TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA QUARTA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA
– Não devemos ter medo de ser generosos sem limites.
– Entrega sem condições. Não negar nada ao Senhor.
– Generosidade de Deus.
I. ERAM MUITAS as oferendas que se apresentavam todos os dias ao Senhor no Templo de Jerusalém. Bastantes delas correspondiam aos produtos da terra, em reconhecimento do supremo domínio divino sobre todas as coisas criadas. Consistiam em farinha e azeite, espigas ou pão cozido, que eram incensados para exprimir o desejo de que fossem agradáveis ao Senhor1. Parte da oferenda era queimada sobre o altar e parte era consumida pelo sacerdote no interior do Templo2. O holocausto era um sacrifício em que a vítima (um cordeiro, uma ave…), previamente sacrificada, era completamente destruída, quase sempre por meio do fogo. A palavra holocausto significava precisamente que a vítima era queimada totalmente. Nos tempos de Cristo, era oferecido durante a manhã e a tarde, e por isso chamava-se sacrifício perpétuo3. Era figura do que havia de vir, o sacrifício eucarístico.
Como oferenda a Deus e para o sustento do Templo, também eram depositadas esmolas num lugar bem visível, o gazofilácio. Certo dia, Jesus encontrava-se perto desse lugar e observava como o povo lançava ali moedas; e muitos ricos lançavam muito4. Viu também como se aproximava uma viúva pobre e lançava duas pequenas moedas5. São Marcos menciona até o valor dessas moedas: um quadrante, a quarta parte de um asse, uma quantia insignificante. No entanto, o Senhor comoveu-se com o gesto daquela mulher, pois sabia perfeitamente tudo o que representava para ela. A sua oferenda foi mais importante do que a de todos os outros porque deu tudo o que tinha, todo o seu sustento. Os outros desprendiam-se do que lhes sobrava, esta deu do que lhe era necessário.
Deve ter feito a oferenda com muito amor, com uma grande confiança na Providência divina, e Deus recompensou-a com certeza ainda na vida aqui na terra. “Eles ofertaram muito do muito que tinham – comenta Santo Agostinho –; ela deu tudo o que possuía. Tinha muito, pois tinha Deus no seu coração. É mais possuir Deus na alma do que ouro na arca. Quem deu mais do que essa pobre viúva que não reservou nada para si?”6
Esta passagem – que se lê no Evangelho da Missa de hoje – ensina-nos a não ter medo de ser generosos com Deus e com as boas obras a serviço do Senhor e dos outros, e mesmo a sacrificar aquilo que nos parece necessário para a vida. Que poucas coisas nos são realmente necessárias! Temos que oferecer a Deus tudo o que somos e temos, sem reservar nada, nem sequer uma pequena parte, para interesses clara ou disfarçadamente egoístas. Existe um antigo refrão segundo o qual conquistamos a Deus com a última moeda.
O gesto da viúva causou tanta alegria ao Senhor que sentiu necessidade de comentá-lo com os seus discípulos7. É a mesma alegria que o seu Coração experimenta quando nos entregamos a Ele totalmente. “O Reino de Deus não tem preço, e no entanto custa exatamente o que tens […]. A Pedro e André, custou-lhes o abandono de uma barca e de umas redes; à viúva, duas moedinhas de prata (cfr. Lc 21, 2); a outro, um copo de água fresca (cfr. Mt 10, 42)…”, diz São Gregório Magno8.
II. COM A SUA PAIXÃO e Morte, o Senhor pede aos que o seguem o oferecimento a Deus Pai, não de animais, aves ou frutos do campo, como no Antigo Testamento, mas de si próprios. São Paulo recordá-lo-á aos primeiros cristãos de Roma: Rogo-vos, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, que ofereçais os vossos corpos como uma hóstia viva, santa, agradável a Deus: este é o culto racional que lhe deveis9.
Especialmente na Santa Missa, o cristão pode e deve oferecer-se juntamente com Cristo, pois “para que a oblação – com a qual os fiéis oferecem neste Sacrifício a Vítima divina ao Pai celestial – alcance o seu pleno efeito […], é preciso que se imolem a si próprios como hóstias […] e, desejosos de assemelhar-se a Cristo, que sofreu tão grandes dores, se ofereçam como hóstia espiritual com o próprio Sumo e Eterno Sacerdote e por meio dEle mesmo”10.
Esta entrega realiza-se todos os dias, e estende-se a todos os atos que compõem o nosso dia: vai desde o esmero em oferecer ao Senhor as obras do dia que começa, até o último pensamento para Ele antes de nos entregarmos ao sono. E isso com o coração sempre disponível para atender ao que o Senhor nos queira pedir, com a disposição de não lhe negar nada.
A nossa entrega deve ser plena, sem condições nem exceções.
Num dos escritos mais antigos da Cristandade primitiva, diz-se que, quando um homem enche de bom vinho umas talhas muito bem preparadas e deixa algumas delas meio cheias, se depois as repassa, não examina as que encheu até cima – pois sabe que o vinho ali guardado se conserva bem –, mas olha para as que estão por encher, pois teme, com razão, que se tenham azedado11. A mesma coisa acontece com as almas. A “meia entrega” acaba por romper a amizade com o Mestre. Só uma generosidade plena permite seguir o ritmo dos seus passos. De outra maneira, iríamos distanciando-nos cada vez mais e o Senhor não demoraria a ser uma figura longínqua e difusa. O cristão que queira ser coerente com a sua fé tem que decidir-se a pertencer a Deus sem reservas, a colocá-lo claramente no centro de todos os seus afetos e anseios.
Não tenhamos receio de pôr à disposição de Jesus tudo o que temos. Não hesitemos em dar-nos completamente. “Não vos deixeis enganar quando os hipócritas levantarem em torno de vós a dúvida sobre o direito que Deus tem de vos pedir tanto. Pelo contrário, colocai-vos na presença do Senhor sem condições, dóceis, como o barro nas mãos do oleiro (Jer 18, 6), e confessai-lhe rendidamente: Deus meus et omnia!, Tu és o meu Deus e o meu tudo”12.
III. CONTA UMA ANTIGA LENDA oriental que todo aquele que se encontrava com o rei tinha obrigação de oferecer-lhe algum presente. Certo dia, um pobre camponês encontrou-se com o monarca, e, como não tinha nada com que presenteá-lo, recolheu um pouco de água na palma da mão e ofereceu ao soberano aquele obséquio tão simples. O rei gostou tanto da boa vontade daquele súdito que mandou – pois era um homem magnânimo – que lhe dessem como recompensa uma escudela cheia de moedas de ouro.
O Senhor, que é mais generoso do que todos os reis da terra, prometeu-nos o cêntuplo nesta vida e depois a vida eterna13. Ele quer que sejamos felizes nesta vida: os que o seguem com generosidade obtêm, já nesta terra, uma felicidade e uma paz que ultrapassam todas as alegrias e consolações humanas. Esta alegria é uma antecipação do Céu.
Ter o Senhor perto de nós é já a melhor retribuição. Ele “é tão agradecido – escreve Santa Teresa – que não deixa sem prêmio um só levantar de olhos lembrando-nos da sua presença”14.
Todos os dias o Senhor espera a oferenda simples dos nossos trabalhos, das pequenas dificuldades que nunca faltam, da caridade bem vivida, do tempo empregado em favor dos outros, da esmola generosa… Nesta entrega diária aos outros, “é necessário ir mais longe do que a estrita justiça, conforme a conduta exemplar da viúva que nos ensina a dar com generosidade mesmo aquilo que diz respeito às nossas necessidades. Sobretudo, devemos ter presente que Deus não mede os atos humanos pelas aparências do quanto foi dado. Deus mede-os pela medida dos valores interiores do como se põem à disposição do próximo: medida de acordo com o grau de amor com que nos damos livremente ao serviço dos irmãos”15.
As nossas oferendas a Deus, muitas vezes aparentemente tão pequenas, chegarão melhor à presença do Senhor se as fizermos por meio de Nossa Senhora. “Esse pouco que desejes oferecer – recomenda São Bernardo –, procura depositá-lo nas mãos de Maria, graciosíssimas e digníssimas de todo o apreço, a fim de que seja oferecido ao Senhor sem sofrer repulsa por parte dEle”16.
(1) Cfr. Lev 2, 1-2; 14-15; (2) cfr. Lev 6, 7-11; (3) cfr. Dan 8, 11; (4) Mc 12, 41; (5) cfr. Lc 21, 1-4; (6) Santo Agostinho, Sermão 107 A; (7) cfr. Mc 12, 43; (8) São Gregório Magno, Homilia 5 sobre os Evangelhos; (9) Rom 12, 1; (10) Pio XII, Carta Encíclica Mediator Dei, 20.11.47, 25; (11) cfr. Pastor de Hermas, Mandamentos, 13, 5, 3; (12) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 167; (13) cfr. Lc 18, 28-30; (14) Santa Teresa, Caminho de perfeição, 23, 3; (15) São João Paulo II, Homilia, 10.11.85; (16) São Bernardo, Homilia na Natividade da Bem-aventurada Virgem Maria, 18.
Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal