TEMPO COMUM. SEXTA SEMANA. SEXTA-FEIRA

– Contar com Deus.
– O egoísmo e a soberba.
– Para crescer na humildade.

I. LEMOS NO GÊNESIS 1 que um dia os homens se empenharam num projeto colossal – que deveria ser ao mesmo tempo um símbolo e o centro da unidade do gênero humano – mediante a construção de uma grande cidade chamada Babel e de uma torre gigantesca. Mas aquela obra não chegou a ser concluída, e os homens viram-se mergulhados numa dispersão muito maior que antes, divididos entre si, confundidos na linguagem, incapazes de se porem de acordo…

“Por que falhou aquele projeto ambicioso? Por que os construtores se cansaram em vão? Porque os homens puseram como sinal e garantia da unidade desejada somente uma obra das suas mãos, esquecendo a ação do Senhor” 2. Ao comentar assim esse texto da Sagrada Escritura, São João Paulo II relaciona o pecado daqueles homens, “que quiseram ser fortes e poderosos sem Deus, ou mesmo contra Deus”, com o dos nossos primeiros pais, que tiveram a pretensão enganosa de ser como Ele 3. No fundo, tanto numa situação como na outra, tratou-se de uma atitude de soberba, que é o que se encontra na raiz de todo o pecado e que tem manifestações tão diversas. Na narração da torre de Babel, a exclusão de Deus não aparece como uma atitude de rebeldia contra o Senhor, “mas como esquecimento e indiferença para com Ele; como se Deus não merecesse ser tomado em consideração no âmbito do projeto operativo e associativo. Nos dois casos, porém, a relação com Deus foi rompida com violência” 4.

Devemos recordar freqüentemente que Deus deve ser o ponto de referência constante dos nossos desejos e projetos, e que a tendência para deixar-se levar pela soberba persiste no coração de todo o homem até o exato momento em que morre. Essa soberba induz-nos a “ser como Deus”, nem que seja no pequeno âmbito dos nossos interesses, ou a prescindir dEle como se não fosse o nosso Criador e Salvador, de quem dependemos no ser e no existir.

O soberbo tende a apoiar-se exclusivamente – como os construtores de Babel – nas suas próprias forças, e é incapaz de levantar o olhar acima das suas qualidades e êxitos; por isso fica sempre ao nível do chão. O soberbo exclui Deus da sua vida, “como se não merecesse ser tomado em consideração”: não lhe pede ajuda, não lhe agradece; e por isso também não sente a necessidade de pedir apoio e conselho na direção espiritual, através da qual nos chegam em tantas ocasiões a força e a luz de Deus. Encontra-se só e fraco, ainda que se julgue forte e capaz de grandes obras; também por isso é imprudente e não evita as ocasiões em que põe em perigo o bem da sua alma.

Não queiramos prescindir de Deus nos nossos projetos. “Ele é o alicerce e nós o edifício; Ele é o talo da videira e nós os ramos […]. Ele é a vida e nós vivemos por Ele […]; Ele é a luz e dissipa a nossa escuridão” 5. A nossa vida não tem sentido sem Cristo; não deve ter outro alicerce. Tudo nela ficaria desconjuntado e disperso se não recorrêssemos ao Senhor nas nossas obras.

II. A SOBERBA TRAZ como seqüela inevitável o egoísmo. A pessoa egoísta faz de si própria a medida de todas as coisas, até chegar à atitude que Santo Agostinho aponta como a origem de todos os desvios morais: “o amor-próprio até o desprezo de Deus” 6.

O egoísta não sabe amar: procura sempre receber, porque no fundo só se quer a si mesmo. Quantas vezes não teremos experimentado na nossa vida pessoal a realidade daquele ensinamento de Santa Catarina de Sena: a alma não pode viver sem amar, e, quando não ama a Deus, ama-se desordenadamente a si mesma, e esse amor infeliz “obscurece e encolhe o olhar da inteligência, que deixa de ver com clareza e só se move numa falsa luminosidade. A luz com que a partir daí a inteligência vê as coisas é um brilho enganoso do bem, do falso prazer para o qual o amor agora se inclina… A alma não tira dele outro fruto senão a soberba e a impaciência” 7.

A soberba é realmente a raiz do egoísmo. O egoísmo – que é encarar tudo na medida em que me traz ou não alguma vantagem – e a soberba – que é avaliar falsamente as minhas qualidades e desejar desmedidamente a minha própria glória – são vícios que se confundem freqüentemente, e neles se encontra de alguma forma a desordem radical de que partem todos os pecados.

Com a graça de Deus, temos que viver vigilantes e combater a soberba e o egoísmo nas suas diversas manifestações: a vaidade e a vanglória (às vezes muito patentes nos pensamentos inúteis, em que freqüentemente somos o centro, o herói, aquele que triunfa em todas as situações); o desprezo dos outros (que se exterioriza em piadas, ironias, juízos negativos, intervenções inoportunas ou destemperadas na conversa…); a mesquinhez de quem não sabe dar sem esperar nada em troca, porque tudo lhe é devido e ele nada deve… No fundo, o soberbo, tal como o egoísta, só sabe ignorar e desprezar os outros ou então pisá-los para subir…

“Temos que pedir ao Senhor que não nos deixe cair nesta tentação. A soberba é o pior e o mais ridículo dos pecados. Se consegue atenazar alguém com as suas múltiplas alucinações, a pessoa atacada veste-se de aparência, enche-se de vazio, empertiga-se como o sapo da fábula, que inchava o bucho, presunçosamente, até que explodiu. A soberba é desagradável, mesmo humanamente: quem se considera superior a todos e a tudo, está continuamente contemplando-se a si próprio e desprezando os outros, e estes correspondem-lhe escarnecendo da sua vã fatuidade” 8.

Não permitais, Senhor, que eu caia nesse triste estado, em que não contemplo o vosso rosto amável nem vejo tantas virtudes e boas qualidades que possuem aqueles que me rodeiam.

III. PARA CONSTRUIRMOS o alto edifício da vida cristã, devemos ter um grande desejo de assentá-lo muito fundo na virtude da humildade, começando por pedi-la deveras ao Senhor, meditando com freqüência e com gosto no seu exemplo e na sua doutrina: Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração… 9

Depois, devemos estar dispostos a aceitar a humilhação que supõem todos os defeitos que não conseguimos vencer, as fraquezas diárias… Muitas vezes, pode ajudar-nos à hora do exame uma destas perguntas: “– Soube oferecer ao Senhor, como expiação, a própria dor que sinto de tê-lo ofendido, tantas vezes!? Ofereci-lhe a vergonha dos meus rubores e humilhações interiores, ao considerar como avanço pouco no caminho das virtudes?” 10 Deveremos também ter fome de aproveitar bem – porque não serão muitas – as humilhações que nos vêm de fora: “Não és humilde quando te humilhas, mas quando te humilham e o aceitas por Cristo” 11.

Enfim, se tivermos ânsias de apoiar-nos na rocha firme que é a humildade de Nosso Senhor, encontraremos cada dia mil ocasiões de ir ao encontro desta virtude: falaremos só o necessário – ou talvez menos que o necessário – de nós mesmos; manifestaremos agradecimento pelos pequenos favores que nos prestam os que estão ao nosso lado, considerando que não merecemos nada; quereremos tornar mais amável pela nossa cara sorridente a vida daqueles que encontramos ao longo do dia, sem nos fecharmos nos nossos interesses ou nos nossos estados de ânimo; não perderemos nenhuma oportunidade de nos mostrarmos disponíveis e de prestar pequenos serviços na vida familiar, no trabalho, em qualquer parte, persuadidos de que a humildade leva à caridade…

A humildade está intimamente relacionada com todas as virtudes. O humilde é um homem alegre, simples, sincero, afável, magnânimo. E por tudo isso tem também uma facilidade especial para a amizade e, portanto, para o apostolado: as pessoas que vai conhecendo não demoram a abrir-lhe a alma em confidência. Esse é o seu retrato, porque, apesar dos pesares, confia unicamente em Deus, nunca em si próprio.

Aprendamos esta virtude contemplando a vida de Santa Maria. Deus fez nela grandes coisas “«quia respexit humilitatem ancillae suae» – porque viu a baixeza da sua escrava…

“– Cada dia me persuado mais de que a humildade autêntica é a base sobrenatural de todas as virtudes!

“Fala com Nossa Senhora, para que Ela nos vá adestrando em caminhar por essa senda” 12.

(1) Gên 11, 1-9; Primeira leitura da Missa da sexta-feira da sexta semana do TC, ano ímpar; (2) João Paulo II, Exort. Apost. Reconciliatio et paenitentia, 2-XII-1984; (3) cfr. Gên 3, 5; (4) João Paulo II, op. cit., 14; (5) São João Crisóstomo, Homilia sobre a primeira Epístola aos Coríntios, 8; (6) Santo Agostinho, Sobre a Cidade de Deus, 14, 28; (7) Santa Catarina de Sena, O diálogo, 51; (8) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 100; (9) Mt 11, 29; (10) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 153; (11) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 594; (12) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 289.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal