31 de Agosto 2018

A SANTA MISSA

21ª Semana do Tempo Comum – Sexta-feira 
Cor: Verde

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1ª Leitura: 1Cor 1,17-25

 “Pregamos Cristo crucificado, escândalo para os homens,
mas para os que são chamados, sabedoria de Deus”. 

Leitura da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios

Irmãos: 17 De fato, Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar a boa nova da salvação, sem me valer dos recursos da oratória, para não privar a cruz de Cristo da sua força própria. 18 A pregação a respeito da cruz é uma insensatez para os que se perdem, mas para os que se salvam, para nós, ela é poder de Deus. 19 Com efeito, está escrito: “Destruirei a sabedoria dos sábios e frustrarei a perspicácia dos inteligentes”. 20 Onde está o sábio? Onde o mestre da Lei? Onde o questionador deste mundo? Acaso Deus não mostrou a insensatez da sabedoria do mundo? 21 De fato, na manifestação da sabedoria de Deus, o mundo não chegou a conhecer Deus por meio da sabedoria; por isso, Deus houve por bem salvar os que creem por meio da insensatez da pregação. 22 Os judeus pedem sinais milagrosos, os gregos procuram sabedoria; 23 nós, porém, pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos. 24 Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, esse Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus. 25 Pois o que é dito insensatez de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é dito fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.

– Palavra do Senhor
– Graças a Deus.

Salmo Responsorial: Sl 32,1-2. 4-5. 10ab.11 (R. 5b)

R. Transborda em toda a terra a bondade do Senhor!

Ó justos, alegrai-vos no Senhor! *
aos retos fica bem glorificá-lo.
Dai graças ao Senhor ao som da harpa, *
na lira de dez cordas celebrai-o!    R.

4 Pois reta é a palavra do Senhor, *
e tudo o que ele faz merece fé.
5 Deus ama o direito e a justiça, *
transborda em toda a terra a sua graça.    R.

10a O Senhor desfaz os planos das nações *
10b e os projetos que os povos se propõem.
11 Mas os desígnios do Senhor são para sempre, +
e os pensamentos que ele traz no coração, *
de geração em geração, vão perdurar.    R. 

Evangelho: Mt 25,1-13 

 “O noivo está chegando. Ide ao seu encontro”. 

– O Senhor esteja convosco
– Ele está no meio de nós.

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo, disse Jesus, a seus discípulos, esta parábola: 1 “O Reino dos Céus é como a história das dez jovens que pegaram suas lâmpadas de óleo e saíram ao encontro do noivo. 2 Cinco delas eram imprevidentes, e as outras cinco eram previdentes. 3 As imprevidentes pegaram as suas lâmpadas, mas não levaram óleo consigo. 4 As previdentes, porém, levaram vasilhas com óleo junto com as lâmpadas. 5 O noivo estava demorando e todas elas acabaram cochilando e dormindo. 6 No meio da noite, ouviu-se um grito: “O noivo está chegando. Ide ao seu encontro!” 7 Então as dez jovens se levantaram e prepararam as lâmpadas. 8 As imprevidentes disseram às previdentes: “Dai-nos um pouco de óleo, porque nossas lâmpadas estão se apagando.” 9 As previdentes responderam: “De modo nenhum, porque o óleo pode ser insuficiente para nós e para vós. É melhor irdes comprar aos vendedores’. 10 Enquanto elas foram comprar óleo, o noivo chegou, e as que estavam preparadas entraram com ele para a festa de casamento. E a porta se fechou. 11 Por fim, chegaram também as outras jovens e disseram: “Senhor! Senhor! Abre-nos a porta!” 12 Ele, porém, respondeu: “Em verdade eu vos digo: Não vos conheço!” 13 Portanto, ficai vigiando, pois não sabeis qual será o dia, nem a hora.

– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor! 

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Santos Felix e Adauto

30 de Agosto

Santos Felix e Adauto 

De acordo com uma antiga biografia, Felix e Adauto nasceram no século III e sofreram o martírio no princípio do século IV, provavelmente por volta do ano 304.

Felix era um sacerdote romano que foi condenado à morte por ocasião da cruel perseguição aos cristãos, desencadeada pelo imperador Diocleciano. Contam que, quando estava sendo conduzido ao local onde seria executado, um desconhecido saiu do meio dos assistentes e foi ao seu encontro. Chegando perto dos soldados, o desconhecido exclamou em alta voz que também era cristão e, como tal, queria participar da mesma sorte de Felix. Os soldados não tiveram dúvida. Degolaram Felix e logo a seguir o desconhecido que havia audaciosamente desafiado as leis do Império Romano. Como nenhum dos presentes conhecia a identidade do desconhecido, ele foi simplesmente chamado de “Adauctus”, palavra latina que significa adjunto, isto é, aquele que vai, que segue junto. E Adauto ficou sendo o nome daquele que, junto com Felix recebeu a coroa do martírio.

O episódio permaneceu vivo na memória da Igreja Romana que associou os dois mártires numa mesma celebração, a ponto de alguns acharem que eles eram irmãos. Os dois foram enterrados fora dos muros da cidade e, mais tarde, o Papa São Sirício mandou construir uma basílica sobre o túmulo deles. Essa basílica passou por restaurações e ampliações ao longo do tempo e foi alvo de peregrinações até além da idade média, quando foi devastada, caindo no esquecimento. Somente em 1903 a pequena basílica em que se encontravam os restos mortais dos dois santos, foi definitivamente recuperada. Nela se encontra hoje um dos afrescos mais antigos que se tem notícia, onde aparece São Pedro, recebendo as chaves da Igreja, na presença de Santo Estêvão, São Paulo, São Felix e Santo Adauto.

Hoje, no mundo pluralista em que vivemos, onde cada um busca um deus à sua imagem e uma religião ao seu próprio gosto, São Félix e Santo Adauto nos lembram que apesar de todos os perigos, vale a pena proclamar ao mundo nossa fé em Jesus Cristo e, nem que para isso tenhamos que enfrentar impérios poderosos como os do dinheiro, do poder e da mídia, anunciar seu projeto, que é de vida para todos. Os dois santos que celebramos hoje nos desafiam com uma pergunta: Pode um cristão que cruza os braços, que não se solidariza com aqueles que os dioclecianos deste mundo condenam à morte, celebrar cristãmente a Santa Eucaristia?

 


30 de Agosto 2018

A SANTA MISSA

21ª Semana do Tempo Comum Quinta-Feira
Cor: Verde

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1ª Leitura: 1Cor 1,1-9

 “Nele fostes enriquecidos em tudo”. 

Início da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios

1 Paulo, chamado a ser apóstolo de Jesus Cristo, por vontade de Deus, e o irmão Sóstenes, 2 à Igreja de Deus que está em Corinto: aos que foram santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos junto com todos que, em qualquer lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso. 3 Para vós, graça e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. 4 Dou graças a Deus sempre a vosso respeito, por causa da graça que Deus vos concedeu em Cristo Jesus: 5 Nele fostes enriquecidos em tudo, em toda a palavra e em todo o conhecimento, 6 à medida que o testemunho sobre Cristo se confirmou entre vós. 7 Assim, não tendes falta de nenhum dom, vós que aguardais a revelação do Senhor nosso, Jesus Cristo. 8 É ele também que vos dará perseverança em vosso procedimento irrepreensível, até ao fim, até ao dia de nosso Senhor, Jesus Cristo. 9 Deus é fiel; por ele fostes chamados à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo, Senhor nosso.

– Palavra do Senhor
– Graças a Deus.

Salmo Responsorial: Sl 144,2-3. 4-5. 6-7. (R. Cf. 1b)

R. Bendirei o vosso nome, pelos séculos, Senhor!.

Todos os dias haverei de bendizer-vos, *
hei de louvar o vosso nome para sempre.
Grande é o Senhor e muito digno de louvores, *
e ninguém pode medir sua grandeza.    R.

4 Uma idade conta à outra vossas obras *
e publica os vossos feitos poderosos;
5 proclamam todos o esplendor de vossa glória *
e divulgam vossas obras portentosas!    R.

6 Narram todos vossas obras poderosas, *
e de vossa imensidade todos falam.
7 Eles recordam vosso amor tão grandioso *
e exaltam, ó Senhor, vossa justiça.    R. 

Evangelho: Mt 24,42-51 

 “Ficai preparados!”

– O Senhor esteja convosco
– Ele está no meio de nós.

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos: 42 Ficai atentos! porque não sabeis em que dia virá o Senhor. 43 Compreendei bem isso: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, certamente vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada. 44 Por isso, também vós ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá. 45 Qual é o empregado fiel e prudente, que o senhor colocou como responsável pelos demais empregados, para lhes dar alimento na hora certa? 46 Feliz o empregado, cujo senhor o encontrar agindo assim, quando voltar. 47 Em verdade vos digo, ele lhe confiará a administração de todos os seus bens. 48 Mas, se o empregado mau pensar: ‘Meu senhor está demorando’, 49 e começar a bater nos companheiros, a comer e a beber com os bêbados; 50 então o senhor desse empregado virá no dia em que ele não espera, e na hora que ele não sabe. 51 Ele o partirá ao meio e lhe imporá a sorte dos hipócritas. Ali haverá choro e ranger de dentes.

– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor! 

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Martírio de São João Batista

– A fortaleza de João.
– O seu martírio.
– Alegria nas contradições que possamos encontrar por seguirmos fielmente o Senhor.

São João é o único santo de quem a Igreja comemora o nascimento e a morte. Com o seu exemplo cheio de fortaleza, o Precursor ensina-nos a cumprir, apesar de todos os obstáculos, a missão que cada um recebeu de Deus.

I. E FALAREI DOS TEUS PRECEITOS diante dos reis, sem me envergonhar. E deleitar-me-ei nos teus mandamentos, que amo1.

No dia 24 de junho, a Igreja celebrou o nascimento de São João Batista; hoje comemora o seu dies natalis, o dia da sua morte, ordenada por Herodes. Este rei, como o chama São Marcos, é um dos personagens mais tristes do Evangelho. Foi durante o seu governo que Cristo pregou e se manifestou como o Messias esperado. Também teve oportunidade de conhecer João, incumbido por Deus de mostrar o Messias, e chegou a ouvi-lo com gosto2. Podia ter conhecido Jesus, a quem queria ver pessoalmente, mas cometeu a enorme injustiça de mandar decapitar aquele que poderia tê-lo levado até o Senhor. A imoralidade da sua vida, as suas más paixões, impediram-no de descobrir a Verdade e levaram-no a esse grande crime. Foi tal a cegueira da sua mente e do seu coração que, quando realmente se encontrou cara a cara com o Senhor do céu e da terra3, pretendeu que o entretivesse, a ele e aos seus amigos, com algum dos seus prodígios.

São João pregava a todos: à multidão do povo, aos publicanos, aos soldados4; aos fariseus e saduceus5, e ao próprio Herodes. Com o seu exemplo humilde, íntegro e austero, avalizava o seu testemunho sobre o Messias, que já tinha chegado6João dizia a Herodes: Não te é lícito ter a mulher do teu irmão7. E não temeu os grandes e poderosos, nem se importou com as conseqüências das suas palavras. Tinha presente na alma a advertência do Senhor ao profeta Jeremias, que a primeira Leitura da Missa nos recorda hoje: Tu, pois, cinge os teus rins, levanta-te e diz-lhes tudo o que te mando. Não lhes tenhas medo, porque eu farei que não temas a sua presença. Porque eu te converto hoje em cidade fortificada, em coluna de ferro e em muro de bronze sobre toda esta terra, diante dos reis de Judá, dos seus príncipes, dos seus sacerdotes e do seu povo. E pelejarão contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para te livrar8.

O Senhor pede-nos também essa fortaleza e coerência, para que saibamos dar na vida diária um testemunho simples por meio do nosso exemplo e da nossa palavra, sem medo nem respeitos humanos.

II. SÃO MARCOS RELATA-NOS que Herodes mandara prender João, e mantinha-o em ferros no cárcere por causa de Herodíades, mulher de Filipe, seu irmão, que ele tinha tomado ilicitamente por mulher9. Herodíades odiava João porque este reprovava essa união ilegítima e o escândalo que causava entre o povo; por isso procurava ocasião de matá-lo. Mas Herodes temia João, sabendo que era varão justo e santo; e defendia-o, e a seu conselho fazia muitas coisas, e ouvia-o com gosto.

A ocasião apresentou-se quando o rei ofereceu no dia do seu aniversário um banquete a que foram convidados os principais da região. A filha de Herodíades dançou diante dos presentes e agradou a Herodes e aos comensais. Então o rei prometeu-lhe: Pede-me o que quiseres e eu to darei. E jurou-lhe: Dar-te-ei tudo o que me pedires, ainda que seja a metade do meu reino. Por instigação de sua mãe, a jovem pediu-lhe a cabeça de João Batista. O rei entristeceu-se, mas, por causa do juramento e dos que com ele estavam à mesa, não quis desgostá-la. Executada a ordem, os discípulos do Batista recolheram o corpo e deram-lhe sepultura. Muitos deles, com toda a certeza, seriam mais tarde fiéis seguidores de Cristo.

João deu-se inteiramente a Cristo: não somente dedicou todos os seus esforços a preparar a sua chegada e os primeiros discípulos que o Mestre teria, mas sacrificou-lhe a sua própria vida. “Não devemos duvidar – diz São Beda – de que, se São João suportou a prisão e os grilhões, foi em testemunho do nosso Redentor, de quem foi precursor e por quem deu a vida. O seu perseguidor não lhe pediu que negasse Cristo, mas procurou obrigá-lo a calar a verdade. Isso é suficiente para afirmar que morreu por Cristo, porque o próprio Cristo disse: Eu sou a verdade[...]. Considerou apetecível aceitar a morte [...], tendo em conta que a sofria pela confissão do nome de Cristo e que com ela alcançaria a palma da vida perene. Bem o diz o Apóstolo: Porque vos foi dado por Cristo não apenas crer nele, mas ainda sofrer por ele. E o mesmo Apóstolo explica em outro lugar por que é um dom sofrer por Cristo: Os sofrimentos desta vida não se comparam à futura glória que se revelará em nós10.

Ao longo dos séculos, todos aqueles que seguiram de perto o Senhor alegraram-se quando tiveram que sofrer perseguições, tribulações ou contrariedades pela fé. Foram muitos os que seguiram o exemplo dos Apóstolos, a quem, depois de açoitados, ordenaram-lhes que não falassem mais no nome de Jesus, e soltaram-nos. Porém, eles saíram gozosos da presença do conselho, por terem sido achados dignos de sofrer afrontas pelo nome de Jesus11. E, longe de viverem acovardados e temerosos, todos os dias não cessavam de ensinar e de anunciar Jesus Cristo no templo e pelas casas12. Certamente, lembraram-se das palavras do Senhor relatadas por São Mateus: Bem-aventurados sereis quando vos injuriarem e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal de vós por minha causa. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam13.

Podemos nós entristecer-nos ou queixar-nos se alguma vez temos que padecer um pouco pela nossa fé ou por sermos fiéis à chamada que recebemos do Senhor?

III. A HISTÓRIA DA IGREJA e dos seus santos mostra-nos como todos aqueles que quiseram seguir de perto os passos de Cristo encontraram de um modo ou de outro a Cruz e a contradição.

Para subir ao Calvário e corredimir com Cristo, não existem caminhos fáceis e cômodos.

Já nos primeiros tempos, São Pedro escrevia uma Epístola com acentos claros de consolo aos que sofriam. Não se tratava da sangrenta perseguição que viria anos mais tarde, mas da situação incômoda em que muitos se encontravam por serem conseqüentes com a sua fé: umas vezes, no âmbito familiar, onde os escravos tinham que suportar as injustiças dos seus amos14, e as mulheres, as intolerâncias dos seus maridos15; outras, por causa das calúnias, injúrias ou discriminações... São Pedro recorda-lhes que os contratempos que os afligem não são inúteis: devem servir-lhes para purificar-se, sabendo que é Deus quem julga, não os homens. Sobretudo devem ter presente que – à imitação de Jesus Cristo – alcançarão por esse meio muitos bens, e mesmo o dom da fé para os seus próprios perseguidores, como efetivamente aconteceu. Chama-os bem-aventurados e anima-os a suportar os sofrimentos com alegria. Pede-lhes que considerem que o cristão está incorporado em Cristo e participa da sua Paixão, Morte e Ressurreição. É Ele quem dá sentido e plenitude à cruz de cada dia16.

Desde São João Batista, foram muitos os que perderam a vida por guardarem fidelidade a Cristo. Também nos nossos dias. “O entusiasmo que Jesus despertou entre os seus seguidores e a confiança infundida pelo contacto imediato com Ele conservaram-se vivos na comunidade cristã e constituíram a atmosfera em que viviam os primeiros cristãos: [...] Jesus Cristo tem a seu favor o testemunho de uma história quase bimilenária. O cristianismo produziu frutos bons e magníficos. Penetrou no interior dos corações, apesar de todas as oposições externas e de todas as resistências ocultas. O cristianismo mudou o mundo e converteu-se na salvaguarda de todos os valores nobres e sagrados. O cristianismo passou com o maior êxito pela prova da sua persistência, a que Gamaliel se referiu certo dia (At 5, 28). Não é, portanto, obra dos homens, já que, se fosse assim, ter-se-ia desmoronado e extinguido há muito tempo”17. Pelo contrário, vemos a força que a fé e o amor a Cristo têm nas nossas almas e nos milhões de corações que o confessam e lhe são fiéis, apesar das dificuldades e contradições.

Não é provável que o Senhor nos peça uma confissão de fé que nos leve à morte. Se no-la pedisse, dá-la-íamos de bom grado. O normal será que nos peça a paz e a alegria no meio das resistências que um ambiente paganizado opõe à fé: a calúnia, a ironia, o desprezo... O nosso júbilo será grande aqui na terra, e muito maior no Céu.

Todos os obstáculos devem ser vistos sempre com sentido positivo. “Cresce perante os obstáculos. – A graça do Senhor não te há de faltar: «Inter medium, montium pertransibunt aquae!»: passarás através das montanhas!”18 Mas é preciso fé, “fé viva e penetrante. Como a fé de Pedro. – Quando a tiveres, disse-o Ele, afastarás as montanhas, os obstáculos, humanamente insuperáveis, que se oponham aos teus empreendimentos de apóstolo”19.

Além disso, nunca nos faltará o consolo de Deus. E se alguma vez se tornar mais difícil caminharmos ao lado de Cristo, recorreremos a Nossa Senhora, Auxílio dos cristãos, para alcançarmos refúgio e amparo.

(1) Sl 118, 46-47; Antífona de entrada da Missa do dia 29 de agosto; (2) Mc 6, 17-20; (3) Lc 23, 6-9; (4) Lc 3, 10-14; (5) Mt 3, 7-12; (6) Jo 1, 29; 36-37; (7) Mc 6, 18; (8) Jer 1, 17-19; (9) Mc 6, 17 e segs.; (10) Liturgia das Horas, Segunda Leitura; São Beda, Homilia 23; (11) At 5, 40-41; (12) At 5, 42; (13) Mt 5, 11-12; (14) cfr. 1 Pe 2, 18-25; (15) cfr. 1 Pe 3, 1-3; (16) cfr. Sagrada Bíblia, Epístolas católicas, EUNSA, Pamplona, 1988, págs. 116-117; (17) A. Lang, Teologia fundamental, Rialp, Madrid, 1966, vol. I, págs. 319-320; (18) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 12; (19) ib., n. 489.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


Caridade vigilante

TEMPO COMUM. VIGÉSIMA PRIMEIRA SEMANA. QUINTA‑FEIRA

– Necessidade de manter sempre a vida espiritual em atitude de vigília.
– A caridade dos primeiros cristãos: o dia de guarda.
– Como viver o dia de guarda.

I. TODO O EVANGELHO é um apelo para que estejamos em guarda, despertos e vigilantes em face do inimigo, que não descansa, e em face da chegada do Senhor, que não sabemos quando terá lugar: esse momento decisivo em que deveremos apresentar‑nos ao Senhor com as mãos cheias de frutos... Vigiai, pois, porque não sabeis a hora em que virá o vosso Senhor, diz‑nos o Evangelho da Missa1Sabei que, se o pai de família soubesse a que horas da noite viria o ladrão, vigiaria sem dúvida, e não deixaria arrombar a sua casa.

Para um cristão que se manteve em vigília, esse último dia não virá como um ladrão na noite2; não haverá espanto nem confusão, porque cada dia terá sido um encontro com Deus através dos acontecimentos mais simples e correntes. São Paulo compara esta vigília à guarda montada pelo soldado bem armado que não se deixa surpreender3; fala com freqüência da vida cristã como um estar de vigília à semelhança do soldado em campanha4, pois vive‑se sobriamente e não se é surpreendido pelo inimigo porque se está acordado mediante a oração e a mortificação.

Ao referir‑se ao ladrão na noite, o Senhor quer ensinar‑nos a não distrair a atenção do grande negócio da salvação, a não considerar a vigilância como coisa meramente negativa: vigiar não é apenas abster‑se do sono pelo receio de que possa acontecer algo de desagradável enquanto se dorme. Vigiar “quer dizer estar sempre em atitude de espera; significa estar com a cabeça assomada à janela com a esperança de ser o primeiro a gritar: «Estão chegando!»”5 Vigiar é estar alegre e ansiosamente atento à vinda do Senhor; é procurar com todas as forças que os que temos sob os nossos cuidados também encontrem Jesus, porque, mediante a Comunhão dos Santos, podemos ser como a sentinela que avista o inimigo e alerta os seus, como o vigia que aguarda esperançoso a chegada do seu amo para dar a boa notícia aos outros; é esperar o Senhor como aquele servo prudente que cuida da propriedade, ocupando‑se entretanto em realizar “todos os pequenos trabalhos para aproveitar o tempo: limpar o pó aqui, deixar brilhante o chão acolá, acender o fogo mais além, de modo que a casa esteja confortável quando o dono entrar.

Cada um tem uma tarefa a cumprir; cada um de nós deve organizar‑se para executá‑la o melhor possível, muito mais se, como tudo indica, não nos resta muito tempo” 6.

Vigiar, estar alerta, repelir o sono da tibieza. Conseguimo‑lo quando fazemos bem o exame geral diário, quando temos um exame particular bem concreto, que nos leve a combater um defeito importante ou a adquirir a virtude que mais nos falta.

II. OS PRIMEIROS CRISTÃOS, que souberam cumprir bem o mandamento novo do Senhor7, a ponto de os pagãos os identificarem pelo amor que tinham entre eles e pelo respeito com que tratavam a todos, viveram a caridade preocupando‑se pelas necessidades dos outros e, nos tempos difíceis, ajudando os irmãos para que todos fossem fiéis à fé. Existia entre eles o costume – Tertuliano chama‑o statio, termo castrense que significa estar de guarda8 – de jejuar e fazer penitência dois dias por semana, a fim de se prepararem para receber com a alma mais limpa a Sagrada Eucaristia, e de orar por aqueles que corriam algum perigo iminente ou passavam por uma necessidade mais grave. Sabemos, por exemplo, que São Frutuoso sofreu o martírio num dia em que jejuava porque era a sua statio, o seu dia de guarda9. Vários documentos dos primeiros séculos nos falam desse costume.

O Senhor espera que vivamos a caridade particularmente com os que têm conosco os mesmos laços da fé: “«Vede como se amam, dizem, como estão dispostos a morrer uns pelos outros»[...].

No que diz respeito ao nome de irmãos com que nós nos chamamos, eles alimentam uma idéia falsa [...]. Por direito de natureza, nossa mãe comum, nós também somos vossos irmãos..., mas com quanto maior razão são considerados e chamados irmãos os que reconhecem a Deus como único Pai, os que bebem do mesmo Espírito de santidade, e os que, saídos do mesmo seio da ignorância, ficaram maravilhados com a luz da verdade!”10 Se todas as necessidades dos homens nos devem doer, como não havemos de viver uma caridade vigilante com os que possuem os nossos mesmos ideais!

Pode ser muito útil, como àqueles primeiros cristãos, fixar um dia da semana em que procuremos estar mais atentos aos nossos irmãos na fé, ajudando‑os com uma oração mais intensa, com mais sacrifícios, com demonstrações mais sinceras de afeto. Isso é estar especialmente vigilante na caridade, como a sentinela que guarda o acampamento, como o vigia que lança o grito de alerta à aproximação do inimigo.

«Custos, quid de nocte!» – Sentinela, alerta! “Tomara que tu também te acostumasses a ter, durante a semana, o teu dia de guarda: para te entregares mais, para viveres com mais amorosa vigilância cada detalhe, para fazeres um pouco mais de oração e de mortificação.

“Olha que a Santa Igreja é como um grande exército em ordem de batalha. E tu, dentro desse exército, defendes uma «frente», onde há ataques e lutas e contra‑ataques. Compreendes?

“Essa disposição, ao aproximar‑te mais de Deus, incitar‑te‑á a converter as tuas jornadas, uma após outra, em dias de guarda”11.

III. VAI – DIZ O PROFETA ISAÍAS – e põe uma sentinela que te anuncie tudo o que vir. Se vir um carro de guerra guiado por dois cavaleiros, uma fila de homens montados sobre asnos e outra sobre camelos, que preste atenção, muita atenção. E então grite: “Eu os vejo!” Assim estou eu, Senhor, no meu posto de guarda, e nele permaneço o dia inteiro e todas as noites12. A sentinela está em constante vigília, de dia e de noite, ante a iminência da chegada dos destruidores da Babilônia que tudo arrasarão e imporão os seus ídolos. O vigia está atento para salvar o seu povo; assim devemos nós estar.

Para vivermos esta vigília e crescermos na fraternidade, pode ajudar‑nos, como aos primeiros cristãos, esse dia em que pensamos especialmente nos outros. Nessa jornada, devemos dizer com os lábios e com os atos: Cor meum vigilat, o meu coração está vigilante13. Todos precisamos uns dos outros, todos podemos ajudar‑nos. Na realidade, todos participamos continuamente dos bens espirituais da Igreja, da oração dos seus filhos, da sua mortificação, do seu trabalho bem feito e oferecido a Deus, da dor de um doente... Neste momento, agora, alguém está rezando por nós, e a nossa alma vitaliza‑se pela generosidade de pessoas que talvez desconheçamos, ou de alguém que temos muito perto. Um dia, na presença de Deus, no momento do juízo particular, veremos essas imensas ajudas que nos mantiveram à tona em muitas ocasiões, e em outras nos ajudaram a aproximar‑nos um pouco mais do Senhor. Se formos fiéis, também veremos com um júbilo irreprimível como foram eficazes em outros irmãos nossos todos os sacrifícios, orações e trabalhos que oferecemos por eles, mesmo aqueles que porventura nos pareceram estéreis.

Tudo o que fazemos repercute, pois, na vida dos outros. Este pensamento deve ajudar‑nos a cumprir com fidelidade os nossos deveres, oferecendo a Deus as nossas obras, e a orar com devoção, sabendo que o nosso trabalho, doenças e preces – bem unidos à oração e ao Sacrifício de Cristo, que se renova no altar – constituem um formidável apoio para todos. Pode até acontecer que esse sentido de solidariedade sobrenatural venha a constituir um dos motivos fundamentais para a nossa própria fidelidade a Deus em momentos de desânimo, para recomeçarmos muitas vezes, para sermos generosos na mortificação. Então poderemos dizer como o Senhor: Pro eis sanctifico ego meipsum..., santifico‑me por eles14, este é o motivo pelo qual vou acabar bem este trabalho, viver aquela mortificação que me custa. Jesus olhará então para nós com especial ternura, e não nos soltará da sua mão. Poucas coisas são tão gratas ao Senhor como aquelas que se referem de modo direto aos seus irmãos, nossos irmãos.

Esta caridade vigilante, esse “dia de guarda”, é fortaleza para todos. “«Frater qui adjuvatur a fratre quasi civitas firma» – O irmão ajudado por seu irmão é tão forte quanto uma cidade amuralhada. – Pensa um pouco e decide‑te a viver a fraternidade que sempre te recomendo” 15.

Dia de guarda. Uma jornada para sermos mais vibrantes na caridade, com o exemplo, com muitas obras singelas de serviço a todos, com pequenos sacrifícios que tornem a todos a vida mais amável; um dia para ver se ajudamos com a correção fraterna os que precisam dela; uma jornada para recorrermos mais freqüentemente a Maria, “porto dos que naufragam, consolo do mundo, resgate dos cativos, alegria dos enfermos”16, com a recitação do Rosário, com a oração Lembrai‑vos, pedindo pelos que mais precisam de ajuda.

(1) Mt 24, 42‑51; (2) 1 Tess 5, 2; (3) cfr. 1 Tess 5, 4‑11; (4) cfr. J. Precedo, El cristiano en la metáfora castrense de San Pablo, S.P.C.I.C., Roma, 1963, págs. 343‑358; (5) R. Knox, Ejercicios para seglares, 2ª ed., Rialp, Madrid, 1962, pág. 77; (6) ib., pág. 79; (7) cfr. Jo 13, 34; (8) cfr. A. G. Hamman, A vida cotidiana dos primeiros cristãos, pág. 200; (9) cfr. Martírio de São Frutuoso, em Atas dos mártires, BAC, Madrid, 1962, pág. 784; (10) Tertuliano, Apologético, 39; (11) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 960; (12) Is 21, 6‑8; (13) Cant 5, 2; (14) cfr. Jo 17, 19; (15) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 460; (16) Santo Afonso Maria de Ligório, Visitas ao Santíssimo Sacramento, 2.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


29 de Agosto 2018

A SANTA MISSA

Memória: Martírio de São João Batista
Cor: vermelha

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1ª Leitura: Jr 1, 17-19

 “Comunica-lhes tudo que eu te mandar dizer:
não tenhas medo em sua presença.” 

Leitura do Livro de Jeremias

Naqueles dias a Palavra do Senhor foi-me dirigida: 17 “Vamos, põe a roupa e o cinto, levanta-te e comunica-lhes tudo que eu te mandar dizer: não tenhas medo, senão, eu te farei tremer na presença deles. 18 Com efeito, eu te transformarei hoje numa cidade fortificada, numa coluna de ferro, num muro de bronze contra todo o mundo, frente aos reis de Judá e seus príncipes, aos sacerdotes e ao povo da terra; 19 eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para defender-te”, diz o Senhor.

– Palavra do Senhor
– Graças a Deus.

Salmo Responsorial: Sl 70(71), 1-2.3-4a.5-6ab.15ab e 17(R. cf. 15ab)

R. Minha boca anunciará vossa justiça.

1Eu procuro meu refúgio em vós, Senhor: *
que eu não seja envergonhado para sempre!
2Porque sois justo, defendei-me e libertai-me! *
Escutai a minha voz, vinde salvar-me!    R.

3 Sede uma rocha protetora para mim, *
um abrigo bem seguro que me salve!
Porque sois a minha força e meu amparo, +
o meu refúgio, proteção e segurança! *
4 a Libertai-me, ó meu Deus, das mãos do ímpio.    R.

5 Porque sois, ó Senhor Deus, minha esperança, *
em vós confio desde a minha juventude!
6a Sois meu apoio desde antes que eu nascesse, *
6b desde o seio maternal, o meu amparo.   R.

15a Minha boca anunciará todos os dias *
15b vossa justiça e vossas graças incontáveis.
17 Vós me ensinastes desde a minha juventude, *
e até hoje canto as vossas maravilhas.     R. 

Evangelho: Mc 6, 17-29 

 “Quero que me dês agora, num prato, a cabeça de João Batista.”

– O Senhor esteja convosco
– Ele está no meio de nós.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Naquele tempo, 17 Herodes tinha mandado prender João, e colocá-lo acorrentado na prisão. Fez isso por causa de Herodíades, mulher do seu irmão Filipe, com quem se tinha casado. 18 João dizia a Herodes: “Não te é permitido ficar com a mulher do teu irmão”. 19 Por isso Herodíades o odiava e queria matá-lo, mas não podia. 20 Com efeito, Herodes tinha medo de João, pois sabia que ele era justo e santo, e por isso o protegia. Gostava de ouvi-lo, embora ficasse embaraçado quando o escutava. 21 Finalmente, chegou o dia oportuno. Era o aniversário de Herodes, e ele fez um grande banquete para os grandes da corte, os oficiais e os cidadãos importantes da Galileia. 22 A filha de Herodíades entrou e dançou, agradando a Herodes e seus convidados. Então o rei disse à moça: “Pede-me o que quiseres e eu to darei”. 23 E lhe jurou dizendo: “Eu te darei qualquer coisa que me pedires, ainda que seja a metade do meu reino”. 24 Ela saiu e perguntou à mãe: “O que vou pedir?” A mãe respondeu: “A cabeça de João Batista”. 25 E, voltando depressa para junto do rei, pediu: “Quero que me dês agora, num prato, a cabeça de João Batista”. 26 O rei ficou muito triste, mas não pôde recusar. Ele tinha feito o juramento diante dos convidados. 27 Imediatamente, o rei mandou que um soldado fosse buscar a cabeça de João. O soldado saiu, degolou-o na prisão, 28 trouxe a cabeça num prato e a deu à moça. Ela a entregou à sua mãe. 29Ao saberem disso, os discípulos de João foram lá, levaram o cadáver e o sepultaram.

– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor! 

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Martírio de São João Batista

29 de Agosto

Martírio de São João Batista 

Hoje celebramos o martírio de São João Batista, aquele que foi chamado por Jesus de “o maior profeta da antiga lei”. Essa festa teve início no século V na França e no século VI em Roma, e está vinculada à dedicação da igreja construída em Sebaste, na Samaria, no seu suposto túmulo. Os acontecimentos da vida desse grande profeta estão narrados nos Evangelhos e, em especial, no de São Lucas, que escreve sobre seu nascimento e sua pregação.

No evangelho de São Marcos há referências sobre sua morte. Através dos Evangelhos e da Tradição da Igreja, os fatos referentes à vida de João Batista puderam ser facilmente reconstituídos. Ele levou uma vida austera, provavelmente na comunidade dos essênios. Começou sua missão, pregando a conversão de coração, mudança radical de vida e batismo de penitência, como uma forma de preparar os caminhos para a chegada do Messias, ansiosamente esperado por todo o povo de Israel. Sua pregação atingia a todos e a todas as classes sociais. Ao próprio Herodes Antipas que vivia em adultério com Herodíades, João censurou com franqueza e coragem: “Não te é lícito viver com a mulher de teu irmão”.

O povo recebeu sua mensagem com entusiasmo, mas os fariseus, cuja hipocrisia João reprovava abertamente, não gostaram. E Herodes, embora atraído pela personalidade de João, não via a hora de livrar-se dele. Não o fazia para não desagradar o povo que tinha verdadeira veneração por João.

Um dia, porém, quando comemorava seu aniversário, e após uma dança oriental, magistralmente executada por Salomé, filha de Herodíades, Herodes prometeu à jovem dançarina dar-lhe tudo que pedisse, ainda que fosse metade de seu reino. Instigada pela mãe que odiava João, Salomé pediu a cabeça de João Batista. Herodes apavorou-se com o pedido, mas como não podia voltar atrás numa promessa feita publicamente, mandou decapitar o santo e entregou a Salomé, num prato, a cabeça de João.

Hoje também, os que têm coragem de denunciar as situações de pecado e injustiça reinantes nas cortes desse nosso tempo, estão pagando muito caro por essa coragem. Ou são afastados de seus cargos, ou discriminados, ou sumariamente eliminados, contanto que não questionem e incomodem o estilo licencioso e pecaminoso dessa nossa sociedade. Mas hoje também João Batista quer ser exemplo de coragem para todos os que estão sinceramente empenhados em consertar os caminhos tortuosos e aplainar, com a espada da justiça, as estradas que conduzem à verdadeira paz.


TEMPO COMUM. VIGÉSIMA PRIMEIRA SEMANA. TERÇA‑FEIRA

– A virtude da justiça e a dignidade humana.

– A justiça social transcende o estritamente estipulado.

– A economia, que tem as suas próprias leis, deve ter em vista o bem das pessoas.

I. A LEI DE MOISÉS prescrevia que se pagasse o dízimo1: devia‑se entregar para a sustentação do Templo a décima parte do produto dos frutos mais comuns do campo, como os cereais, o vinho e o azeite. Os fariseus pagavam, além disso, o dízimo da hortelã e do cominho, plantas aromáticas que se cultivavam nos jardins das casas e que serviam para condimentar a comida. Era por parte deles uma manifestação equívoca de generosidade para com Deus, porque ao mesmo tempo deixavam de cumprir outros graves mandamentos em relação ao próximo. Por essa hipocrisia, o Senhor dir‑lhes‑ia: Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e desprezais os pontos mais graves da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Eram estas as coisas que devíeis praticar, sem omitir aquelas2.

O Senhor não despreza o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, que poderia ter sido uma verdadeira expressão de amor: como quem presenteia umas flores a uma pessoa que ama, ou ao Senhor no Sacrário; o que Jesus rejeita é a hipocrisia que esse falso zelo ocultava, pois com isso justificavam‑se em relação à omissão dos outros deveres essenciais: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Não devemos nunca cair numa hipocrisia semelhante à desses homens: as nossas oferendas voluntárias são gratas a Deus quando cumprimos as obrigatórias e necessárias, determinadas pela justiça, que é uma virtude pela qual damos a cada um o que é seu: Eram estas as coisas que devíeis praticar, sem omitir aquelas.

A virtude da justiça fundamenta‑se na intocável dignidade da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus e destinada a uma felicidade eterna. E se considerarmos o respeito que todo o homem merece “à luz das verdades reveladas por Deus, devemos avaliar necessariamente em maior grau esta dignidade, já que os homens foram redimidos pelo sangue de Jesus Cristo, feitos filhos e amigos de Deus pela graça sobrenatural e constituídos herdeiros da glória eterna”3.

O respeito aos direitos das pessoas começa por um justo ordenamento das leis civis, para o qual os cristãos devem contribuir, como cidadãos exemplares, com todas as suas forças. É doloroso verificar como o espírito humano, na sua auto‑suficiência e rebeldia aos planos divinos, persiste em querer derrubar os princípios da dignidade da natureza humana, afirmados há séculos e constantemente confirmados pela doutrina da Igreja. Tem‑se visto como aos poucos – muitas vezes por plebiscito, como se a verdade pudesse depender do que pensa ou é levada a pensar a maioria numa determinada sociedade e num determinado momento histórico – se vão implantando leis que permitem pôr termo à vida do ser humano a partir da sua concepção, como se degrada o mistério da reprodução da vida humana, fechando os olhos a experiências que a nivelam pela dos animais, como se destrói a coesão e a solidez da família, autorizando o divórcio até mesmo por mútuo consentimento, como se deixam desprotegidos os menores diante da onda de pornografia e violência que domina os meios de comunicação, e assim por diante.

Persistem os fautores das leis iníquas, e calam‑se muitos cristãos, por julgarem que não podem ou não lhes compete fazer nada. Não é o momento de pensarmos, no silêncio fecundo da oração, que o pouco que achamos estar ao nosso alcance deve ser feito? Que não é uma faculdade, mas uma obrigação em consciência?

II. PARA VIVER A JUSTIÇA, não basta simplesmente lamentar‑se diante das situações de injustiça; as queixas e as lamentações são estéreis se não se traduzem em mais oração e em obras para remediar essas situações. Cada cristão deve pensar em como vive a justiça nas circunstâncias normais da sua vida: na família, no trabalho profissional, nas relações sociais...

Viver a justiça com aqueles com quem nos relacionamos habitualmente significa, entre outros deveres, respeitar‑lhes o direito à fama, à intimidade... “Estas exigências não devem limitar‑se unicamente à ordem econômica [...]; a vida e a moral cristã têm exigências mais amplas. O respeito à vida, à fidelidade, à verdade, a responsabilidade e a boa preparação, a laboriosidade e a honestidade, o repúdio à menor fraude, o sentido social e mesmo a generosidade devem sempre inspirar o cristão no exercício das suas atividades profissionais e trabalhistas”4.

Também a calúnia, a maledicência, a murmuração... constituem uma verdadeira e flagrante injustiça, pois “entre os bens temporais, a boa reputação parece ser o mais valioso de todos eles, e pela sua perda o homem fica privado de realizar muitas coisas boas”5. O Apóstolo Tiago diz da língua que é um mundo inteiro de maldade6: pode servir para louvar a Deus, para falar com Ele, para comunicar‑se..., ou pode causar um mal enorme, se não há um empenho decidido em não falar nunca mal de ninguém.

Faltar à justiça através da palavra não é coisa pouco freqüente. Por isso o Senhor nos pede que não nos deixemos guiar pelos rumores e juízos precipitados que se difundem em alguns meios de comunicação social, que nunca emitamos um juízo negativo sobre pessoas ou instituições, que não sejamos inquisidores nem verdugos das vidas alheias. E se alguém tem o dever de julgar, deve empenhar‑se em colher todas as informações possíveis, ouvindo as duas partes, matizando os seus juízos e ressalvando sempre a intenção das pessoas, que somente Deus conhece.

Devemos viver os deveres de justiça com aqueles que o Senhor colocou sob os nossos cuidados, colaborando na formação de todos, tratando com mais esmero aqueles que, por doença, idade ou condições particulares, mais precisam de ser acompanhados. Sabemos bem que não viveria esta virtude, por exemplo, o pai ou a mãe que tivesse tempo para as suas distrações e gostos, e não dedicasse o tempo necessário à educação dos filhos; ou que se dedicasse ao trabalho profissional de uma maneira incompatível com a permanência diária no lar, à disposição da mulher e dos filhos, por várias horas além das do sono.

III. A ECONOMIA TEM as suas próprias leis e mecanismos, mas essas leis não são suficientes nem supremas, nem esses mecanismos intocáveis. Não se pode conceber a ordem econômica – insiste o Magistério da Igreja – como uma ordem independente e soberana, pois deve estar submetida aos princípios superiores da justiça social, de modo a que se possam corrigir os seus defeitos e deficiências e se tenha em conta a dignidade da pessoa7.

A justiça social exige que não se deixe o trabalhador à mercê das leis da concorrência, como se o seu trabalho fosse uma simples mercadoria8; e uma das principais preocupações do Estado e dos empresários “deve ser esta: a de dar trabalho a todos”9, como disse João Paulo II em São Paulo. O desemprego forçoso é um dos maiores males de um país e causa de muitos outros nas pessoas, nas famílias e na própria sociedade.

Podem dar‑se circunstâncias em que, cumprindo aquilo que é estritamente legal, aquilo que está estabelecido, se falte à justiça com esse mínimo estipulado: pode acontecer que se despeçam empregados de acordo com a lei, mas que com isso se cometa uma enorme injustiça; ou que se paguem ou se atualizem salários de acordo com as leis, mas com isso se ofenda a dignidade da pessoa...: “A justiça – diz o Fundador do Opus Dei – não se manifesta exclusivamente no respeito exato dos direitos e deveres, à semelhança dos problemas aritméticos, que se resolvem fazendo somas e subtrações”10.

Por sua vez, quem trabalha numa oficina, na Universidade, numa empresa, não viveria a justiça se não cumprisse com esmero a sua tarefa, com competência profissional, aproveitando o tempo, cuidando dos instrumentos de trabalho que são propriedade da fábrica, da biblioteca, do hospital, do escritório, do lar em que se ajuda a dona de casa nas tarefas do lar.

Os estudantes faltariam à justiça com a sociedade, com a família, e às vezes gravemente, se não aproveitassem intensamente o tempo dedicado ao estudo. De modo geral, as qualificações obtidas podem ser matéria para um bom exame de consciência. Quantas vezes o nível medíocre dos conhecimentos adquiridos na Faculdade não é a causa de que não se consiga ser um bom profissional no dia de amanhã, faltando‑se assim à justiça com a empresa em que se trabalha! São pontos que devemos examinar com freqüência, para vivermos delicadamente, diante de Deus e dos homens, os deveres com relação ao próximo: a justiça, a misericórdia e a fidelidadenos pactos e promessas.

Peçamos à Santíssima Virgem essa retidão de consciência necessária para que, no que está ao nosso alcance – que nunca é pouco e tem aspectos diversos –, a sociedade seja sempre ou venha a ser em breve prazo um remanso de convivência digno dos filhos de Deus.

(1) Lev 27, 30‑33; Deut 14, 22 e segs.; (2) Mt 23, 23; (3) João XXIII, Enc. Pacem in terris, 11‑IV‑1963, 10; (4) Conferência Episcopal Espanhola, Instr. Past. Os católicos na vida pública, 22‑IV‑1986, ns. 113‑114; (5) São Tomás, Suma Teológica, II‑II, q. 73, a. 2; (6) Ti 3, 6; (7) cfr. Pio XI, Enc. Quadragesimo anno, 15‑VI‑1931, 37; (8) João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 30‑XII‑1987, 34; (9) idem, Alocução no estádio do Morumbi, São Paulo, 3‑VII‑1980; (10) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 168.

28 de Agosto 2018

A SANTA MISSA

21ª Semana do Tempo Comum – Terça-feira 
Memória: Santo Agostinho – bispo e doutor da Igreja
Cor: Branca

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1ª Leitura: 2Ts 2, 1-3a.14-17

 “Conservai firmemente as tradições que vos ensinamos”. 

Leitura da Carta de São Paulo apóstolo aos Tessalonicenses

1 No que se refere à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa união com ele, nós vos pedimos, irmãos: 2 não deixeis tão facilmente transtornar a vossa cabeça, nem vos alarmeis por causa de alguma revelação, ou carta atribuída a nós, afirmando que o Dia do Senhor está próximo. 3a Que ninguém vos engane de modo algum. 14 Deus vos chamou para que, por meio do nosso evangelho, alcanceis a glória de nosso senhor Jesus Cristo. 15 Assim, portanto, irmãos, ficai firmes e conservai firmemente as tradições que vos ensinamos, de viva voz ou por carta. 16 Nosso Senhor Jesus Cristo e Deus nosso Pai, que nos amou em sua graça e nos proporcionou uma consolação eterna e feliz esperança, 17 animem os vossos corações e vos confirmem em toda a boa ação e palavra.

– Palavra do Senhor
– Graças a Deus.

Salmo Responsorial: Sl 95(96), l0.11-12.13(R. 13b)

R. O Senhor vem julgar nossa terra.

10Publicai entre as nações: ‘Reina o Senhor!’ +
Ele firmou o universo inabalável, *
e os povos ele julga com justiça. R.

11 O céu se rejubile e exulte a terra, *
aplauda o mar com o que vive em suas águas;
12 aos campos com seus frutos rejubilem.    R.

12b E exultem as florestas e as matas
13 na presença do Senhor, pois ele vem, *
porque vem para julgar a terra inteira.
Governará o mundo todo com justiça, *
e os povos julgará com lealdade.    R. 

Evangelho: Mt 23, 23-26 

 “Vós deveríeis praticar isto, sem contudo deixar aquilo.”

– O Senhor esteja convosco
– Ele está no meio de nós.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo, disse Jesus: 23 Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós pagais o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, e deixais de lado os ensinamentos mais importantes da Lei, como a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vós deveríeis praticar isto, sem contudo deixar aquilo. 24 Guias cegos! Vós filtrais o mosquito, mas engolis o camelo. 25 Aí de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós limpais o copo e o prato por fora, mas, por dentro, estais cheios de roubo e cobiça. 26 Fariseu cego! Limpa primeiro o copo por dentro, para que também por fora fique limpo.

– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor! 

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Docilidade na direção espiritual

TEMPO COMUM. VIGÉSIMA PRIMEIRA SEMANA. SEGUNDA‑FEIRA

– Necessidade de que alguém guie a nossa alma no seu caminhar para Deus.

I. GRAÇA E PAZ vos sejam dadas da parte de Deus nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo – escreve São Paulo aos cristãos de Tessalônica. É nosso dever e é justo, irmãos, dar sempre graças a Deus por vós, porque a vossa fé cresce vigorosamente e em cada um de vós continua a aumentar a caridade mútua1.

Com a assistência do Espírito Santo à sua Igreja, os primeiros fiéis gozaram do desvelo sacrificado dos seus pastores. Por contraste, os fariseus não souberam guiar o Povo eleito porque por culpa própria ficaram sem luz e lançaram sobre os filhos de Israel um fardo áspero e duro que, além disso, não os levava a Deus. No Evangelho da Missa2, o Senhor chama‑os guias de cegos, incapazes de mostrar aos outros o verdadeiro caminho.

Uma das maiores graças que podemos receber de Deus é a de termos quem nos oriente no caminho da vida interior, pois é um instrumento eficacíssimo na construção do nosso edifício espiritual. Desde os primeiros séculos, a Igreja sempre recomendou a prática da direção espiritual pessoal, como meio de extrema utilidade para progredir na vida cristã.

É muito difícil que alguém possa guiar‑se por si mesmo na vida interior. Quantas vezes a falta de objetividade com que nos vemos, o amor próprio, a tendência a deixar‑nos levar pelo que mais nos agrada ou pelo que nos é mais fácil..., não vão esfumando o caminho que nos leva a Deus (porventura tão claro a princípio!), lançando‑nos no desânimo, na tibieza e no imobilismo! “Aquele que quer ficar sozinho, sem apoio e sem guia, será como a árvore que está só e sem dono no campo, e que, por mais frutos que tenha, nunca chegará a vê‑los amadurecer, porque os transeuntes os colherão [...]. A alma que tem virtude, mas está sozinha e sem mestre, é como o carvão aceso que está só; antes se irá esfriando do que inflamando‑se”3.

No conselheiro espiritual devemos ver essa pessoa, colocada pelo Senhor, que conhece bem o caminho, a quem abrimos a alma e que se torna mestre, médico, amigo e bom pastor nas coisas que se referem a Deus. Aponta‑nos os possíveis obstáculos, sugere‑nos metas mais altas na vida interior e pontos concretos para que lutemos com eficácia; anima‑nos sempre, ajuda‑nos a descobrir novos horizontes e desperta em nós a fome e sede de Deus que a tibieza, sempre à espreita, quereria apagar.

Podermos contar com essa pessoa a quem abrir a alma numa confidência cheia de sentido sobrenatural e humano, é uma graça muito especial do Senhor. Que alegria termos a quem comunicar os nossos sentimentos mais profundos, a fim de orientá‑los para o Senhor, alguém que reza por nós e tem uma graça especial para nos ajudar! Na direção espiritual, encontramos o próprio Cristo que, como aos Apóstolos, nos ouve atentamente, nos compreende e nos dá luzes e forças novas para continuarmos a caminhar.

– A quem devemos recorrer. Visão sobrenatural na direção espiritual.

II. A DIREÇÃO ESPIRITUAL deve basear‑se num grande espírito sobrenatural e num profundo sentido humano; por isso, essas confidências de vida interior “não se têm com qualquer pessoa, mas com quem merece confiança pelo que é ou pelo que Deus a faz ser para nós”4. Para São Paulo, a pessoa que Deus escolheu foi Ananias, que o fortaleceu no caminho da sua conversão; para Tobias, o encarregado por Deus de orientá‑lo e aconselhá‑lo na sua longa viagem foi o Arcanjo Rafael, sob figura humana.

Devem‑se ter essas conversas de direção espiritual num clima sobrenatural: o que procuramos através delas é a voz de Deus. Para pedir um conselho ou extravasar uma preocupação exclusivamente humana, sem maior transcendência, basta dirigirmo‑nos a quem possa compreender‑nos e seja discreto e prudente; no que se refere à alma, porém, temos que discernir na oração quem é o bom pastor para nós, “pois corre‑se o perigo, se só nos prendemos a motivos humanos, de que não nos entendam nem compreendam, e então a alegria converte‑se em amargura, e a amargura desemboca na incompreensão que não alivia; e em ambos os casos experimenta‑se desassossego, o íntimo mal‑estar de quem falou em demasia, com quem não devia, daquilo que não devia”5. Não devemos escolher guias cegos que, mais do que ajudar, nos fariam tropeçar e cair.

O sentido sobrenatural com que acudimos à direção espiritual evitará também que andemos procurando um conselheiro que favoreça o nosso egoísmo, que silencie com a sua pretensa autoridade o clamor da nossa própria alma; e evitará até que comecemos a mudar de diretor espiritual até encontrarmos o mais benévolo6. Esta tentação pode assaltar‑nos especialmente quando se trata de assuntos mais delicados que, por exigirem sacrifícios que talvez não estejamos dispostos a fazer, nos levam a tentar amoldar a Vontade de Deus à nossa vontade: por exemplo, quando se trata de seguir uma vocação a que Deus nos chama e que exige uma maior entrega; de cortar com uma amizade ou um namoro inconveniente; de seguir à risca os critérios da ética profissional; de aceitar de braços abertos os filhos que Deus manda, sem que a idéia da “paternidade responsável” sirva de pretexto aos casados para serem irresponsáveis diante de Deus e os leve a lançar mão de métodos temporários – ou definitivos! – contrários à moral cristã. Hoje, infelizmente, é preciso estar de guarda contra eventuais maus pastores.

Peçamos ao Senhor que sejamos pessoas de consciência reta, que procuram a sua Vontade e que não se deixam levar por motivos humanos: que procuram de verdade o modo de agradar ao Senhor, e não uma “falsa tranqüilidade” ou um “querer ficar bem”. O sentido sobrenatural conduz à simplicidade.

– Constância, sinceridade e docilidade.

III. A VIDA INTERIOR necessita de tempo para amadurecer e não se improvisa da noite para o dia. Teremos derrotas, que nos ajudarão a ser mais humildes, e vitórias, que manifestam a eficácia da graça que frutifica em nós; teremos de começar e recomeçar muitas vezes, sem desânimos e sem esperar – ainda que às vezes cheguem – resultados imediatos, que algumas vezes o Senhor não quer que vejamos para nosso maior bem. Por isso, a prática da direção espiritual não pode ser esporádica ou descontínua, uma vez que tem de seguir passo a passo os momentos bons e os menos bons do nosso esforço.

Essa constância torna‑se necessária sempre que haja mais dificuldades externas: por dispormos de menos tempo, por excesso de trabalho, de exames... Deus premia esse esforço com novas luzes e graças. E nas dificuldades internas: preguiça, soberba, desânimo porque as coisas vão mal, porque não se fez nada do que se tinha combinado. É então que mais necessitamos dessa conversa fraterna, ou dessa Confissão, da qual saímos mais esperançosos e alegres, e com um novo impulso para continuar lutando. Um quadro é feito pincelada a pincelada, e um tecido forte é resultado da trama de muitos fios: na continuidade da direção espiritual, semana após semana, quinzena após quinzena, a alma vai‑se forjando; e pouco a pouco, com derrotas e vitórias, o Espírito Santo constrói o edifício da santidade.

Além da constância, é imprescindível sinceridade: devemos sempre começar por referir o que é mais importante – e que talvez coincida com aquilo que mais nos custa contar –. Muitas vezes, os frutos podem tardar em vir por não termos dado desde o início uma clara imagem do que realmente nos acontece, de como somos na realidade, ou por nos termos detido a relatar coisas puramente acidentais, sem chegar ao fundo. Sinceridade sem dissimulações, sem exageros ou meias verdades: descendo às coisas concretas, chamando pelo nome os nossos erros e equívocos, os nossos defeitos de caráter, sem querer mascará‑los com falsas justificativas. Por quê?, como?, quando?... são circunstâncias que tornam mais pessoal o relato do estado da alma.

Outra condição para que a direção espiritual tenha fruto é a docilidade. Foram dóceis os leprosos que Jesus mandou que se apresentassem aos sacerdotes como se já estivessem curados7, e os Apóstolos quando o Senhor lhes disse que mandassem as pessoas sentar‑se e começassem a dar‑lhes de comer, apesar de já terem feito os cálculos e saberem bem que era ínfima a quantidade de provisões com que contavam8. Pedro é dócil ao lançar as redes apesar de saber que não havia peixes naquele lugar e que a hora não era oportuna9... São Paulo deixar‑se‑á guiar; a sua forte personalidade, manifestada de tantos modos e em tantas ocasiões, serve‑lhe agora para ser dócil. Primeiro, os seus companheiros de viagem levá‑lo‑ão a Damasco, depois Ananias fará com que recobre a vista, e então será um homem útil para empreender as batalhas do Senhor10.

Não pode ser dócil quem se empenha em ser obstinado, incapaz de assimilar uma idéia diferente da que tem ou da que a sua experiência lhe dita. O soberbo é incapaz de ser dócil, porque, para podermos aprender e deixar‑nos ajudar, é necessário que estejamos convencidos da nossa insuficiência em tantos assuntos da alma.

Recorramos a Santa Maria para sermos constantes na direção da nossa alma e para sermos sinceros e dóceis, como o barro nas mãos do oleiro11.

(1) 2 Tess 1, 1‑3; (2) Mt 23, 23‑26; (3) São João da Cruz, Frases de luz e de amor, em Obras Completas; (4) F. Suárez, A Virgem Nossa Senhora, pág. 95; (5) ib., págs. 96‑97; (6) cfr. Josemaría Escrivá, Questões atuais do cristianismo, n. 93; (7) Lc 17, 11‑19; (8) Lc 9, 10‑17; (9) cfr. Lc 5, 1 e segs.; (10) At 9, 17‑19; (11) Jer 18, 1‑7.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal