TEMPO COMUM. DÉCIMA SEGUNDA SEMANA. TERÇA-FEIRA

– O caminho que conduz ao Céu é estreito. Temperança e mortificação.
– Necessidade da mortificação. A luta contra o comodismo e o aburguesamento.
– Alguns exemplos de temperança e de mortificação.

I. ENQUANTO IAM A CAMINHO de Jerusalém, alguém perguntou a Jesus: Senhor, são poucos os que se salvam? 1 Jesus não lhe respondeu diretamente, mas disse-lhe: Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque vos digo: muitos procurarão entrar e não poderão. E no Evangelho da Missa de hoje São Mateus deixou-nos esta exclamação do Senhor: Como é estreita a porta e como é apertada a senda que leva à vida, e quão poucos os que acertam com ela! 2

A vida é como um caminho que termina em Deus, um caminho curto. Importa acima de tudo que, ao chegarmos, a porta nos seja aberta e possamos entrar: “Caminhamos como peregrinos em direção à consumação da história humana. O Senhor diz: Eis que eu venho em breve, e comigo a minha recompensa, para dar a cada um segundo as suas obras… (Apoc 22, 12-13)” 3.

Dois caminhos, duas atitudes na vida: buscar o mais cômodo e agradável, regalar o corpo e fugir do sacrifício e da penitência, ou buscar a vontade de Deus ainda que custe, ter os sentidos guardados e o corpo sob controle; viver como peregrinos que levam o estritamente necessário e se entretêm pouco nas coisas porque estão de passagem, ou ficar ancorados na comodidade, no prazer ou nos bens temporais, utilizados como fins e não como simples meios.

O primeiro desses caminhos conduz ao Céu; o outro, à perdição, e são muitos os que andam por ele. Temos que nos perguntar com freqüência por onde caminhamos e para onde vamos. Dirigimo-nos diretamente para o Céu, ainda que não faltem derrotas e fraquezas? Andamos pela senda estreita? Qual é realmente o fim dos nossos atos?

“Se olharmos as coisas não como uma pura teoria, mas referidas à vida, talvez seja possível entender melhor a questão. Se um universitário quer ser médico, não se matricula em Filologia Românica… Na verdade, se se matricula em Filologia Românica, está demonstrando que o que de fato quer é ser filólogo, não médico, apesar de tudo o que diga […]. Isto é assim porque, quando se quer alguma coisa, é preciso escolher os meios adequados […]. Se alguém quer ir para casa e deliberadamente escolhe o caminho que conduz à casa do seu inimigo, o que sem dúvida está querendo é ir para onde diz que não deseja ir”4. E se diz que escolheu esse determinado caminho porque é mais cômodo, então o que realmente lhe interessa é o caminho, não o fim a que este conduz.

II. O HOMEM TENDE A IR pelo caminho mais largo e cômodo da vida. Prefere uma porta ampla que não conduz ao Céu: muitas vezes lança-se sem medida sobre as coisas, sem regra nem temperança.

O caminho que o Senhor nos indica é alegre, mas, ao mesmo tempo, é caminho de cruz e de sacrifício, de temperança e de mortificação. Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me 5. Se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só; mas, se morre, dá muito fruto 6.

A temperança é necessária nesta vida para podermos entrar na outra. Pede-se-nos aos cristãos que estejamos desprendidos dos bens que temos e usamos, que evitemos a preocupação desmedida, que prescindamos do supérfluo e, quanto ao necessário, que usemos dele com austeridade, que é sinal de retidão de intenção. Não podemos ser como esses homens que “parecem guiar-se pela economia, de tal forma que quase toda a sua vida pessoal e social está como que imbuída de certo espírito materialista” 7. Esses homens esquecem facilmente que a sua vida é um caminho para Deus. Unicamente isso: um caminho para Deus. Estai atentos – previne-nos o Senhor – para que não suceda que os vossos corações se embotem pela crápula, pela embriaguez e pelas preocupações da vida8. Estejam cingidos os vossos corpos e acesas as vossas lâmpadas, e sede como homens que esperam o amo de volta das bodas 9.

Na senda ampla da comodidade, do conforto e da falta de mortificação, as graças dadas por Deus queimam-se e ficam sem fruto. Tal como a semente caída entre espinhos: afoga-se nos cuidados, na riqueza e nos prazeres da vida, e não chega a dar fruto 10. A sobriedade, pelo contrário, facilita o trato com Deus, pois “com o corpo pesado e enfartado de alimento, a alma está muito mal aparelhada para voar para o alto” 11.

Dirigimo-nos a toda a pressa para Deus, e a única coisa verdadeiramente importante é não errar de caminho. Estamos nós no caminho bom, do sacrifício e da penitência, da alegria e da entrega aos outros? Lutamos decididamente, com obras, contra os desejos de comodismo que nos espicaçam continuamente?

III. NO MEIO DE UM AMBIENTE materialista, a temperança é de grande eficácia apostólica. É um dos exemplos mais atraentes da vida cristã. Onde quer que nos encontremos, devemos esforçar-nos por dar sempre esse exemplo, que há de manifestar-se com simplicidade no nosso comportamento. A exemplaridade de um cristão nesta matéria foi para muitos o começo de um verdadeiro encontro com Deus.

A vida de relação oferece-nos mil oportunidades de darmos esse exemplo de sobriedade e de mortificação, sem com isso chamarmos a atenção ou sermos tidos por pessoas aborrecidas, estranhas ou moralizantes. Começa pela sobriedade no comer e no beber, nos convites para almoços ou jantares em que, sem constranger ninguém, podemos ser comedidos na escolha do prato, nos acompanhamentos, na bebida; ou são os aperitivos de fim de semana, ou os pratos típicos, ou as sobremesas… À hora de escolher, lembremo-nos de que não temos espírito de desprendimento e sobriedade se, podendo escolher de maneira discreta, não escolhemos para nós o pior 12. A moderação no falar é outra ocasião excelente de vivermos a temperança: evitaremos falar muito, ou falar de nós, ou manter conversas inúteis e frívolas, ou entreter-nos em murmurações que beiram a difamação… No ambiente de trabalho, já a intensidade no aproveitamento do tempo, fugindo das constantes interrupções e pequenas ausências, das conversas alheias ao cumprimento do dever, em suma, de toda a indolência, é um exemplo magnífico de austeridade; e a ela podem somar-se tantas outras, como a demonstração prática de que trabalhamos por amor ao trabalho feito por Deus, e não por amor ao dinheiro ou às honras. E ainda a exemplaridade na guarda da vista pela rua, à saída do trabalho com um colega, ou nas relações com uma colega de escritório, cheias de uma delicadeza sem familiaridades.

A senda estreita passa por todas as atividades do cristão: desde as comodidades do lar até o uso dos instrumentos de trabalho e o modo de nos divertirmos. No descanso, por exemplo, não é preciso fazer grandes gastos nem dedicar excessivas horas ao esporte em prejuízo de outros afazeres. Também dá exemplo de austeridade e de temperança quem sabe usar moderadamente da televisão e, em geral, dos instrumentos de conforto que a técnica oferece constantemente. Se tivermos presente que a nossa conduta ou constrói ou destrói em cada momento, veremos que podemos ser o bonus odor Christi 13, o bom odor de Cristo, que prepara os que nos vêem e acompanham para se deixarem cativar pela figura amável do Senhor.

O caminho estreito é seguro e sólido. E no meio dessa vida, que tem certamente um tom austero e sacrificado, encontramos a alegria, porque a “Cruz já não é um patíbulo, mas o trono do qual reina Cristo. E a seu lado encontrarás Maria, sua Mãe, Mãe nossa também. A Virgem Santa te alcançará a fortaleza de que necessitas para caminhar com decisão, seguindo os passos do seu Filho”14.

(1) Lc 13, 23; (2) Mt 7, 14; (3) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 45; (4) F. Suárez, A porta estreita, págs. 37-38; (5) Lc 9, 23; (6) Jo 12, 34; (7) Conc. Vat. II, op. cit., 63; (8) Lc 21, 34; (9) Lc 12, 35; (10) Lc 8, 14; (11) São Pedro de Alcântara, Tratado da oração e da meditação, II, 3; (12) cfr. São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 635; (13) 2 Cor 2, 15; (14) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 141.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal