TEMPO DA QUARESMA. PRIMEIRA SEMANA. TERÇA-FEIRA

– Existência dos Anjos da Guarda. Devoção dos primeiros cristãos.
– Ajudas que podem prestar-nos.
– Amizade e devoção aos Anjos da Guarda.

I. SÃO MATEUS termina a narração das tentações do Senhor com este versículo: Então o demônio o deixou e os anjos aproximaram-se dele e o serviam1.

“Contemplemos brevemente esta intervenção dos anjos na vida de Jesus, pois assim entenderemos melhor o seu papel – a missão angélica – em toda a vida humana. A tradição cristã descreve os Anjos da Guarda como grandes amigos, colocados por Deus ao lado de cada homem para o acompanharem em seus caminhos. Por isso nos convida a procurar a sua intimidade, a recorrer a eles.

“Ao fazer-nos meditar nestas passagens da vida de Cristo, a Igreja recorda-nos que, neste tempo da Quaresma, em que nos reconhecemos pecadores, cheios de misérias, necessitados de purificação, também há lugar para a alegria. Porque a Quaresma é simultaneamente tempo de fortaleza e de júbilo: temos que encher-nos de esperança, já que a graça do Senhor não nos há de faltar; Deus estará ao nosso lado e enviará os seus Anjos, para que sejam nossos companheiros de viagem, nossos prudentes conselheiros ao longo do caminho, nossos colaboradores em todas as nossas tarefas” 2.

“A Sagrada Escritura e a Tradição chamam propriamente anjos àqueles espíritos puros que, na prova fundamental da liberdade, escolheram Deus, a sua glória e o seu reino” 3. A eles está encomendada a tutela dos homens. Porventura – lê-se na Epístola aos Hebreus – não são todos os anjos espíritos ao serviço de Deus, que lhes confia missões para o bem daqueles que devem herdar a salvação? 4

É doutrina comum que todos e cada um dos homens, batizados ou não, têm o seu Anjo da Guarda. A sua missão começa no instante da concepção de cada homem e prolonga-se até o momento da morte. Os Atos dos Apóstolos registram numerosos episódios em que se manifesta a intervenção destes santos anjos, como também a confiança com que os primeiros cristãos os tratavam5. Vemo-lo especialmente no episódio da libertação de São Pedro da prisão: De repente, apresentou-se um anjo do Senhor e uma luz brilhou no recinto. Tocando no ombro de Pedro, o anjo despertou-o: “Levanta-te depressa”, disse-lhe. Caíram-lhe as cadeias das mãos e o anjo ordenou: “Cinge-te e calça as tuas sandálias”. Ele assim o fez. O anjo acrescentou: “Cobre-te com a tua capa e segue-me”6.

E Pedro, uma vez livre, dirigiu-se a casa de Maria, mãe de Marcos, onde muitos se tinham reunido em oração. Quando bateu à porta do vestíbulo, uma criada chamada Rode adiantou-se para ver quem era. Mal reconheceu a voz de Pedro, ficou fora de si de tanta alegria e, sem abrir a porta, correu para dentro e anunciou que era Pedro quem estava à porta. Disseram-lhe: “Estás louca!” Mas ela insistia em afirmar que era verdade. Diziam eles: “Então é o seu anjo7. Este episódio mostra-nos a grande afeição que os primeiros fiéis sentiam por Pedro e a naturalidade da fé que tinham nos Anjos da Guarda. “Olha a confiança com que os primeiros cristãos tratavam os seus Anjos. – E tu?”8

Nós devemos também tratar os anjos com naturalidade e confiança, e serão muitas as vezes em que nos surpreenderemos com o auxílio que nos prestam nas lutas contra o maligno. “Estamos bem ajudados pelos anjos bons, mensageiros do amor de Deus, e a eles dirigimos a nossa oração, ensinados pela tradição da Igreja:

«Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, pois que a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, guarda e ilumina. Amem»”9.

II. E OS ANJOS aproximaram-se dele e o serviam. Os Anjos da Guarda têm a missão de ajudar cada homem a alcançar o seu fim sobrenatural. Enviarei um anjo adiante de ti – diz o Senhor a Moisés – para que te proteja no caminho e te conduza ao lugar que te preparei10. E o Catecismo Romano comenta: “Porque assim como os pais, quando os filhos necessitam de viajar por caminhos maus e perigosos, procuram alguém que os possa acompanhar para defendê-los dos perigos e cuidar deles, de igual modo o nosso Pai dos Céus, nesta viagem que empreendemos para a pátria celestial, nos dá anjos a cada um de nós para que, fortificados pelo seu poder e auxílio, nos livremos das ciladas furtivamente preparadas pelos nossos inimigos e afastemos os terríveis ataques que eles nos dirigem; e para que, com tais guias, sigamos pelo caminho reto, sem que erro algum interposto pelo inimigo seja capaz de separar-nos da senda que conduz ao Céu”11.

Portanto, é missão dos Anjos da Guarda auxiliar o homem contra todas as tentações e perigos e suscitar no seu coração boas inspirações. Eles são nossos intercessores, nossos protetores, e prestam-nos a sua ajuda quando os invocamos. “Os Santos intercedem pelos homens, ao passo que os Anjos da Guarda não só pedem pelos homens mas também atuam à sua volta. Se os bem-aventurados intercedem, os anjos intercedem e intervêm diretamente: são ao mesmo tempo advogados dos homens junto de Deus e ministros de Deus junto dos homens”12.

O Anjo da Guarda pode prestar-nos também ajudas materiais, se forem convenientes para o nosso fim sobrenatural ou para o dos outros. Não tenhamos receio de pedir-lhes o seu favor nas pequenas coisas materiais de que necessitamos diariamente: encontrar uma vaga para estacionar o carro, não perder o ônibus, sair bem de uma prova para a qual estudamos, etc. Podem ainda colaborar conosco no apostolado, e especialmente na oração e na luta contra as tentações e contra o demônio.

“Os anjos, além de levarem a Deus notícias nossas, trazem o auxílio de Deus às nossas almas e as apascentam como bons pastores, com doces comunicações e inspirações divinas. Os anjos defendem-nos dos lobos, que são os demônios, e nos amparam”13.

O nosso relacionamento com o Anjo da Guarda deve ser igual ao que temos com um amigo íntimo. Ele está sempre atento, constantemente disposto a prestar-nos o seu auxílio, se lhe pedimos que intervenha. Seria uma pena que, por esquecimento, por tibieza ou por ignorância, não nos sentíssemos acompanhados por tão fiel companheiro ou não lhe pedíssemos ajuda em tantas ocasiões em que precisamos dela. Nunca estamos sós na tentação ou na dificuldade; assiste-nos o nosso Anjo. E estará ao nosso lado até o momento em que abandonarmos este mundo. No fim da vida, acompanhar-nos-á até o tribunal de Deus, como manifesta a liturgia da Igreja nas orações para a recomendação da alma no momento da morte.

III. TEM CONFIANÇA com o teu Anjo da Guarda. Trata-o como amigo íntimo – porque de fato o é –, e ele saberá prestar-te mil e um serviços nos assuntos correntes de cada dia”14.

Para que o Anjo da Guarda nos preste a sua ajuda, é necessário que lhe manifestemos de algum modo as nossas intenções e os nossos desejos. Apesar da grande perfeição da sua natureza, os anjos não têm o poder de Deus nem a sua sabedoria infinita, de maneira que não podem conhecer o interior das consciências. Basta, porém, que lhes falemos mentalmente para que nos entendam e até para que cheguem a deduzir do que lhes dizemos mais do que aquilo que nós mesmos somos capazes de expressar. Por isso é tão importante manter um trato de amizade com o Anjo da Guarda. E além de lhe manifestarmos amizade, devemos venerá-lo, pois é alguém que está sempre na presença de Deus, contemplando-o diretamente.

A devoção ao nosso Anjo da Guarda será uma ajuda eficaz nas nossas relações com Deus, no trabalho, no convívio com as pessoas que temos sempre ao nosso lado, nos pequenos e nos grandes conflitos que se podem apresentar ao longo dos nossos dias.

Neste tempo da Quaresma, podemos ter especialmente presente – e deve comover-nos – a cena no Horto das Oliveiras, em que a Humanidade Santíssima do Senhor é confortada por um anjo do céu. “Temos que saber tratar os Anjos com intimidade: recorrer a eles agora, dizer ao nosso Anjo da Guarda que estas águas sobrenaturais da Quaresma não resvalaram sobre a nossa alma, mas penetraram nela até o fundo, porque temos o coração contrito. Peçamos-lhe que leve até o Senhor a boa vontade que a graça faz germinar sobre a nossa miséria, como um lírio nascido no meio do esterco. Sancti Angeli Custodes nostri, defendite nos in proelio, ut non pereamus in tremendo iudicio. Santos Anjos da Guarda, defendei-nos no combate, para que não pereçamos no tremendo Juízo”15. Peçamos à Virgem, Regina Angelorum, que nos ensine a relacionar-nos com os Anjos, particularmente nesta Quaresma.

(1) Mt 4, 11; (2) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 63; (3) João Paulo II, Audiência geral, 6-VIII-1986; (4) Hebr 1, 14; (5) cfr. At 5, 19-20; 8, 26; 10, 3-6; (6) At 12, 7-11; (7) At 12, 13-17; (8) cfr. São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 570; (9) João Paulo II, Audiência geral, 20-VIII-1986; (10) Ex 23, 20; (11) Catecismo Romano, IX, n. 4; (12) G. Huber, Mi ángel marchará delante de ti, 6ª ed., Palabra, Madrid, 1980, pág. 43; (13) São João da Cruz, Cântico espiritual, 2, 3; (14) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 562; (15) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 63.