Esperando Jesus
TEMPO DO ADVENTO. 24 DE DEZEMBRO
– Maria. Recolhimento. Espírito de oração.
– A nossa oração. Aprender a relacionar-nos com Jesus. Necessidade da oração.
– Humildade. Relacionamento com Jesus. Jaculatórias. Recorrer a São José, mestre de vida interior.
I. PELAS ENTRANHAS de misericórdia do nosso Deus, visitar-nos-á o Sol que nasce do alto, a fim de iluminar os que estão sentados nas trevas e nas sombras de morte, e dirigir os nossos pés pelo caminho da paz1. Jesus é o Sol que ilumina a nossa vida. Se queremos que todas as nossas coisas tenham sentido, devem referir-se a Ele.
De modo muito especial e extraordinário, a vida da Virgem Maria está centrada em Jesus, particularmente nesta véspera do nascimento do seu Filho. Mal podemos imaginar o recolhimento da sua alma. Assim esteve sempre, e assim devemos aprender a estar nós, que andamos habitualmente tão dispersos e nos distraímos por coisas de tão pouca monta!
Uma só coisa é verdadeiramente importante na nossa vida: Jesus, e tudo o que se refere a Ele.
Maria guardava todas estas coisas, ponderando-as em seu coração2. Sua mãe considerava todas estas coisas no seu coração3. Por duas vezes o evangelista menciona esta atitude da Virgem perante os acontecimentos de que participava.
A Virgem Maria conserva e medita. Pratica esse recolhimento interior que lhe permite avaliar e guardar os acontecimentos, grandes ou pequenos, da sua vida. Na sua intimidade, enriquecida pela plenitude da graça, reina aquela primitiva harmonia em que o homem foi criado. Nenhum lugar melhor para guardar e ponderar essa excepcional ação divina no mundo de que Ela é testemunha.
Depois do pecado original, a alma perdeu o domínio dos sentidos e a orientação natural para as coisas de Deus. Mas na Virgem não foi assim. Tendo sido preservada da mancha original, tudo nEla era harmonia, como no começo do mundo. Mais ainda, estava embelezada pela presença, totalmente singular e extraordinária, da Santíssima Trindade na sua alma.
Maria está sempre em oração, porque faz tudo por referência ao seu Filho: quando fala com Jesus, faz oração (a oração é isso: é “falar com Deus”); e faz oração de cada vez que o olha (isso também é oração, como quando olhamos com fé para Jesus Sacramentado, realmente presente no Sacrário), e quando lhe pede alguma coisa ou lhe sorri (tantas vezes!), ou quando pensa nEle. A sua vida esteve determinada por Jesus, e para Ele se orientavam permanentemente os seus sentimentos.
O seu recolhimento interior foi constante. A sua oração fundia-se com a sua própria vida, com o trabalho e a atenção aos outros. O seu silêncio interior era riqueza, plenitude e contemplação.
Nós lhe pedimos hoje que nos dê esse recolhimento interior, necessário para podermos ver e relacionar-nos com Deus, que também está muito próximo das nossas vidas.
II. HOJE SABEREIS que o Senhor vem, e amanhã contemplareis a sua glória4. Maria incita-nos nesta véspera do nascimento do seu Filho a não abandonar nunca a oração, o trato com o Senhor. Sem oração, estamos perdidos; e com ela, somos fortes e levamos para a frente as nossas tarefas.
Entre muitas outras razões, “devemos orar também porque somos frágeis e culpados. É preciso reconhecer real e humildemente que somos pobres criaturas, cheios de idéias confusas [...], frágeis e débeis, continuamente necessitados de força interior e de consolo. A oração dá forças para acometer os grandes ideais, para manter a fé, a caridade, a pureza, a generosidade; dá ânimos para sair da indiferença e da culpa, se por desgraça se cedeu à tentação e à fraqueza; dá luz para ver e julgar os acontecimentos da própria vida e da história a partir da perspectiva de Deus e da eternidade. Por isso, não deixem de orar! Não passe nenhum dia sem que tenham orado um pouco! A oração é um dever, mas é também uma alegria, porque é um diálogo com Deus por meio de Jesus Cristo”5.
Temos que aprender a ganhar intimidade com o Senhor através da oração mental, em momentos como este, em que nos dedicamos a falar-lhe silenciosamente dos nossos assuntos, a agradecer-lhe, a pedir-lhe ajuda..., a estar com Ele. Ao longo da nossa vida, não encontraremos ninguém que nos escute com tanto interesse e com tanta atenção como Jesus; nunca ninguém levou tão a sério as nossas palavras. Ele nos olha, presta-nos atenção, escuta-nos com extremo interesse quando fazemos a nossa oração.
A oração é sempre enriquecedora, mesmo nesse diálogo “mudo” diante do Sacrário em que não articulamos palavras: basta-nos olhar e sentir-nos olhados. Como isso é diferente do palavreado de tantos homens, que não dizem nada porque não têm nada que comunicar! Da abundância do coração fala a boca. Se o coração está vazio, que poderão dizer as palavras? E se está doente de inveja, de sensualidade, que conteúdo terá o diálogo? Da oração, no entanto, saímos sempre com mais luz, com mais alegria, com mais força. Poder fazer oração é um dos maiores dons do homem: falar e ser escutado pelo seu Criador! Falar com Ele e chamá-lo Amigo!
Na oração, temos que falar com o Senhor com toda a simplicidade. “Pensar e entender o que falamos e com quem falamos, e quem somos os que ousamos falar com tão grande Senhor, pensar isto e outras coisas semelhantes sobre o pouco que o temos servido e o muito que estamos obrigados a servi-lo, é oração mental; não penseis que é outra algaravia nem vos espante o nome”6.
Alguns podem pensar que é extraordinariamente difícil fazer oração, ou que é para pessoas especiais. No Evangelho podemos ver uma grande variedade de tipos humanos que se dirigem ao Senhor com confiança: Nicodemos, Bartimeu, as crianças – com as quais o Senhor se alegra especialmente –, uma mãe, um pai que tem um filho doente, um ladrão, os Magos, Ana, Simeão, os amigos de Betânia... Todos eles, e agora nós, falamos com Deus.
III. NA ORAÇÃO, são importantes as boas disposições; entre elas, a fé e a humildade. Não podemos chegar à oração como o fariseu daquela parábola dirigida a alguns que confiavam em si mesmos e desprezavam os outros7. O fariseu, em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus! Dou-te graças por não ser como os demais homens, ladrões [...]. Jejuo duas vezes por semana...Percebemos imediatamente que o fariseu entrou no Templo sem amor. Ele próprio é o centro dos seus pensamentos e o objeto da sua estima. E, conseqüentemente, ao invés de louvar a Deus, louva-se a si mesmo. Não há amor na sua oração, nem sequer caridade; não há humildade. Não necessita de Deus.
Pelo contrário, podemos aprender muito da oração do publicano, pois devemos procurar ter uma oração humilde, atenta – com a mente concentrada na Pessoa com quem falamos –, confiante; procurando que não seja um monólogo em que damos voltas a nós próprios, em que recordamos situações sem referi-las a Deus ou deixamos a imaginação à solta, etc.
O fariseu, por falta de humildade, foi-se embora do Templo sem ter feito oração. Até nisso se pôs de manifesto a sua oculta soberba. O Senhor pede-nos simplicidade, que reconheçamos as nossas faltas e lhe falemos dos nossos assuntos e dos dEle. “Escreveste-me: «Orar é falar com Deus. Mas de quê?» – De quê? DEle e de ti: alegrias, tristezas, êxitos e fracassos, ambições nobres, preocupações diárias..., fraquezas!; e ações de graças e pedidos; e Amor e desagravo. Em duas palavras: conhecê-Lo e conhecer-te – ganhar intimidade!”8
“«Et in meditatione mea exardescit ignis». – E na minha meditação se ateia o fogo. – Para isso vais à oração: para tornar-te uma fogueira, lume vivo, que dê calor e luz.
“Por isso, quando não souberes ir mais longe, quando sentires que te apagas, se não puderes lançar ao fogo troncos aromáticos, lança os ramos e a folhagem de pequenas orações vocais, de jaculatórias, que continuem a alimentar a fogueira. – E terás aproveitado o tempo”9.
Sobretudo a princípio, e em certas temporadas, ser-nos-á de muita ajuda servir-nos de um livro – como o coxo se serve das suas muletas – para irmos adiante na nossa oração. Assim fizeram também muitos santos. Diz Santa Teresa: “A não ser quando acabava de comungar, jamais ousava começar a oração sem um livro, pois a minha alma temia tanto estar sem ele como se fosse lutar com muita gente. Com este remédio, que era como uma companhia ou escudo em que aparava os golpes dos muitos pensamentos, andava consolada”10.
Habitualmente, a nossa oração deve encerrar-se com propósitos precisos de melhora pessoal. Perguntaremos com sinceridade ao Senhor: Que desejas de mim, Senhor, neste assunto que acabo de considerar? Como posso progredir agora nesta virtude? Que devo propor-me para cumprir a tua Vontade tendo em vista os próximos meses?
Nenhuma pessoa deste mundo soube tratar Jesus como a sua Mãe e, depois de sua Mãe, São José, que devia passar longas horas olhando-o, falando com Ele, tratando-o com toda a simplicidade e veneração. Por isso, “quem não encontrar mestre que lhe ensine oração, tome este glorioso Santo por mestre e não errará de caminho”11.
Ao terminarmos a nossa oração, contemplemos José muito perto de Maria, cheio de atenções e delicadezas para com Ela. Jesus vai nascer. Ele preparou o melhor que pôde aquela gruta. Nós lhe pedimos que nos ajude a preparar a nossa alma, para que não estejamos dispersos e distraídos, agora que Jesus está para chegar.
(1) Lc 1, 78-79; Evangelho da Missa do dia 24 de dezembro; (2) Lc 2, 19; (3) Lc 2, 51; (4) Antífona do Invitatório do dia 24 de dezembro; (5) João Paulo II, Audiência com os jovens, 14-III-1979; (6) Santa Teresa, Caminho de perfeição, 25, 3; (7) Lc 18, 9 e segs.; (8) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 91; (9) ibid., n. 92; (10) Santa Teresa, Vida, 4, 7; (11) ibid., 6, 3.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
Desprendimento e pobreza cristã
TEMPO DO ADVENTO. 23 DE DEZEMBRO
– O Natal convida-nos a viver a pobreza pregada e vivida pelo Senhor. O exemplo de Jesus.
– Em que consiste a pobreza evangélica.
– Detalhes de pobreza e modo de vivê-la.
I. O EFETIVO DESPRENDIMENTO daquilo que somos e possuímos é necessário para seguirmos Jesus, para abrirmos a alma ao Senhor que passa e nos chama pelo nosso nome. Pelo contrário, o apego aos bens da terra fecha as portas a Cristo e fecha-nos as portas ao amor e ao entendimento daquilo que é o mais essencial na nossa vida: Qualquer um de vós que não renuncie a tudo o que possui não pode ser meu discípulo 1.
O nascimento de Jesus, como toda a sua vida, é um convite para que examinemos nestes dias a atitude do nosso coração em relação aos bens da terra. O Senhor, Unigênito do Pai, Redentor do mundo, não nasce num palácio, mas numa gruta; não numa grande cidade, mas numa aldeia perdida, em Belém. Não teve um berço, mas uma manjedoura. A fuga precipitada para o Egito foi para a Sagrada Família a experiência do exílio numa terra estranha, com poucos meios de subsistência além dos braços acostumados ao trabalho de José. Durante a sua vida pública, Jesus passará fome 2 e não disporá de duas pequenas moedas de pouco valor para pagar o tributo do Templo 3. Ele próprio dirá que o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça 4. A morte na Cruz é a demonstração do seu supremo desprendimento. O Senhor quis conhecer o rigor da pobreza extrema – carência do necessário – especialmente nas horas mais importantes da sua vida.
A pobreza que o Senhor nos pede a todos não é sujeira, nem miséria, nem desleixo, nem preguiça. Essas coisas não são virtude. A pobreza que o cristão tem que viver deve ser uma pobreza ligada ao trabalho, ao cuidado da casa e dos instrumentos de trabalho, à ajuda aos outros, à sobriedade de vida. Por isso já se disse que “foram sempre o melhor exemplo de pobreza esses pais e essas mães de família numerosa e pobre que se desfazem pelos filhos e que os mantêm com o seu esforço e constância – muitas vezes sem voz para dizer a ninguém que passam necessidades –, criando um lar alegre onde todos aprendem a amar, a servir, a trabalhar” 5.
Quando se dispõe de recursos de fortuna, também é possível viver como “esses pais e essas mães de família numerosa e pobre” e usar desses meios materiais para fazer o bem, porque “a pobreza que Jesus declarou bem-aventurada é aquela que se baseia no desprendimento, na confiança em Deus, na sobriedade e na disposição de compartilhar com os outros” 6.
Para vivermos o desprendimento dos bens, no meio da onda de materialismo que parece submergir a humanidade, temos que olhar para o nosso Modelo, Jesus Cristo, que se fez pobre por amor de nós, para que vós fôsseis ricos pela sua pobreza 7.
Jesus Cristo, se fez pobre por amor de nós, para que vós fôsseis ricos pela sua pobreza 7.
II. OS POBRES a quem o Senhor promete o Reino dos céus 8 não são todos os que padecem necessidade, mas aqueles que, tendo ou não bens materiais, não se sentem presos a eles. É uma pobreza segundo o espírito, que deve ser vivida em qualquer circunstância da vida. Eu sei viver na abundância – dizia São Paulo – e sei viver na fome e na escassez 9.
O homem pode orientar a sua vida para Deus, usando de todas as coisas materiais como meios, ou pode ter como fim o dinheiro e a riqueza nas suas múltiplas manifestações: desejos de luxo, de comodidade desmedida, ambição, cobiça... São dois fins inconciliáveis: Não se pode servir a dois senhores10. O amor à riqueza desaloja violentamente o amor a Deus: não é possível que Deus possa habitar um coração que já está cheio de outro amor. A palavra divina fica afogada no coração do rico, como a semente que cai entre espinhos11. Por isso não nos surpreende ouvir o Senhor ensinar que é mais fácil a um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que a um rico entrar no Reino dos céus 12. E como é fácil, se não se está vigilante, que o espírito de riqueza invada o coração!
A Igreja tem-nos recordado sempre, desde o seu início até os nossos dias, que o cristão deve estar de sobreaviso quanto ao modo de utilizar os bens materiais, e “chama a atenção dos seus filhos para que cuidem de orientar retamente os seus afetos, a fim de que não aconteça que o uso das coisas do mundo e o apego às riquezas, contrário ao espírito de pobreza evangélica, os impeça de alcançar a caridade perfeita. Lembra-lhes a advertência do Apóstolo: Os que usam deste mundo não se detenham nele, porque os atrativos deste mundo passam (cfr. 1 Cor 7, 31)” 13. Quem se apega às coisas da terra não só perverte o seu uso reto e destrói a ordem estabelecida por Deus, mas, além disso, fica com a alma insatisfeita, prisioneira desses bens materiais que a tornam incapaz de amar verdadeiramente a Deus.
O estilo de vida cristão exige uma mudança radical de atitude em relação aos bens terrenos: estes devem ser procurados e usados não como se fossem um fim, mas enquanto meios para servir a Deus. Como meios que são, não merecem que se ponha neles o coração; são outros os bens autênticos.
Devemos recordar na nossa oração que o desprendimento exige sacrifício. Se o desprendimento não custa, é porque não é bem vivido. E manifesta-se freqüentemente em saber prescindir do supérfluo, em lutar contra a tendência desordenada para o bem-estar e para a comodidade, em evitar caprichos, em renunciar ao luxo e aos gastos feitos por pura vaidade, etc.
É tão importante esta virtude para um cristão, que bem se pode dizer que “quem não ama e vive a virtude da pobreza não tem o espírito de Cristo. E isto é válido para todos: tanto para o anacoreta que se retira para o deserto, como para o simples cristão que vive no meio da sociedade humana, usando dos recursos deste mundo ou carecendo de muitos deles...” 14
III. O CORAÇÃO HUMANO tende a buscar os bens da terra de uma maneira desmedida; se não empreender, pois, uma luta real por viver desprendido das coisas, pode-se afirmar que, de modo mais ou menos consciente, colocou o seu fim nas coisas da terra. E o cristão não deve esquecer nunca que caminha para Deus.
Devemos, portanto, examinar-nos com freqüência, perguntando-nos se amamos a virtude da pobreza e se a vivemos; se cuidamos de não cair no excesso de conforto ou num aburguesamento que é incompatível com a nossa condição de discípulos de Cristo; se estamos desprendidos das coisas da terra; se as possuímos, enfim, como meios para fazer o bem e viver cada vez mais perto de Deus.
Podemos e devemos sempre ser comedidos nas necessidades pessoais, vigiando a tendência para criar falsas necessidades e sendo generosos na esmola e na ajuda a obras boas. Devemos cuidar com esmero das coisas do nosso lar, bem como de todo o tipo de bens que nos venham parar às mãos, pois, na realidade, só os possuímos como que em depósito, para administrá-los bem. “Pobreza é o verdadeiro desprendimento das coisas terrenas, é enfrentar com alegria as incomodidades, se as há, ou a falta de meios [...]. Viver pensando nos outros, usar as coisas de tal maneira que haja algo para oferecer aos outros – tudo isso são dimensões da pobreza que garantem o desprendimento efetivo” 15.
É desta e de muitas outras formas que se manifesta o nosso desejo de não ter o coração posto nas riquezas, mesmo quando, pela profissão que exercemos, dispomos para nosso uso pessoal de outros bens. A sobriedade de que dermos provas então será o bom aroma de Cristo, que deve acompanhar sempre a vida de um cristão.
Dirigindo-se a homens e mulheres que se esforçam por alcançar a santidade no meio do mundo – comerciantes, professores universitários, camponeses, empregados de escritório, pais e mães de família – dizia o Bem-aventurado Josemaría Escrivá: “Todo o cristão corrente tem que tornar compatíveis na sua vida dois aspectos que, à primeira vista, podem parecer contraditórios: pobreza real, que se note e que se toque – feita de coisas concretas –, que seja uma profissão de fé em Deus, uma manifestação de que o coração não se satisfaz com coisas criadas, mas aspira ao Criador, desejando encher-se do amor de Deus e depois dar a todos desse mesmo amor; e, ao mesmo tempo, ser mais um entre os seus irmãos os homens, de cuja vida participa, com quem se alegra, com quem colabora, amando o mundo e todas as coisas criadas, a fim de resolver os problemas da vida humana e estabelecer o ambiente espiritual e material que facilite o desenvolvimento das pessoas e das comunidades. Conseguir a síntese entre esses dois aspectos é – em boa parte – questão pessoal, questão de vida interior, para julgar em cada momento, para encontrar em cada caso o que Deus pede” 16.
Se lutarmos eficazmente por viver desprendidos do que temos e usamos, o Senhor encontrará o nosso coração limpo e completamente aberto quando vier novamente a nós neste Natal. Não acontecerá com a nossa alma o que aconteceu naquela pousada: estava cheia e não tinham lugar para o Senhor.
(1) Lc 14, 33; (2) cfr. Mt 4, 2; (3) cfr. Mt 17, 23-26; (4) Mt 8, 20; (5) São Josemaría Escrivá, Questões atuais do cristianismo, 3ª ed., Quadrante, São Paulo, 1986, n. 111; (6) Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Sobre a liberdade cristã e a libertação, 22-III-1986, 66; (7) 2 Cor 8, 9; (8) Mt 5, 3; (9) Fil 4, 12; (10) Mt 6, 24; (11) Mt 13, 7; (12) Mt 19, 24; (13) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 42; (14) São Josemaría Escrivá, Questões atuais do cristianismo, n. 110; (15) ibid., n. 111; (16) ibid., n. 110.
Fonte: Livro "Hablar con Dios", de Francisco Fernández Carvajal
Advento. Tempo de Esperança
TEMPO DO ADVENTO. QUARTO DOMINGO
– Santa Maria, Mestra da esperança. Origem do desânimo. Jesus Cristo, o bem supremo.
– O objeto da nossa esperança.
– Confiança no Senhor, que nunca chega tarde para nos dar a graça e as ajudas necessárias.
I. O ESPÍRITO DO ADVENTO consiste em boa parte em vivermos muito unidos à Virgem Maria neste tempo em que Ela traz Jesus no seu seio. Mas a nossa vida é também toda ela um “advento” um pouco mais longo, uma espera desse momento definitivo em que nos encontraremos finalmente com o Senhor para sempre. E, neste sentido, o cristão deve também viver este outro “advento” bem junto da Virgem durante todos os dias da sua vida, se quiser acertar com segurança na única coisa verdadeiramente importante da sua existência: encontrar Cristo já agora e depois na eternidade.
Nossa Senhora fomenta na alma a alegria, porque, quando procuramos a sua intimidade, leva-nos a Cristo. Ela é “Mestra de esperança. Maria proclama que a chamarão bem-aventurada todas as gerações (Lc 1, 48). Falando humanamente, em que motivos se apoiava essa esperança? Quem era Ela, para os homens e mulheres da época? As grandes heroínas do Velho Testamento – Judit, Ester, Débora – conseguiram já na terra uma glória humana [...]. Como contrasta a esperança de Nossa Senhora com a nossa impaciência! Com freqüência reclamamos de Deus que nos pague imediatamente o pouco bem que praticamos. Mal aflora a primeira dificuldade, queixamo-nos. Somos muitas vezes incapazes de perseverar no esforço, de manter a esperança”1.
Não cai no desalento quem experimenta dificuldades e dor, mas quem não aspira à santidade e à vida eterna, e quem desespera de alcançá-las.
A primeira destas atitudes resulta da incredulidade, do aburguesamento, da tibieza e do excessivo apego aos bens da terra, que se encaram como os únicos verdadeiros. O desespero, por sua vez, se não for remediado, paralisa os esforços na prática do bem e na luta por superar as dificuldades. Nem sequer os aparentes fracassos da nossa batalha interior ou dos nossos sonhos apostólicos devem desanimar-nos; quem faz as coisas por amor de Deus e para a sua glória não fracassa nunca. “Convence-te desta verdade: o teu êxito – agora e nisto – era fracassar. – Dá graças ao Senhor e... torna a começar!”2. “Não fracassaste; adquiriste experiência. – Para a frente!”3
Dentro de poucos dias veremos Jesus reclinado numa manjedoura, o que é uma prova da misericórdia e do amor de Deus. Poderemos dizer: “Nesta noite de Natal, tudo pára dentro de mim. Estou diante dEle; não há nada mais do que Ele, na branca imensidão. Não diz nada, mas está aí... Ele é Deus amando-me”4. E se Deus se faz homem e me ama, como não procurá-lo? Como perder a esperança de encontrá-lo, se é Ele que me procura? Afastemos todo o possível desalento; as dificuldades exteriores e a nossa miséria pessoal não podem nada diante da alegria do Natal que se aproxima.
II. A ESPERANÇA manifesta-se ao longo do Antigo Testamento como uma das características mais essenciais do verdadeiro Povo de Deus. Todos os olhos estão postos na lonjura dos tempos futuros, de onde surgirá um dia o Messias: “Os livros do Antigo Testamento narram a história da Salvação, em que, passo a passo, se prepara a vinda de Cristo ao mundo”5.
O Gênesis já fala da vitória da Mulher sobre os poderes do mal; fala-nos de um mundo novo6. Oséias anuncia que Israel se converterá e que nele florescerá o antigo amor7. Isaías, no meio das decepções do reinado de Ezequiel, anuncia a vinda do Messias8, e Miquéias indicará Belém de Judá como o lugar do seu nascimento9.
Faltam poucos dias para que vejamos no presépio Aquele que os profetas predisseram, que a Virgem esperou com amor de mãe, que João anunciou estar próximo e depois mostrou presente entre os homens. É Ele quem nos dá a alegria de nos prepararmos desde agora para o mistério do seu natal, a fim de nos encontrarmos em oração e celebrando os seus louvores quando chegar10.
Desde o presépio de Belém até o momento da sua Ascensão aos céus, Jesus Cristo proclama uma mensagem de esperança. Ele próprio é a nossa única esperança11. Ele é a garantia plena de que alcançaremos os bens prometidos. Olhamos para a gruta de Belém, “em vigilante espera”, e compreendemos que somente com Ele poderemos aproximar-nos confiadamente de Deus Pai12.
O próprio Senhor nos indica que o principal objeto da esperança cristã não são os bens desta vida, esses que a ferrugem e a traça corroem e os ladrões desenterram e roubam13, mas os tesouros da herança incorruptível, e em primeiro lugar a felicidade suprema da posse eterna de Deus.
Esperamos com toda a confiança que um dia Deus nos concederá a bem-aventurança eterna e, já agora, o perdão dos nossos pecados e a sua graça. E, como consequência, a nossa esperança estende-se a todos os meios necessários para alcançarmos esse fim. Lutemos, pois, nestes dias e sempre, com todas as nossas forças, contra essas formas menores de desespero que são o desânimo e a preocupação quase exclusiva pelos bens materiais.
A esperança leva-nos a abandonar-nos em Deus e a empenhar-nos seriamente numa luta ascética que nos incitará a recomeçar muitas vezes, a ser constantes na ação apostólica e pacientes na adversidade, a ter um sentido mais sobrenatural da vida e dos seus acontecimentos.
“Na medida em que o mundo se cansar da sua esperança cristã, a alternativa que lhe há de restar será o materialismo, do tipo que já conhecemos; isso e nada mais; a sua experiência do cristianismo terá sido como a experiência de um grande amor que se perdeu, o amor de toda uma vida... Por isso, nenhuma nova palavra [...] terá atrativo para nós se não nos devolver à gruta de Belém, para que ali possamos humilhar o nosso orgulho, aumentar a nossa caridade e dilatar o nosso sentimento de reverência com a visão de uma pureza deslumbrante”14.
III. ESCUTAI-ME, vós que estais desanimados e vos julgais longe da vitória. Eis que eu aproximo a minha vitória; não está longe, e a minha salvação não tardará15.
A nossa esperança no Senhor há de ser tanto maior quanto menores forem os meios de que dispomos ou maiores as dificuldades. Conta-nos São Lucas16 que, certa vez, Jesus voltava a Cafarnaum e todos o estavam esperando. Do meio daquela multidão, avança um personagem, chamado Jairo – que o evangelista destaca dizendo que era um chefe de sinagoga – e pede a Jesus que lhe cure a filha: prostrou-se aos seus pés; não se importa de dar essa demonstração pública de humildade e de fé n'Ele.
Imediatamente, a um gesto do Senhor, todos se põem a caminho da casa de Jairo. A menina, de doze anos, filha única, estava morrendo. Quando já tinham feito uma boa parte do trajeto, uma mulher, que padecia de uma doença que a tornava impura segundo a lei, aproximou-se de Jesus por trás, por entre o tropel da multidão, e tocou a extremidade do manto do Senhor. Era também uma mulher cheia de uma profunda humildade.
Jairo tinha mostrado a sua esperança e a sua humildade prostrando-se diante de Jesus na presença de todos. Esta mulher, pelo contrário, pretende passar despercebida, não quer que o Mestre se detenha por causa dela; pensava que valia muito pouco para que o Senhor reparasse nela. Bastava-lhe tocar a orla do seu manto.
Os dois milagres realizam-se plenamente. A mulher ficará livre para sempre de um mal que a ciência de tantos médicos não tinha podido curar, e a filha de Jairo recuperará totalmente a saúde, embora já estivesse morta quando a comitiva chegou.
Que aconteceu com Jairo, enquanto o Senhor se detinha a conversar com a hemorroíssa? Parece ter passado a um segundo plano, e não é difícil imaginá-lo um pouco impaciente, pois deixara a filha agonizante quando saíra à procura do Mestre. Mas Cristo não mostra ter pressa. E é precisamente quando parece ter chegado tarde, quando parece já não haver nada a fazer, quando tudo convida ao desalento, que chega a hora da esperança sobrenatural.
Jesus nunca chega tarde. Só nos pede uma fé maior. Esperou que se fizesse “tarde demais” para nos ensinar que a esperança sobrenatural também tem por alicerce as ruínas da esperança humana, e que a única coisa necessária é uma confiança ilimitada nEle, pois Ele pode tudo a todo o momento.
Este trecho do Evangelho recorda-nos situações por que já passamos na nossa própria vida, quando parecia que Jesus não vinha ao encontro das nossas necessidades, e depois nos concedeu uma graça muito maior. Recorda-nos tantos momentos em que estivemos de joelhos diante do Sacrário, e nos pareceu ouvir palavras muito semelhantes a estas: Não temas, mas apenas crê. Esperar em Jesus é confiar nEle, deixá-lo atuar; é ter tanto mais confiança quanto mais escassos forem os elementos em que nos possamos apoiar humanamente.
A devoção a Nossa Senhora é a maior garantia de que não nos faltarão os meios necessários para alcançarmos a felicidade eterna a que fomos destinados. Maria é verdadeiramente “porto dos que naufragam, consolo do mundo, resgate dos cativos, alegria dos enfermos”17. Nestes dias que precedem o Natal e sempre, peçamos-lhe a graça de saber permanecer, cheios de fé, à espera do seu Filho Jesus Cristo, o Messias anunciado pelos Profetas. “Ela precede com a sua luz o Povo de Deus peregrinante, como sinal de esperança certa e de consolo, até que chegue o dia do Senhor (cfr. 2 Pe 3, 10)”18.
(1) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 286; (2) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 404; (3) ibid., n. 405; (4) Jacques Leclercq, Siguiendo el año litúrgico, Madrid, 1957, pág. 78; (5) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 55; (6) cfr. Gên 3, 15; (7) Os 2, 16-25; (8) Is 7, 9-14; (9) cfr. Miq 5, 2-5; (10) Prefácio II do Advento; (11) cfr. 1 Tim 1, 1; (12) 1 Tim 3, 12; (13) Mt 6, 19; (14) Ronald A. Knox, Sermão sobre o Natal, 29-XII-1953; (15) cfr. Is 46, 12-13; (16) Lc 8, 40-56; (17) Santo Afonso Maria de Ligório, Visita ao Santíssimo Sacramento, 2; (18) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 68.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
O Magnificat. A Humildade de Maria
TEMPO DO ADVENTO. 22 DE DEZEMBRO
– Humildade de Maria. O que é a humildade.
– Fundamento da caridade. Frutos da humildade.
– Caminhos para alcançar esta virtude.
I. LEVANTAI, Ó PORTAS, os vossos dintéis; levantai-vos, ó pórticos antigos, para que entre o Rei da glória1.
A Virgem leva a alegria por onde passa: Mal a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança saltou de gozo em meu seio2, diz-lhe Santa Isabel referindo-se a João Batista, que crescia no seu ventre. Ao louvor de sua prima, a Virgem Maria responde com um belíssimo canto de júbilo:Minha alma engrandece o Senhor e meu espírito rejubila em Deus, meu Salvador.
O Magnificat contém a razão profunda de toda a humildade. Maria considera que Deus pôs os olhos na baixeza da sua escrava; por isso fez nela coisas grandes o Todo-Poderoso. Toda a sua vida transcorre neste tom de grandeza e de humildade: “Que humildade, a de minha Mãe Santa Maria! – Não a vereis entre as palmas de Jerusalém, nem – afora as primícias de Caná – à hora dos grandes milagres. – Mas não foge ao desprezo do Gólgota; ali está «juxta crucem Jesu», junto à cruz de Jesus, sua Mãe”3. Nunca procurou nenhuma glória pessoal.
A virtude da humildade, que tanto transparece na vida de Nossa Senhora, consiste na verdade4, no reconhecimento sincero do que somos e valemos diante de Deus e diante dos outros; consiste também em esvaziar-nos de nós mesmos e em deixar que Deus atue em nós com a sua graça. “É a rejeição das aparências e da superficialidade; é a expressão da profundidade do espírito humano; é a condição da sua grandeza”5.
A humildade é uma virtude que nada tem a ver com a timidez, com a pusilanimidade ou com a mediocridade. Não se opõe a que tenhamos consciência dos talentos recebidos, nem que usemos deles com um coração reto.
A humildade não nos amesquinha, mas dilata-nos o coração, pois descobre que tudo aquilo que de bom há em nós, tanto na ordem da natureza como da graça, pertence a Deus, porque todos recebemos da sua plenitude6. O Senhor é toda a nossa grandeza; nós, por nós mesmos, somos deficiência e fraqueza. Diante de Deus, encontramo-nos como devedores que não sabem como pagar7, e por isso recorremos a Maria como medianeira de todas as graças, Mãe de misericórdia e de ternura, a quem nunca ninguém recorreu em vão: “Abandona-te cheio de confiança no seu regaço materno, pede-lhe que te alcance esta virtude que Ela tanto apreciou; não tenhas medo de não ser atendido. Maria pedi-la-á a esse Deus que exalta os humildes e reduz os soberbos ao nada; e como Maria é onipotente junto de seu Filho, será ouvida com toda a certeza”8.
II. A HUMILDADE é o alicerce de todas as virtudes, e sem ela não há nenhuma que possa desenvolver-se. Sem a humildade, o resto é “como um montão muito volumoso de palha que teremos levantado, mas que ao primeiro sopro dos ventos cai e se desfaz. O demônio teme muito pouco essas devoções que não estão alicerçadas na humildade, pois sabe muito bem que poderá dar cabo delas quando lhe convier”9. Não é possível a santidade se não houver uma luta eficaz por adquirir esta virtude; nem sequer poderia haver uma autêntica personalidade humana.
A humildade é, de modo especial, alicerce da caridade. Torna-a possível e dá-lhe consistência: “A morada da caridade é a humildade”10, dizia Santo Agostinho.
Na medida em que o homem se esquece de si próprio, pode interessar-se pelos outros e atendê-los. Muitas faltas de caridade foram provocadas por movimentos prévios de vaidade, orgulho, egoísmo, desejo de sobressair, etc. E as duas virtudes da humildade e da caridade “são as virtudes-mãe; as outras seguem-nas como os pintinhos seguem a galinha”11.
Quem é humilde não gosta de exibir-se. Sabe muito bem que não se encontra no lugar que ocupa para brilhar e receber elogios, mas para servir, para cumprir uma missão. Não te sentes no primeiro lugar [...]. Pelo contrário, quando fores convidado, senta-te no último12. E se se encontra nos primeiros lugares, ocupando uma posição de proeminência, sabe que “Deus lhe deu esse motivo de excelência para que sirva de proveito aos outros; o testemunho dos outros deve agradar-lhe somente na medida em que contribua para o bem alheio”13.
Devemos permanecer no nosso lugar (nas conversas com os amigos, na fábrica ou no escritório, na família, etc.), trabalhando de olhos postos em Deus e evitando que a ambição nos ofusque ou que, levados pela vaidade, a vida se converta numa corrida louca atrás de posições cada vez mais altas; posições para as quais talvez nem sirvamos e que mais tarde poderiam vir a humilhar-nos, criando em nós o profundo mal-estar de sentir que não ocupamos o lugar para o qual estamos dotados. Isto não se opõe a que correspondamos à chamada do Senhor e façamos render ao máximo os nossos talentos, com um grande espírito de sacrifício no aproveitamento do tempo.
Um homem humilde sente-se centrado e é feliz nos seus afazeres. Além disso, é sempre uma ajuda. Conhece as suas limitações e possibilidades, e não se deixa enganar facilmente pelas miragens da ambição. As suas qualidades são uma ajuda, maior ou menor, mas nunca um estorvo. Cumpre a sua função dentro do conjunto.
Outra manifestação de humildade é evitar qualquer juízo negativo sobre os outros. O conhecimento da nossa fraqueza não nos permitirá “um mau pensamento acerca de ninguém, mesmo que as palavras ou obras do interessado dêem motivo para assim julgarmos razoavelmente”14. Olharemos para os outros com respeito e compreensão.
III. PARA CHEGARMOS à humildade, devemos em primeiro lugar desejá-la ardentemente, estimá-la e pedi-la a Deus. E depois aproveitar todas as ocasiões para progredir nela: fomentaremos a docilidade aos conselhos recebidos na direção espiritual e lutaremos por levá-los à prática; receberemos com sincera gratidão a correção fraterna que nos fazem com toda a delicadeza; aceitaremos em silêncio, por amor a Deus, todas e quaisquer humilhações; obedeceremos com rapidez e de todo o coração àqueles a quem devemos obediência; e, sobretudo, praticaremos a caridade, em detalhes constantes de serviço alegre aos outros.
Jesus é o exemplo supremo de humildade. Nunca ninguém teve uma dignidade comparável à sua, e, no entanto, ninguém serviu os homens com tanta solicitude: Eu estou no meio de vós como quem serve15. Imitando o Senhor, aceitaremos os outros tal como são e passaremos por alto muitos detalhes que talvez sejam aborrecidos, mas que, no fundo, quase nunca têm verdadeira importância.
Prestaremos assim pequenos serviços na convivência diária, sem nos orgulharmos por isso e sem pedir nada em troca; e aprenderemos de Jesus e de Maria a conviver com todos, a saber compreender os outros, mesmo com os seus defeitos. Procurando ver os outros como o Senhor os vê, ser-nos-á fácil acolhê-los como Ele os acolhe.
Terminamos a nossa oração neste dia contemplando a nossa Mãe Santa Maria, que nos alcançará do seu Filho esta virtude de que tanto necessitamos. “Olhai para Maria. Jamais criatura alguma se entregou com tanta humildade aos desígnios de Deus. A humildade da ancilla Domini (Lc 1, 38), da escrava do Senhor, é a razão pela qual a invocamos como causa nostrae laetitiae, como causa da nossa alegria [...]. Maria, ao confessar-se escrava do Senhor, é feita Mãe do Verbo divino e enche-se de júbilo. Que este seu júbilo, de Mãe boa, nos contagie a todos nós: que nisto saiamos a Ela – a Santa Maria –, e assim nos pareceremos mais com Cristo”16.
(1) Sl 23, 7; Antífona de entrada da Missa do dia 22 de dezembro; (2) Lc 1, 44; (3) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 507; (4) cfr. Santa Teresa,Sexta morada, c. 10 b.; (5) João Paulo II, Angelus, 4-III-1979; (6) 1 Cor 1, 4; (7) cfr. Mt 18, 23-35; (8) João Pecci (Leão XIII), Prática da humildade, 56; (9) Santo Cura D’Ars,Sermão sobre a humildade; (10) Santo Agostinho, Sobre a virgindade, 51; (11) São Francisco de Sales, Epistolário, fragm. 17, vol. II, pág. 651; (12) Lc 14, 7 e segs.; (13) São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 131; (14) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, cfr. Caminho, n. 442; (15) Lc 22, 27; (16) Bem-aventurado Josemaría Escrivá,Amigos de Deus, n. 109.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
Generosidade e Espírito de Serviço
TEMPO DO ADVENTO. 21 DE DEZEMBRO
– Generosidade e espírito de serviço de Maria.
– Devemos imitar a Virgem Maria. Pormenores de generosidade e de espírito de serviço.
– O prêmio da generosidade.
I. NAQUELES DIAS, Maria pôs-se a caminho e foi com presteza à montanha, a uma cidade de Judá; e entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel1.
A Virgem dá-se inteiramente àquilo que Deus lhe pede. Num instante os seus planos pessoais – que certamente não lhe faltariam – ficam num canto, a fim de executar o que Deus lhe propõe. Não arranjou desculpas. Desde o primeiro momento, Jesus é o ideal único e grandioso para o qual vive.
Nossa Senhora manifestou uma generosidade ilimitada ao longo de toda a sua vida na terra. Dentre as poucas passagens do Evangelho que se referem à sua vida, duas delas nos falam diretamente da sua solicitude para com os outros: foi generosa com o seu tempo quando se dispôs a assistir sua prima Santa Isabel até que João nascesse2; preocupou-se pelo bem-estar dos outros quando interveio junto de seu Filho nas bodas de Caná3. E não nos custa pensar no muito que teriam a dizer-nos os seus conterrâneos de Nazaré sobre os incontáveis detalhes que teria para com eles na convivência diária.
A generosidade é a virtude das almas grandes, que sabem retribuir dando: Dai de graça o que de graça recebestes4.
Um homem generoso sabe dar carinho, compreensão, ajudas materiais..., e não exige em troca que lhe queiram bem, que o compreendam e ajudem. Dá e esquece que deu. Essa é toda a sua riqueza. Um homem assim compreendeu que é melhor dar do que receber5. Descobriu que amar “é essencialmente entregar-se aos outros. Longe de ser uma inclinação instintiva, o amor é uma decisão consciente da vontade de ir em direção aos outros. Para podermos amar de verdade, convém desprender-nos de todas as coisas e, sobretudo, de nós mesmos, e dar gratuitamente... Este desfazer-nos de nós mesmos [...] é fonte de equilíbrio. É o segredo da felicidade”6.
Quem dá dilata o seu coração e torna-o mais jovem, com maior capacidade de amar. O egoísmo empobrece, reduz os horizontes. Quanto mais damos, mais nos enriquecemos.
Suplicamos hoje à Virgem Maria que nos ensine a ser generosos, em primeiro lugar com Deus, e depois com os outros, com aqueles que convivem ou trabalham conosco, com aqueles com quem nos encontramos nas diversas circunstâncias da vida. Que saibamos dar-nos aos outros na vida ordinária de cada dia.
II. SE PERCEBERMOS que, apesar da nossa luta, ainda estamos dominados pelo egoísmo, olhemos hoje para Nossa Senhora a fim de imitá-la na sua generosidade e assim podermos sentir a alegria de nos darmos e de dar. Temos de entender melhor que a generosidade enriquece e dilata o coração; o egoísmo, pelo contrário, é como um veneno que nos destrói com toda a certeza, ainda que às vezes lentamente.
Junto de Maria, compreendemos que Deus nos fez para que nos entreguemos à sua vontade, e que, de cada vez que nos “poupamos” para os nossos planos e para as nossas coisas à margem dEle, morremos um pouco. “O Reino de Deus não tem preço e, no entanto, custa exatamente tudo o que tens [...]. A Pedro e André, custou-lhes o abandono de uma barca e umas redes; à viúva, duas moedinhas de prata...”7 Tudo o que tinham, tal como no nosso caso.
O que é “nosso” salva-se precisamente quando o entregamos. “A tua barca – os teus talentos, as tuas aspirações, as tuas realizações – não serve para nada se não a colocas à disposição de Cristo, se não lhe permites entrar nela com liberdade, se a convertes num ídolo. Tu sozinho, com a tua barca, se prescindes do Mestre, falando sobrenaturalmente, caminhas em linha reta para o naufrágio. Só se admites, se procuras a presença e o governo do Senhor, estarás a salvo das tempestades e dos reveses da vida. Coloca tudo nas mãos de Deus: que os teus pensamentos, as boas aventuras da tua imaginação, as tuas ambições humanas nobres, os teus amores limpos, passem pelo coração de Cristo. De outro modo, cedo ou tarde irão a pique com o teu egoísmo”8.
Cada um de nós, onde e como Deus o chamar, deve fazer como aquela mulher de Betânia que mostra o seu grande amor pelo Senhor quebrando um frasco de nardo puro de grande preço9. É a demonstração externa do seu grande amor pelo Senhor. Esta mulher não quer reservar nada, nem para si nem para ninguém. É um gesto de doação sem reservas, de profunda ternura por Cristo. E a casa encheu-se da fragrância do perfume. De nós ficarão também as demonstrações de amor e de entrega a Cristo. Só isso. O resto ir-se-á perdendo e passará como passam as águas de um rio.
A generosidade com Deus deve manifestar-se na generosidade com os outros: O que fizestes a um destes, a mim o fizestes10.
É próprio da generosidade saber esquecer prontamente as pequenas ofensas que se podem produzir no convívio diário; sorrir e tornar a vida mais amável aos outros, ainda que se esteja passando por um mau momento; julgar os outros com uma medida ampla e compreensiva; antecipar-se a executar os serviços menos agradáveis que surgem na vida do lar e no trabalho; aceitar os outros tal como são, sem reparar excessivamente nos seus defeitos; fazer um pequeno elogio que muitas vezes pode causar um grande bem; dar um tom positivo à nossa conversa e, se for caso disso, a alguma correção que devamos fazer; evitar a crítica negativa, freqüentemente inútil e injusta; abrir horizontes – humanos e sobrenaturais – aos nossos amigos, etc. E sobretudo facilitar àqueles que nos rodeiam o caminho para que se aproximem mais de Cristo. É o melhor que podemos dar.
Todos os dias temos um tesouro para distribuir. Se não o damos, perdemo-lo; se o distribuímos, o Senhor multiplica-o. Quando permanecemos atentos, quando contemplamos a vida de Cristo, Ele nos faz descobrir ocasiões de servir voluntariamente onde talvez poucos o queiram fazer. Como Jesus na Última Ceia, que lavou os pés dos seus discípulos11, não recuamos diante dos trabalhos mais incômodos, que são com freqüência os mais necessários, e assumimos as ocupações menos gratas. Compreendemos que as ocasiões de servir se tornam realidade mediante o sacrifício, como fruto de uma atitude interior de abnegação e renúncia; percebemos que, para encontrar essas oportunidades de servir, é necessário buscá-las: pensando no modo de ser daqueles que convivem ou trabalham conosco, nas coisas de que necessitam e em que lhes podemos ser úteis. O egoísta, que passa o dia longe de Deus, só tem olhos para as suas próprias necessidades e os seus caprichos.
A Virgem Maria não só foi sumamente generosa com Deus, mas também com todas as pessoas com as quais se relacionou na sua vida terrena. Também dela se pode dizer que passou fazendo o bem12. Deveria poder-se dizer o mesmo de cada um de nós.
III. O SENHOR RECOMPENSA aqui, e depois no Céu, as nossas manifestações, sempre pobres, de generosidade. Mas sempre ultrapassando todas as medidas. “O Senhor é tão agradecido que não deixa sem prêmio um simples levantar de olhos com que nos lembramos dEle”13.
A Sagrada Escritura oferece-nos múltiplos testemunhos da generosidade sobrenatural de Deus em resposta à generosidade do homem. A viúva de Sarepta dá ao profeta Elias um punhado de farinha... e um pouco de azeite14, e recebe farinha e azeite inesgotáveis. A viúva do Templo desprende-se de duas pequenas moedas, e Jesus comenta: Lançou no tesouro mais do que todos15. O servo que procurou fazer render os talentos recebidos ouvirá da boca do Senhor: Já que foste fiel no pouco, receberás o governo de dez cidades16.
Um dia Pedro disse a Jesus: Eis que nós deixamos tudo e te seguimos. E Jesus respondeu-lhe: Em verdade vos digo que não há ninguém que tenha deixado casa, mulher, irmãos, pais ou filhos por amor ao reino de Deus, que não receba muito mais já neste mundo e, no século futuro, a vida eterna17.
Quem tem em conta até a menor das nossas ações, como poderá esquecer a fidelidade de um dia após outro? Quem multiplicou pães e peixes por causa de uma multidão que o seguia por uns dias, que não fará pelos que tiverem deixado tudo para segui-lo sempre? Se estes algum dia vierem a necessitar de uma graça especial, como é que Jesus poderá negar-se a socorrê-los? Ele é bom pagador.
O Senhor dá o cêntuplo por cada coisa que deixamos por amor dEle. Além disso, quem o segue desse modo não só se enriquece cem vezes mais nesta vida, mas está predestinado. No fim, ouvirá a voz de Jesus, a quem serviu ao longo da sua vida: “Vem, bendito de meu Pai, ao céu que te havia prometido”18. Ouvir estas palavras de boas-vindas no limiar da eternidade já terá compensado toda a nossa generosidade.
Entra-se na eternidade pelas mãos de Jesus e de Maria.
(1) Lc 1, 39-40; Evangelho da Missa do dia 21 de dezembro; (2) Lc 1, 31; (3) Jo 2, 1 e segs.; (4) Mt 10, 8; (5) At 20, 35; (6) João Paulo II, Alocução, 1-VI-1980; (7) São Gregório Magno, Homilia 5 sobre os Evangelhos; (8) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 21; (9) Jo 12, 3; (10) Mt 25, 40; (11) cfr. Jo 13, 4-17; (12) At 10, 38; (13) Santa Teresa, Caminho de perfeição, 23, 3; (14) 1 Re 17, 10 e segs.; (15) Mc 12, 38; (16) Lc 19, 16-17; (17) Lc 18, 28-30; (18) cfr. Mt 25, 34.
Fonte: livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal.
A Vocação de Maria. A Nossa Vocação
TEMPO DO ADVENTO. 20 DE DEZEMBRO
– A Virgem, escolhida desde a eternidade.
– A nossa vocação. Correspondência.
– Imitar a Virgem Maria no seu espírito de serviço.
I. ESTAMOS já muito perto do Natal. Vai cumprir-se a profecia de Isaías: Eis que uma Virgem conceberá e dará à luz um Filho, e chamar-se-á Emanuel, que significa “Deus conosco”1.
O povo hebreu estava familiarizado com as profecias que apontavam a descendência de Jacó, através de Davi, como portadora das promessas messiânicas. Mas não podia imaginar que o Messias havia de ser o próprio Deus feito homem.
Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher2. E esta mulher, escolhida e predestinada desde toda a eternidade para ser a Mãe do Salvador, tinha consagrado a Deus a sua virgindade, renunciando à honra de contar o Messias entre a sua descendência direta. Desde a eternidade eu fui predestinada – diz o livro dos Provérbios, prefigurando já Nossa Senhora –,desde as origens, antes de que a terra existisse3.
São muitos os frutos que podemos obter nestes dias de um trato mais íntimo com a Virgem e do amor por Ela. Ela própria nos diz: Cresci como a vinha de frutos de agradável odor, e minhas flores são frutos de glória e abundância. Eu sou a mãe do puro amor, do temor, da ciência e da santa esperança. Vinde a mim, todos os que me desejais com ardor, e enchei-vos dos meus frutos; pois o meu espírito é mais doce que o mel, e a minha posse mais suave que o favo4. Nossa Senhora aparece como a Mãe virginal do Messias, que dará todo o seu amor a Jesus, com um coração indiviso, como protótipo da entrega que o Senhor pedirá a muitos.
Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o Arcanjo Gabriel a Nazaré, onde a Virgem vivia. A piedade popular apresenta Maria recolhida em oração enquanto escuta, atentíssima, o desígnio de Deus sobre Ela, a notícia da sua vocação: Ave, cheia de graça, diz-lhe o Anjo5, como lemos no Evangelho da Missa de hoje.
E a Virgem Maria dá o seu pleno assentimento à vontade divina: Faça-se em mim segundo a tua palavra6. A partir desse momento, aceita e começa a realizar a sua vocação, que era a de ser Mãe de Deus e Mãe dos homens.
O centro da humanidade, sem sabê-lo, encontra-se na pequena cidade de Nazaré. Ali está a mulher mais amada de Deus, Aquela que é também a mais amada do mundo, a mais invocada de todos os tempos. Na intimidade do nosso coração, dizemos-lhe agora na nossa oração pessoal: Mãe! Bendita sois vós entre as mulheres!
Em função da sua Maternidade, Maria foi enriquecida de todas as graças e privilégios que a fizeram digna morada do Altíssimo. Deus escolheu a sua Mãe e pôs nela todo o seu Amor e Poder. Não permitiu que fosse tocada pelo pecado: nem pelo original nem pelo pessoal. Foi concebida imaculada, sem mancha alguma. E foi cumulada de tantas graças “que abaixo de Deus não se poderia conceber ninguém maior”7. A sua dignidade é quase infinita.
Todos os privilégios e todas as graças lhe foram dadas para levar a bom termo a sua vocação. Como em qualquer pessoa, a vocação foi o momento central da sua vida: Maria nasceu para ser a Mãe de Deus, escolhida pela Trindade Santíssima desde toda a eternidade.
É também Mãe dos homens, e nestes dias queremos recordar-lhe isso muitas vezes. Com uma oração antiga, que fazemos nossa, podemos dizer-lhe: Lembrai-vos, ó Virgem Mãe de Deus, quando estiverdes na presença do Senhor, de lhe dizer coisas boas de mim.
II. A VOCAÇÃO é também em cada um de nós o ponto central da nossa vida. Tudo ou quase tudo depende de conhecermos e cumprirmos aquilo que Deus nos pede. Seguir e amar a vocação a que Deus nos chamou é a coisa mais importante e mais alegre da vida.
Mas, apesar de a vocação ser a chave que abre as portas da felicidade verdadeira, há os que não querem conhecê-la; preferem fazer a sua própria vontade ao invés da Vontade de Deus; preferem ficar numa ignorância culposa, ao invés de procurarem com toda a sinceridade o caminho em que serão felizes, em que alcançarão com segurança o Céu e farão felizes muitas outras pessoas.
Hoje como ontem, o Senhor dirige chamadas particulares a alguns homens e mulheres. Necessita deles. Além disso, chama-nos a todos com uma vocação santa, a fim de que o sigamos numa vida nova cujo segredo só Ele possui: Se alguém quiser vir após mim...8 Todos recebemos pelo batismo uma vocação que nos convida a procurar a Deus em plenitude de amor. “Porque a vida comum e normal, aquela que vivemos entre os demais concidadãos, nossos iguais, não é nenhuma coisa sem altura e sem relevo. É precisamente nessas circunstâncias que o Senhor quer que a imensa maioria dos seus filhos se santifique.
“É necessário repetir muitas e muitas vezes que Jesus não se dirigiu a um grupo de privilegiados, mas veio revelar-nos o amor universal de Deus. Todos os homens são amados por Deus, de todos espera amor. De todos. Sejam quais forem as suas condições pessoais, a sua posição social, a sua profissão ou ofício. A vida comum e vulgar não é coisa de pouco valor; todos os caminhos da terra podem ser ocasião de um encontro com Cristo, que nos chama à identificação com Ele para realizarmos – no lugar onde estivermos – a sua missão divina.
“Deus chama-nos através das vicissitudes da vida diária, no sofrimento e na alegria das pessoas com quem convivemos, nas aspirações humanas dos nossos companheiros, nos pequenos acontecimentos da vida familiar. Chama-nos também através dos grandes problemas, conflitos e tarefas que definem cada época histórica e que atraem o esforço e os ideais de grande parte da humanidade”9.
A chamada do Senhor a uma maior doação de nós mesmos pede-nos uma resposta urgente, entre outras razões porque a messe é muita e os operários poucos10. E há messes que se perdem cada dia por não haver quem as recolha.
Faça-se em mim segundo a tua palavra, diz a Virgem Maria ao Anjo11. E contemplamo-la radiante de alegria. Nós, enquanto prosseguimos a nossa oração, podemos perguntar-nos: Procuro a Deus no meu trabalho ou no meu estudo, na minha família, na rua... em tudo? Não quererá o Senhor alguma coisa mais de mim?
III. PERANTE A VONTADE DE DEUS, Maria tem uma só resposta: amá-la. Ao proclamar-se escrava do Senhor, aceita os desígnios divinos sem limitação alguma. Avaliaremos melhor em toda a sua força e profundidade essa expressão de Maria se pensarmos no que era a escravidão que estava então plenamente vigente. Pode-se dizer que o escravo não tinha vontade própria, nem outro querer fora do querer do seu amo. A Virgem Maria aceita com extrema alegria não ter outra vontade senão a do seu Amo e Senhor. Entrega-se a Deus sem limitação alguma, sem impor condições.
À imitação de Nossa Senhora, não queiramos ter outra vontade e outros planos a não ser os de Deus. E isso tanto em coisas transcendentais para nós – a nossa vocação – como nas pequenas coisas diárias do nosso trabalho, família, relações sociais.
Um dos mistérios do Advento é o que contemplamos no segundo mistério gozoso do Santo Rosário: a Visitação. Mas reparemos num aspecto concreto do serviço aos outros que se inclui nessa cena: a ordem com que devemos viver a caridade. A delicada visita da nossa Mãe à sua prima Santa Isabel é também uma manifestação dessa ordem na caridade. Devemos amar a todos, porque todos são ou podem ser filhos de Deus, nossos irmãos; mas devemos amar em primeiro lugar os que estão mais perto de nós, aqueles a quem nos unem laços especiais: a nossa família. Esta ordem deve estender-se também às obras, não apenas ao afeto. Pensemos agora no relacionamento com a nossa família, nas mil oportunidades que nos oferece de praticar a caridade e o espírito de serviço de um modo natural.
Queremos viver estes dias do Advento com o mesmo espírito com que os viveu a nossa Mãe. Apoiados na sua entrega humilde a Deus, peçamos-lhe como bons filhos que não nos falte com a sua ajuda, para que, quando o Senhor vier, encontre o nosso coração preparado e sem reservas, dócil aos seus preceitos, aos seus conselhos, às suas inspirações.
“Supliquemos hoje a Santa Maria que nos torne contemplativos, que nos ensine a compreender as chamadas contínuas que o Senhor nos dirige, batendo à porta do nosso coração. Peçamos-lhe: Mãe nossa, tu, que trouxeste à terra Jesus, por quem nos é revelado o amor do nosso Pai-Deus, ajuda-nos a reconhecê-lo no meio das ocupações de cada dia; sacode a nossa inteligência e a nossa vontade, para que saibamos escutar a voz de Deus, o impulso da graça”12.
(1) Is 7, 14; Primeira leitura da Missa do dia 20 de dezembro; (2) Gál 4, 4; (3) Prov 8, 23-31; (4) Eclo 24, 23-24; (5) Lc 1, 28-33; (6) Lc 1, 38; (7) Pio XI, Bula Ineffabilis Deus; (8) Mt 16, 24; (9) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 110; (10) cfr. Mt 9, 37; (11) Lc 1, 38; (12) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 174.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
Infância Espiritual
TEMPO DO ADVENTO. 19 DE DEZEMBRO
– Fazer-se como criança diante de Deus.
– Infância espiritual e filiação divina. Humildade e abandono em Deus.
– Virtudes próprias deste caminho de infância: docilidade e simplicidade.
I. DIZ-NOS SÃO MARCOS que apresentaram a Jesus umas crianças para que lhes impusesse as mãos; porém, os discípulos as repreendiam1. Junto destas crianças podemos ver as suas mães, que as empurram suavemente para diante. Jesus devia criar à sua volta um clima de bondade e de simplicidade atraente. Estas mulheres sentem-se felizes de que Jesus imponha as mãos sobre os seus filhos e os tenha perto de si.
A disputa entre essas mulheres e os discípulos, que queriam manter uma certa ordem, é o prólogo de um ensinamento profundo de Cristo. No braço-de-ferro entre as mães e os discípulos, Jesus põe-se do lado das mães. Ele sente-se feliz entre os pequeninos: Deixai vir a mim as criancinhas e não as estorveis, diz-lhes, porque delas é o Reino de Deus. Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança não entrará nele. E abraçando-as, abençoou-as, impondo-lhes as mãos2. As crianças e suas mães haviam ganho a disputa: naquele dia, regressaram satisfeitíssimas a suas casas.
Devemos aproximar-nos de Belém com as disposições das crianças: com simplicidade, sem preconceitos, com a alma aberta de par em par. Mais ainda, é necessário que nos façamos como crianças para entrar no Reino dos céus: Se não vos converterdes e vos fizerdes como crianças, não entrareis no Reino dos céus3, dirá o Senhor em outra ocasião, enquanto chama um garotinho e o coloca diante de todos.
O Senhor não recomenda a puerilidade, mas a inocência e a simplicidade. Vê nas crianças traços e atitudes essenciais para entrarmos no reino da fé e alcançarmos o Céu.
A criança não tem nenhum sentimento de auto-suficiência; precisa constantemente de seus pais, e sabe disso; é fundamentalmente um ser necessitado. Assim deve ser o cristão diante de seu Pai-Deus: um ser que é todo ele necessidade.
A criança vive em plenitude o presente e nada mais; a doença do adulto é a excessiva inquietação pelo “amanhã”, que o leva a deixar vazio o “hoje”, quando era o “hoje” que deveria viver com toda a intensidade.
Com o seu gesto para com as crianças, Jesus quer mostrar-nos o caminho da infância espiritual, a fim de que nos abramos inteiramente a Deus e sejamos eficazes na ação apostólica: “Ser pequeno. As grandes audácias são sempre das crianças. – Quem pede... a lua? – Quem não repara nos perigos, ao tratar de conseguir o seu desejo? – «Colocai» numa criança «dessas» muita graça de Deus, o desejo de fazer a Vontade dEle, muito amor a Jesus, toda a ciência humana que a sua capacidade lhe permita adquirir... e tereis retratado o caráter dos apóstolos de hoje, tal como indubitavelmente Deus os quer”4.
II. POUCOS DIAS antes da Paixão, os príncipes dos sacerdotes e os escribas, vendo os milagres que fazia e as crianças que o aclamavam [...], indignaram-se e disseram-lhe: Ouves o que estes dizem? Respondeu-lhes Jesus: Nunca lestes: da boca dos meninos e das crianças de peito fizeste sair o perfeito louvor?5
Ao longo de todo o Evangelho, encontramos este mesmo pensamento: o Senhor escolhe o que é pequeno para confundir o que é grande; abre a boca dos que sabem menos e fecha a dos que pareciam sábios. Jesus aceita, pois, abertamente a confissão messiânica daquelas crianças; são elas que vêem com clareza o mistério de Deus ali presente. Só se pode receber o Reino de Deus com essa atitude.
Nós, cristãos, devemos reconhecer Jesus Messias na gruta de Belém, e devemos fazê-lo com o espírito, a simplicidade e a audácia das crianças: “Menino: inflama-te em desejos de reparar as enormidades da tua vida de adulto”6. Essas “enormidades” são as que fomos cometendo sempre que, pela dureza do nosso coração, perdemos a simplicidade interior e a visão clara de Jesus Cristo, e deixamos de louvá-lo quando Ele mais esperava a nossa confissão de fé aberta, no meio de um ambiente de tanta incompreensão pelas coisas de Deus.
Fazer-nos interiormente crianças, sendo adultos, pode ser uma tarefa custosa: requer energia e firmeza de vontade, bem como um grande abandono em Deus. Este abandono, que traz consigo uma imensa paz, só se consegue quando se fica indefeso diante do Senhor.
“Fazer-se criança: renunciar à soberba, à auto-suficiência; reconhecer que, sozinhos, nada podemos, porque necessitamos da graça, do poder do nosso Pai-Deus para aprender a caminhar e para perseverar no caminho. Ser criança exige abandonar-se como se abandonam as crianças, crer como crêem as crianças, pedir como pedem as crianças”7.
III. ESTA VIDA DE INFÂNCIA é possível quando temos plena consciência da nossa condição de filhos de Deus. O mistério da filiação divina, fundamento da nossa vida espiritual, é uma das conseqüências da Redenção. Nós somos já agora filhos de Deus8, e é muito importante que nos apercebamos desta realidade maravilhosa, para podermos tratar a Deus com espírito filial, de bons filhos.
A adoção divina implica uma transformação que ultrapassa de longe a simples adoção humana: “Por meio do dom da graça, Deus torna o homem que adota idôneo para receber a herança celestial; o homem, pelo contrário, não torna idôneo aquele que adota, mas escolhe para adotar aquele que já era idôneo”9. Procuremos ser dignos de tal herança e ter para com Deus uma piedade filial, terna e sincera.
O caminho da infância espiritual leva a uma confiança sem limites em Deus nosso Pai. Numa família, o pai interpreta para o filho pequeno o mundo exterior. Numa família, o menino sente-se fraco, mas sabe que seu pai o defenderá e por isso vive e caminha confiante. Numa família, a criança sabe que junto de seu pai nada lhe pode faltar, nada de mau lhe pode acontecer. Numa família, a alma e a mente da criança estão abertas sem preconceitos nem receios à voz de seu pai, pois sabe que, ainda que tenham zombado dela, quando seu pai chega a casa, nunca se ri dela, porque a compreende.
As crianças não se interessam em averiguar se estão ou não caindo no ridículo, coisa que no adulto paralisa tantos empreendimentos; nem têm esses temores e falsos respeitos humanos que são gerados pela soberba e pela preocupação de saber “o que dirão”.
A criança cai com freqüência, mas levanta-se com prontidão e ligeireza; quando se vive vida de infância, as próprias quedas e fraquezas são meio de santificação.
O amor de uma criança é sempre jovem, porque esquece com facilidade as experiências negativas; não as armazena no seu interior, como faz quem tem alma de adulto. “Chamam-se crianças – comenta São João Crisóstomo – não pela sua idade, mas pela simplicidade do seu coração”10.
A simplicidade é talvez a virtude que resume e coordena as demais facetas desta vida de infância que o Senhor nos pede. Devemos ser – diz São Jerônimo – “como a criança que vos proponho como exemplo: ela não pensa uma coisa e diz outra; assim deveis atuar vós também, porque, se não tiverdes essa inocência e pureza de intenção, não podereis entrar no Reino dos céus”11.
Conseqüência da vida de infância é a docilidade. “Menino: o abandono exige docilidade”12. Segundo a etimologia, é dócil quem está disposto a ser ensinado; e assim deve ser o cristão perante os mistérios de Deus e das coisas que se referem a Deus: sabe que não passa de um principiante, e por isso tem a alma aberta, sempre desejosa de conhecer a verdade e de formar-se. Quem tem alma de adulto dá por sabidas muitas coisas que na realidade desconhece; julga saber, mas ficou nas aparências, sem aprofundar nesse outro tipo de saber que influi imediatamente na conduta. Quando Deus o olha, vê-o cheio de ignorância e fechado ao verdadeiro conhecimento.
Como seria maravilhoso se um dia, crianças por fim, aprendêssemos coisas tão corriqueiras para um cristão como rezar bem o Pai-Nosso, ou participar verdadeiramente na Santa Missa, ou santificar o trabalho de cada dia, ou ver nas pessoas que nos rodeiam almas que devem ser salvas, ou... tantas coisas que damos por sabidas com demasiada freqüência!
Aprendamos a ser crianças diante de Deus. Mas lembremo-nos de que o aprendemos no convívio com Maria. “Porque Maria é Mãe, a sua devoção nos ensina a ser filhos: a amar deveras, sem medida; a ser simples, sem essas complicações que nascem do egoísmo de pensarmos só em nós; a estar alegres, sabendo que nada pode destruir a nossa esperança. O princípio do caminho que leva à loucura do amor de Deus é um amor confiado a Maria Santíssima”13.
(1) Mc 10, 13; (2) Mc 10, 14-16; (3) Mt 18, 3; (4) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 857; (5) Mt 21, 15-16; (6) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 861; (7) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 143; (8) 1 Jo 3, 2; (9) São Tomás, Suma Teológica, 3, q. 23, a. 1, c.; (10) São João Crisóstomo, em Catena Aurea, vol. III, pág. 20; (11) São Jerônimo, Comentário ao Evangelho de São Mateus, 3, 18, 4; (12) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 871; (13) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 143.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
A Virgindade de Maria. A nossa Pureza
TEMPO DO ADVENTO. 18 DE DEZEMBRO
– Virgindade, celibato apostólico e matrimônio.
– A santa pureza na vida matrimonial e fora dela. Os frutos desta virtude. A pureza, necessária para amar.
– Meios para viver esta virtude.
I. A VIRGINDADE DE MARIA é um privilégio intimamente unido ao da Maternidade divina e harmoniosamente relacionado com a Imaculada Conceição e a Assunção gloriosa. Maria é a Rainha das virgens: “A dignidade virginal começou com a Mãe de Deus”1. A Virgem Maria é o exemplo cabal de uma vida dedicada inteiramente a Deus.
A renúncia ao amor humano por amor a Deus é uma graça divina que impele a entregar o corpo e a alma ao Senhor, com todas as possibilidades que o coração encerra. Deus passa a ser então o único destinatário desse amor que não se compartilha. O coração encontra nEle a sua plenitude e perfeição, sem que se interponha nenhum amor terreno. E o Senhor concede aos que chama a esse caminho um coração maior para amarem nEle todas as criaturas.
A vocação para o celibato apostólico – por amor ao Reino dos céus2 – é uma graça especialíssima e um dos maiores dons de Deus à sua Igreja. “A virgindade – diz João Paulo II – mantém viva na Igreja a consciência do mistério do matrimônio e defende-o de toda a redução ou empobrecimento. Tornando especialmente livre o coração do homem (cfr. 1 Cor 7, 32) [...], a virgindade dá testemunho de que o Reino de Deus e a sua justiça são a pérola preciosa que se deve preferir a qualquer outro valor, por maior que seja; mais ainda, que deve ser procurada como o único valor definitivo. Por isso a Igreja, ao longo de toda a sua história, sempre sustentou a superioridade deste carisma sobre o matrimônio, devido ao vínculo singular que o liga ao Reino de Deus. Mesmo tendo renunciado à fecundidade física, a pessoa virgem torna-se espiritualmente fecunda, pai e mãe de muitos, cooperando para a realização da família segundo o desígnio de Deus”3.
Àqueles que são chamados, por uma vocação divina específica, a renunciar ao amor humano, Deus pede-lhes todo o afeto do coração, e faz com que encontrem nEle a plenitude do amor e da vida afetiva.
Viver a virgindade e o celibato apostólico significa viver a perfeição do amor, pois “dão à alma, ao coração e à vida externa de quem os professa aquela liberdade de que o apóstolo tanto necessita para poder dedicar-se ao bem das outras almas.
Esta virtude, que torna os homens espirituais e fortes, livres e ágeis, habitua-os ao mesmo tempo a ver à sua volta almas e não corpos, almas que esperam luz das suas palavras e da sua oração, bem como a caridade do seu tempo e do seu afeto. Devemos amar muito o celibato e a castidade perfeita, porque são provas concretas e tangíveis do nosso amor a Deus e, ao mesmo tempo, fontes que nos fazem crescer continuamente nesse amor”4. “A virgindade e o celibato apostólico não só não contradizem como pressupõem e confirmam a dignidade do matrimônio”5.
A Igreja necessita sempre de pessoas que entreguem o seu coração indiviso ao Senhor como hóstia viva, santa, agradável a Deus6. A Igreja necessita também de famílias santas, de lares cristãos que sejam verdadeiro fermento de Cristo e forjem no seu seio muitas vocações de entrega plena a Deus.
II. TANTO PARA OS SOLTEIROS como para os casados, a virgindade de Maria é também um apelo à santa pureza, indispensável para que possamos contemplar a Deus e servir os nossos irmãos, os homens. Talvez esta virtude choque frontalmente com o ambiente e seja mal entendida ou mesmo combatida por muitas pessoas a quem o materialismo cegou. Mas é-nos absolutamente necessária até para sermos um pouco mais humanos e podermos olhar para Deus.
O Espírito Santo exerce uma ação especial na alma que vive a castidade com delicadeza. A santa pureza produz muitos frutos na alma: dilata o coração e facilita o desenvolvimento normal da afetividade; gera uma alegria íntima e profunda, mesmo no meio das contrariedades; possibilita a ação apostólica; fortalece o caráter diante das dificuldades; torna-nos mais humanos, aumentando a nossa capacidade de entender e compadecer-nos dos problemas alheios.
A impureza provoca insensibilidade no coração, aburguesamento e egoísmo, pois torna o homem incapaz de amar e cria nele um clima propício para que surjam na sua alma, como ervas ruins, todos os vícios e deslealdades.
“Olhai que quem está podre, pela concupiscência da carne, espiritualmente não consegue andar, é incapaz de uma obra boa, é um aleijado que permanece jogado a um canto como um trapo. Não vistes esses pacientes atacados de paralisia progressiva, que não conseguem valer-se nem pôr-se de pé? Às vezes, nem sequer mexem a cabeça. É o que acontece no terreno sobrenatural com os que não são humildes e se entregaram covardemente à luxúria. Não vêem, nem ouvem, nem entendem nada. Estão paralíticos e como que enlouquecidos. Cada um de nós deve invocar o Senhor, a Mãe de Deus, e suplicar-lhes que nos concedam a humildade e a decisão de aproveitar com piedade o divino remédio da Confissão”7.
Na nossa oração de hoje, pedimos ao Senhor que tenha misericórdia de nós e nos ajude a ser mais delicados com Ele: “Jesus, guarda o nosso coração! Um coração grande, e forte, e terno, e afetuoso, e delicado, transbordante de caridade para contigo, a fim de servirmos a todas as almas”8.
III. PODEMOS OFERECER neste dia à Virgem Maria a entrega do nosso coração e uma luta mais delicada por viver a virtude da santa pureza, que lhe é tão especialmente grata e que cumula de tantos frutos a nossa vida interior e a nossa ação apostólica.
A Igreja sempre ensinou que, com a ajuda da graça e, especialmente neste caso, com a ajuda dos sacramentos da Eucaristia e da Penitência, é possível viver esta virtude em todos os momentos e circunstâncias da vida, se se empregam os meios adequados. “Que queres que façamos? Que subamos a um monte e nos tornemos monges?”, perguntavam a São João Crisóstomo. E ele respondia: “Isso que dizeis é o que me faz chorar: que penseis que a modéstia e a castidade são próprias só dos monges. Não. Cristo estabeleceu leis comuns para todos. E assim, quando falava daquele que olha uma mulher para desejá-la (Mt 5, 28), não se dirigia ao monge, mas ao homem da rua...”9
A santa pureza exige uma conquista diária, porque não se adquire de uma vez para sempre. E pode haver épocas em que a luta seja mais intensa e haja que recorrer com mais freqüência à Santíssima Virgem e lançar mão de algum meio extraordinário.
Para alcançarmos esta virtude, é necessário em primeiro lugar que sejamos humildes, o que tem como manifestação clara e imediata a sinceridade nas nossas conversas com quem orienta a nossa alma. A própria sinceridade conduz à humildade. “Lembrai-vos daquele pobre endemoninhado que os discípulos não conseguiram libertar; só o Senhor lhe obteve a liberdade, com oração e jejum. Naquela ocasião, o Mestre fez três milagres: primeiro, que aquele homem ouvisse, porque, quando se está dominado pelo demônio mudo, a alma nega-se a ouvir; segundo, que falasse; e terceiro, que o diabo se retirasse”10.
Outro dos meios para cuidarmos desta virtude são as pequenas mortificações habituais, que facilitam o domínio do corpo. “Se queremos guardar a mais bela de todas as virtudes, que é a castidade, devemos saber que ela é uma rosa que somente floresce entre espinhos; e, portanto, só a encontraremos, como todas as outras virtudes, numa pessoa mortificada”11.
“Cuidai da castidade com esmero, e também dessas outras virtudes que formam o seu cortejo – a modéstia e o pudor –, que vêm a ser como que a sua salvaguarda. Não passeis levianamente por cima dessas normas que são tão eficazes para nos conservarmos dignos do olhar de Deus: a guarda atenta dos sentidos e do coração; a valentia – a valentia de ser covarde– para fugir das ocasiões; a freqüência dos sacramentos, de modo particular a Confissão sacramental; a sinceridade plena na direção espiritual pessoal; a dor, a contrição, a reparação depois das faltas. E tudo ungido com uma terna devoção a Nossa Senhora, para que Ela nos obtenha de Deus o dom de uma vida santa e limpa”12.
Trazemos este grande tesouro da pureza em vasos de barro, instáveis e quebradiços; mas temos todas as armas para vencer e para que, com o tempo, esta virtude vá ganhando maior delicadeza, isto é, maior ternura para com o Senhor. “Terminamos estes minutos de conversa, em que tu e eu fizemos a nossa oração ao nosso Pai, pedindo-lhe que nos conceda a graça de vivermos essa afirmação gozosa que é a virtude cristã da castidade. Pedimo-lo por intercessão de Santa Maria, que é a pureza imaculada. Recorremos a Ela – tota pulchra!, toda formosa – com um conselho que eu dava há muitos anos aos que se sentiam intranqüilos na sua luta diária por ser humildes, limpos, sinceros, alegres, generosos: Todos os pecados da tua vida parecem ter-se posto de pé. – Não desanimes. – Pelo contrário, chama por tua Mãe, Santa Maria, com fé e abandono de criança. Ela trará o sossego à tua alma”13.
(1) Santo Agostinho, Sermão 51; (2) Mt 19, 12; (3) João Paulo II, Exortação apostólica Familiaris consortio, 16; (4) Salvador Canals, Reflexões espirituais, págs. 70-71; (5) cfr. João Paulo II, Exortação apostólica Familiaris consortio, 16; (6) Rom 12, 2; (7) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 181; (8) ibid., n. 177; (9) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 7, 7; (10) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 188; (11) Santo Cura d’Ars, Sermão sobre a penitência; (12) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 185; (13) ibid., n. 189.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
O Natal, junto de São José
TEMPO DO ADVENTO. 17 DE DEZEMBRO
– A missão de José.
– O relacionamento de José com Jesus.
– Recorrer a José para que nos ensine a viver junto de Maria e de Jesus.
I. JACÓ GEROU JOSÉ, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo1. O Evangelho da Missa apresenta-nos hoje a genealogia de Jesus pelo lado de José. Entre os judeus, como entre todos os povos de origem nômade, a árvore genealógica tinha uma importância fundamental. A pessoa estava ligada e era conhecida principalmente pelo clã ou tribo a que pertencia, mais do que pelo lugar onde morava2. No caso do povo judeu, a importância era ainda maior, pois disso dependia que se pertencesse ou não ao Povo eleito pelo vínculo do sangue.
Tal como Maria, José era da casa e da família de Davi3, da qual nasceria o Messias, segundo havia sido prometido por Deus: Suscitarei da tua posteridade, depois de ti, aquele que sairá das tuas entranhas, e firmarei o seu reino. Ele me construirá um templo, e eu estabelecerei o seu trono para sempre4. Assim, Jesus, que herdara o sangue de Davi pelo lado materno, foi recenseado na casa real por meio de José, pois “Aquele que veio ao mundo devia ser recenseado segundo os usos do mundo”5.
Deus previra que o seu Filho nascesse numa família como as outras, pois a vida de Jesus tinha que ser igual à dos demais homens: devia assim nascer indefeso e, portanto, necessitado de um pai que o protegesse e que lhe ensinasse o que todo o pai ensina aos seus filhos.
Foi no cumprimento dessa missão de protetor de Maria e de pai de Jesus que esteve toda a essência e o sentido último da vida de José. Veio ao mundo para fazer as vezes de pai de Jesus e de esposo castíssimo de Maria, da mesma forma que cada homem vem ao mundo com uma missão peculiar, confiada por Deus, que fundamenta todo o sentido da sua vida. Quando o Anjo lhe revelou o mistério da concepção virginal de Jesus, José aceitou plenamente a sua missão, e a ela permaneceria fiel até à morte. Toda a sua glória e toda a sua felicidade consistiram em ter sabido entender o que Deus queria dele e em tê-lo realizado fielmente até o fim.
Hoje, na nossa oração, contemplamo-lo junto à Virgem Maria, que está prestes a dar à luz o seu Filho Unigênito. E fazemos o propósito de viver este Natal ao lado de José: um lugar tão discreto e ao mesmo tempo tão privilegiado. “Que bom é José! Trata-me como um pai a seu filho. Até me perdoa se tomo o Menino em meus braços e fico, horas e horas, dizendo-lhe coisas doces e ardentes!...”6
II. “A SÃO JOSÉ – diz Santo Agostinho num sermão – não só se deve o nome de pai, como se deve mais a ele do que a qualquer outro”7. E acrescenta a seguir: “Como era pai? Tanto mais profundamente pai quanto mais casta foi a sua paternidade. Alguns pensavam que era pai de Nosso Senhor Jesus Cristo tal como são pais os outros, os que geram segundo a carne [...]. Por isso diz São Lucas: Pensava-se que era pai de Jesus. Por que diz apenas que se pensava? Porque o pensamento e o juízo humanos se referem àquilo que costuma acontecer entre os homens. E o Senhor não nasceu do germe de José. Mas à piedade e à caridade de José nasceu um filho da Virgem Maria, que era Filho de Deus”8.
Foi muito grande o amor de José por Maria. “Devia amá-la muito e com grande generosidade quando, sabendo do seu desejo de manter a consagração que havia feito a Deus, aceitou desposá-la, preferindo renunciar a ter descendência a viver separado daquela a quem tanto amava”9. O seu amor foi limpo, delicado, profundo, sem mistura de egoísmo, respeitoso. E o próprio Deus selou definitivamente a sua união com Maria (já estavam unidos pelos esponsais e, por isso, o anjo lhe dissera: Não temas receber Maria, tua esposa) mediante um novo vínculo ainda mais forte, que era o comum destino na terra de cuidarem juntos do Messias.
Como seria o relacionamento de José com Jesus? “José amou Jesus como um pai ama o seu filho, dando-lhe tudo o que tinha de melhor. Cuidou daquele Menino como lhe tinha sido ordenado, e fez dele um artesão: transmitiu-lhe o seu ofício. Por isso os vizinhos de Nazaré se referiam a Jesus indistintamente como faber e fabri filius (Mc 6, 8; Mt 13, 55), artesão e filho do artesão. Jesus trabalhou na oficina de José e junto de José. Como seria José, como teria atuado nele a graça, para ser capaz de desempenhar a tarefa de educar o Filho de Deus nos aspectos humanos?
“Porque Jesus devia parecer-se com José: no modo de trabalhar, nos traços do seu caráter, na maneira de falar. No realismo de Jesus, no seu espírito de observação, no seu modo de sentar-se à mesa e de partir o pão, no seu gosto por expor a doutrina de maneira concreta, tomando como exemplo as coisas da vida corrente, reflete-se o que foi a infância e a juventude de Jesus e, portanto, o seu convívio com José”10.
Unidos a José, é fácil abeirarmo-nos do Natal que se aproxima. Ele só nos pede simplicidade e humildade para podermos contemplar Maria e seu Filho. Os soberbos não têm lugar na pequena gruta de Belém.
III. “O CANSAÇO – dizia o Papa João Paulo II numa Missa de Natal – domina os corações dos homens, que adormeceram da mesma forma que, não longe do presépio, tinham adormecido os pastores nos vales de Belém. O que acontece no estábulo, na gruta da montanha, tem uma dimensão de profunda intimidade: é algo que acontece entre a Mãe e o Menino que vai nascer. Ninguém de fora pode entrar. Mesmo José, o carpinteiro de Nazaré, permanece como testemunha silenciosa. Só Maria é plenamente consciente da sua maternidade. E só Ela capta a expressão própria dos vagidos do Menino. O nascimento de Cristo é, antes de mais nada, o mistério de Maria, o seu grande dia. É a festa da Mãe”11. Só Ela penetrou realmente no mistério do Natal.
Mas se o mistério da Encarnação dizia respeito sobretudo à Mãe e ao Filho, José passou a participar dele quando o anjo lhe revelou os desígnios de Deus, tendo em vista a missão que deveria cumprir junto daqueles dois seres privilegiados12. José foi assim o primeiro, depois de Maria, a contemplar o Filho de Deus feito homem, o primeiro a experimentar a felicidade de ter nos seus braços Aquele que ele sabia ser o Messias, apesar de não se distinguir em nada de qualquer outra criança.
Depois, presenciou a chegada dos pastores, e talvez os tenha convidado a entrar sem receio e a beijar o Menino. “Viu-os aparecer na gruta ao mesmo tempo tímidos e curiosos; viu-os contemplar o Menino envolto em panos e colocado numa manjedoura (Lc 2, 12); ouviu-os explicar a Maria a aparição do anjo que lhes comunicara o nascimento do Salvador em Belém e o sinal pelo qual o conheceriam, e como uma multidão de anjos se reunira ao primeiro e glorificara a Deus e prometera na terra a paz aos homens de boa vontade [...]. Contemplou também a felicidade radiante dAquela que era a sua esposa, da maravilhosa mulher que lhe tinha sido confiada. Viu como Ela contemplava o seu Filho e alegrou-se com isso; viu a sua felicidade, o seu amor transbordante, cada um dos seus gestos, tão cheios de delicadeza e significado”13.
Se procurarmos a intimidade com José nestes poucos dias que faltam para o Natal, ele nos ajudará a contemplar esse mistério inexplicável de que foi testemunha silenciosa: a Virgem Maria com o Filho de Deus feito homem em seus braços.
São José compreendeu imediatamente que toda a razão de ser da sua vida era aquela Criança, precisamente enquanto criança, enquanto ser necessitado de ajuda e de proteção; como o era também Maria, que o próprio Deus lhe confiara para que a recebesse em sua casa e protegesse. Como Jesus agradeceria todos os cuidados e atenções de José para com Maria!
Entende-se bem que, depois da Virgem Santíssima, seja José a criatura mais cheia de graça. Por isso a Igreja lhe tributou sempre grandes louvores e a ele recorreu nas circunstâncias mais difíceis. Sancte Ioseph, ora pro eis, ora pro me! São José rogai por eles (por essas pessoas que mais amamos), rogai por mim (porque eu também necessito de ajuda). Em qualquer necessidade, o Santo Patriarca, junto com a Santíssima Virgem, atenderá as nossas súplicas. Pedimos-lhe hoje que nos faça simples de coração para sabermos como tratar Jesus Menino.
(1) Mt 1, 16; (2) cfr. Santos Evangelhos, notas a Mt 1, 1 e Mt 1, 6; (3) Lc 2, 4; (4) 2 Sam 7, 12-13; (5) Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São Lucas, 1, 3; (6) São Josemaría Escrivá, Santo Rosário, terceiro mistério gozoso, Quadrante, São Paulo; (7) Santo Agostinho, Sermão 51, 26; (8) ibid., 27-30; (9) Federico Suárez, José, esposo de Maria, Rialp, Madrid, 1982, pág. 89; (10) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 55; (11) João Paulo II, Homilia durante a Missa de Natal de 1978; (12) Federico Suárez, José, esposo de Maria, pág. 106; (13) ibid., págs. 108-109.
Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal
São João da Mata
17 de Dezembro
São João da Mata
São João da Mata é originário de Faucon, pequena cidade da Provença, na França, filho do barão Eufêmio da Mata e de Marta, descendente de uma das maiores famílias da região. Nasceu no dia 23 de junho, véspera da festa de São João Batista no ano de 1160, recebendo o nome do precursor. Desde pequeno mostrou sua preocupação para com os injustiçados. Ele chegava a dividir com os pobres todo o dinheiro que recebia dos pais para seu divertimento. Depois de tornar-se sacerdote e ter-se doutorado em teologia em Paris, procurou Félix, que vivia recluso e solitário, com o qual conviveu por três anos. Nesse período, planejaram a criação da nova Ordem e a melhor maneira de lutar pela liberdade dos cristãos, então subjugados, segregados e muitos mantidos em cativeiro.
A missão de salvar cristãos prisioneiros dos turcos foi mostrada a João da Mata em uma visão que teve ao celebrar logo a sua primeira missa. Essa foi a motivação que tornou possível a Ordem da Santíssima Trindade e da Redenção dos cativos, ou somente Padres Trinitários, como são conhecidos, que tinha como objetivo resgatar cristãos presos e mantidos como escravos pelos inimigos muçulmanos. Nessa época, o Império Otomano, dos turcos muçulmanos, dominava aquelas regiões.
A nova Congregação foi fundada em 1197 por João da Mata, com o apoio do religioso Félix de Valois, considerado seu cofundador, também celebrado pela Igreja. A autorização da Igreja veio através do papa Inocêncio III, um ano depois. Mas João, antes de procurar o auxilio de seu contemporâneo Félix, já levava uma vida social e religiosa voltada para a luta a favor dos oprimidos. Curiosamente, os primeiros membros a serem admitidos na nova ordem religiosa não foram franceses, mas os ingleses Roger Dees e João, o Inglês, e um escocês, Guilherme Scot, antigos condiscípulos de João da Mata.
Ele ergueu, então, a primeira comunidade em Cerfroi, região deserta nos arredores de Paris, que depois se tornou a Casa-mãe da Ordem dos Trinitários. De lá os sacerdotes missionários formados passaram a soltar os cativos, levando-os, em triunfo, a Paris. O próprio João da Mata organizou uma expedição à África, onde resgatou, pessoalmente, um grande número de cristãos em cativeiro. Em uma segunda viagem, caiu nas mãos dos muçulmanos, foi espancado e deixado sangrando pelas ruas de Túnis, na Tunísia.
Recuperou-se, reuniu os cristãos e os embarcou num navio que devia levá-los a Roma. O barco acabou sendo atacado, teve as velas rasgadas e o leme quebrado. Os registros e a tradição contam que João da Mata tirou o manto, rezou, transformou-o numa vela, pediu a Deus que guiasse o navio e, assim, chegaram ao porto da cidade italiana de Óstia. Depois, muitos outros cristãos foram libertados dessa maneira, na África, pelos integrantes que engrossavam a nova Congregação.
A Ordem dos Trinitários cresceu tanto que seu fundador teve de construir várias outras casas comunitárias, tamanha era a solicitação para o ingresso. João da Mata morreu santamente, no dia 17 de dezembro de 1213. O papa Inocêncio XI elevou à honra dos altares são João da Matha, cuja celebração foi estabelecida para o dia de sua morte.
Fonte: https://franciscanos.org.br