorreremos a Santa Maria, e nEla, como o Apóstolo São Tiago, encontraremos sempre alento e alegria para prosseguirmos o nosso caminho.
(1) Cfr. Mt 4, 18; Antífona de entrada da Missa do dia 25 de julho; (2) C. Caffarra, Vida em Cristo, EUNSA, Pamplona, 1988, págs. 19-20; (3) Mt 17, 1 e segs.; (4) Mt 26, 37; (5) Mt 20, 17-19; (6) Mt 20, 20; (7) Mt 20, 22; (8) João Paulo II, Homilia em Santiago de Compostela, 9-XI-1982; (9) At 12, 2; (10) cfr. Col 1, 24; (11) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 887; (12) Lc 9, 53; (13) cfr. Clemente de Alexandria, Hypotyp, VII, citado por Eusébio, História eclesiástica, 11, 9; (14) Lc 22, 24-27; (15) Mt 14, 31; (16) cfr. At 12, 2; (17) Liturgia das Horas, Segunda Leitura. São João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de São Mateus, 65, 3-4; (18) 2 Cor 4, 7; (19) 1 Cor 1, 27-29; (20) S. Bernal, Perfil do Fundador do Opus Dei, Quadrante, São Paulo, 1977, pág. 420; (21) 2 Cor 4, 10; cfr. Segunda leitura da Missa do dia 25 de julho; (22) 2 Cor 4, 8; Segunda leitura da Missa do dia 25 de julho.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.