TEMPO COMUM. VIGÉSIMO SÉTIMO DOMINGO. ANO C

– Avivar continuamente o amor a Deus.
– Pedir ao Senhor uma fé firme, que influa em todas as nossas obras.
– Atos de fé.

I. A LITURGIA deste domingo centra-se na fé. Na primeira Leitura 1, o profeta Habacuc queixa-se diante do Senhor do triunfo do mal, tanto pelos pecados do povo castigado pelo invasor, como pelos escândalos deste. Até quando clamarei, Senhor? […]. Por que me fazes ver iniquidades e trabalhos, violências e catástrofes?, queixa-se o Profeta.

O Senhor responde-lhe por fim com uma visão em que o exorta à paciência e à esperança, pois chegará um dia em que os maus serão castigados: A visão ainda está longe de cumprir-se, mas por fim cumprir-se-á e não falhará; se tardar, espera, porque virá infalivelmente. Quem não tiver a alma reta sucumbirá, mas o justo viverá pela fé. Mesmo que às vezes possa parecer que o mal triunfa, e com ele os que o levam a cabo, como se Deus não existisse, a cada um chegará o seu dia, e então se verá que quem se manteve fiel ao Senhor, sendo paciente e pondo nEle a sua esperança, foi realmente vencedor.

Na segunda Leitura 2, São Paulo exorta Timóteo a permanecer firme na vocação recebida e a encher-se de fortaleza para proclamar a verdade sem respeitos humanos: Aviva o fogo da graça de Deus […], porque Deus não nos deu um espírito de covardia, mas de fortaleza, caridade e temperança. Portanto, não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor nem de mim, seu prisioneiro, mas participa comigo dos trabalhos do Evangelho…

São Tomás comenta que “a graça de Deus é como um fogo, que deixa de brilhar quando é coberto pelas cinzas”; e isso acontece quando a caridade se recobre de tibieza e de respeitos humanos 3.

A fortaleza perante um ambiente adverso e a capacidade de dar a conhecer em qualquer lugar a doutrina de Cristo, de participar dos trabalhos do Evangelho, dependem da vida interior, do amor a Deus, que devemos avivar continuamente, como uma fogueira, com uma fé cada vez mais intensa. Isto é o que pedimos ao Senhor: Ó Deus eterno e todo-poderoso, que no vosso imenso amor de Pai nos concedeis mais do que merecemos e pedimos, derramai sobre nós a vossa misericórdia… 4, concedei-nos mais do que ousamos pedir 5, uma fé firme que reanime o nosso amor e nos faça superar as nossas fraquezas, a fim de sermos testemunhas vivas no lugar em que se desenvolve a nossa vida.

“Que diferença entre esses homens sem fé, tristes e vacilantes por causa da sua existência vazia, expostos como cataventos à «variabilidade» das circunstâncias, e a nossa vida confiante de cristãos, alegre e firme, maciça, por causa do conhecimento e do absoluto convencimento do nosso destino sobrenatural!” 6 Que força comunica a fé! Com ela superamos os obstáculos de um ambiente adverso e as dificuldades pessoais, que com muita freqüência são mais difíceis de vencer.

II. EXISTE UMA FÉ MORTA, que não pode salvar: é a fé sem obras 7, que se põe de manifesto em atos realizados de costas para Deus, numa falta de coerência entre aquilo que se crê e aquilo que se vive. Existe também uma “fé adormecida”, “essa forma pusilânime e frouxa de viver as exigências da fé que todos conhecemos pelo nome de tibieza. Na prática, a tibieza é a insídia mais disfarçada que se pode armar à fé de um cristão” 8.

Precisamos de uma fé firme, que nos leve a alcançar metas que estão acima das nossas forças, que aplaine os obstáculos e supere os “impossíveis” na nossa tarefa apostólica. É esta a virtude que nos dá a verdadeira dimensão dos acontecimentos e nos permite julgar retamente todas as coisas. “Só pela luz da fé e pela meditação da palavra de Deus é que se pode sempre e por toda a parte divisar Deus em quem vivemos e nos movemos e somos (At 17, 28), procurar a sua vontade em todos os acontecimentos, ver Cristo em todos os homens, sejam próximos ou estranhos, e julgar com retidão sobre o verdadeiro significado e valor das coisas temporais, em si mesmas e em relação ao fim do homem” 9.

Houve ocasiões em que Jesus chamou aos Apóstolos homens de pouca fé 10, pois não se encontravam à altura das circunstâncias. O Messias estava com eles, e no entanto tremiam de medo diante de uma tempestade no mar 11, ou preocupavam-se excessivamente com o futuro 12, quando fora o próprio Criador quem os chamara para que o seguissem. O Evangelho da Missa relata-nos que um dia os Apóstolos, conscientes da sua pouca fé, pediram a Jesus: Aumenta-nos a fé 13. O Senhor atendeu a esse pedido, pois todos eles acabaram por dar a vida em testemunho supremo da sua firme adesão a Cristo e aos seus ensinamentos. Cumpriu-se a palavra divina: Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta árvore: Arranca-te e transplanta-te para o mar, e ela vos obedecerá. A transformação das almas que conviveram com o Senhor foi um milagre ainda maior.

Nós também nos sentimos por vezes faltos de fé diante das dificuldades, da carência de meios, como os Apóstolos… Precisamos de mais fé. E ela aumenta com a petição assídua, com a correspondência às graças que recebemos, com atos de fé. “Falta-nos fé. No dia em que vivermos esta virtude – confiando em Deus e na sua Mãe –, seremos valentes e leais. Deus, que é o Deus de sempre, fará milagres por nossas mãos. – Dá-me, ó Jesus, essa fé, que de verdade desejo! Minha Mãe e Senhora minha, Maria Santíssima, faz que eu creia!” 14

III. SENHOR, AUMENTA-NOS a fé! Que boa jaculatória para que a repitamos ao Senhor muitas vezes! E com a petição, o exercício freqüente dessa virtude. Sempre que nos encontremos diante de alguma necessidade ou numa situação de perigo, quando nos sintamos fracos, diante da dor, nas dificuldades do apostolado, quando pareça que as almas não correspondem…, sempre que nos encontremos diante do Sacrário, peçamos ao Senhor esse acréscimo de fé.

Temos que fazer muitos atos de fé durante a oração e a Santa Missa. Conta-se de São Tomás que, quando olhava para a Sagrada Hóstia, ao elevá-la no momento da Consagração, repetia: Tu rex gloriae, Christe; tu Patris sempiternus es Filius, “Vós sois o rei da glória, Vós sois o Filho eterno do Pai”. E São Josemaría Escrivá costumava dizer interiormente nesses instantes: Adauge nobis fidem, spem et charitatem, “aumenta-nos a fé, a esperança e a caridade” e Adoro te devote, latens Deitas, “Adoro-vos com devoção, Deus escondido”, enquanto fazia a genuflexão 15. Muitos fiéis têm o costume de repetir devotamente nesse momento, com o olhar posto no Santíssimo Sacramento, aquela exclamação do Apóstolo Tomé diante de Jesus ressuscitado: Meu Senhor e meu Deus! De uma ou de outra forma, não podemos deixar passar em branco essa oportunidade de manifestar ao Senhor a nossa fé e o nosso amor.

Apesar do vivo desejo de nos formarmos, de conhecer Cristo cada vez melhor, é possível que num momento ou noutro a nossa fé vacile ou nos assaltem temores e respeitos humanos à hora de manifestá-la. A fé é um dom de Deus que a nossa pequenez nem sempre consegue sustentar. Por vezes, é tão pequena como um grãozinho de mostarda. Não nos surpreendamos com a nossa debilidade, pois Deus conta com ela. Imitemos os Apóstolos quando compreenderam que tudo aquilo que viam e ouviam excedia a sua capacidade. Peçamos então a Cristo, através de Nossa Senhora e com a humildade dos discípulos, que nos aumente a fé, para que, como eles, possamos ser fiéis até o fim dos nossos dias e levemos muitas pessoas até Ele, como fizeram aqueles que o seguiram de perto em todos os tempos.

A nossa Mãe Santa Maria será sempre o ponto de apoio onde alicerçarmos a nossa fé e a nossa esperança, especialmente quando nos sintamos mais fracos e necessitados, com menos forças. “Nós, pecadores, sabemos que Ela é nossa Advogada, que nunca se cansa de estender-nos a sua mão uma vez e outra, tantas quantas caímos e mostramos desejos de levantar-nos; nós, que andamos pela vida aos trancos e barrancos, que somos fracos a ponto de não podermos evitar que nos firam no mais íntimo essas aflições que são condição da natureza humana, nós sabemos que Ela é a consolação dos aflitos, o refúgio onde, em última análise, podemos encontrar um pouco de paz, um pouco de serenidade, esse peculiar consolo que só uma mãe pode dar e que faz com que todas as coisas voltem a correr bem novamente. Nós sabemos também que, nesses momentos em que a nossa impotência se manifesta em termos quase de exasperação ou de desespero, quando já ninguém pode fazer nada por nós e nos sentimos absolutamente sozinhos com a nossa dor ou a nossa vergonha, acuados num beco sem saída, Ela é ainda a nossa esperança, é ainda um ponto de luz. Ela é ainda o recurso quando já não há ninguém a quem recorrer” 16.

(1) Hab 1, 2-3; 2, 2-4; (2) 2 Tim 1, 6-8; 13-14; (3) São Tomás de Aquino, Comentário à segunda Epístola aos Coríntios, 1, 6; (4) Missal Romano, Oração coleta da Missa; (5) ibid.; (6) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 73; (7) cfr. Ti 2, 17; (8) Pedro Rodríguez, Fe y vida de fe, pág. 138; (9) Concílio Vaticano II, Decreto Apostolicam actuositatem, 4; (10) Mt 8, 26; 6, 30; (11) cfr. Mt 8, 26; (12) cfr. Mt 6, 30; (13) Lc 17, 5; (14) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 235; (15) cfr. Andrés Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, Quadrante, São Paulo, 1989, págs. 314 e segs.; (16) Federico Suárez, La puerta angosta, 9ª ed., Rialp, Madrid, 1985, págs. 227-228.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal