TEMPO COMUM. DÉCIMA NONA SEMANA. TERÇA‑FEIRA

– Deus ama‑nos sempre, também quando nos extraviamos.
– O amor pessoal de Deus por cada homem.
– A nossa vida é a história do amor de Cristo…, que tantas vezes nos olhou com predileção.

I. LEMOS NO EVANGELHO da Missa de hoje uma das parábolas da misericórdia divina que mais comovem o coração humano 1. Um homem que tem cem ovelhas – um rebanho grande – perde uma delas, provavelmente por culpa da própria ovelha, que ficou para trás enquanto todo o rebanho seguia adiante em busca de pastos. E Jesus pergunta: esse pastor não deixará as noventa e nove nos montes para ir em busca daquela que se desgarrou? São Lucas registra estas palavras do Senhor: E tendo‑a encontrado, põe‑na sobre os ombros alegremente 2 até devolvê‑la ao redil.

Nenhuma das ovelhas recebeu tantas atenções como essa que se extraviou. Os cuidados de que a misericórdia divina cerca o pecador, nos cerca a nós, são esmagadores. Como não havemos de nos deixar carregar aos ombros pelo Bom Pastor, se alguma vez nos perdemos? Como não havemos de amar a Confissão freqüente, que é onde encontramos novamente o Bom Pastor, Cristo? Pois devemos ter em conta que somos fracos e, portanto, cheios de tropeços. Mas essa mesma fraqueza, se a reconhecemos como tal, sempre atrai a misericórdia de Deus, que acode em nosso auxílio com mais ajudas, com um amor mais particularizado. “Jesus, nosso Bom Pastor, apressa‑se a procurar a centésima ovelha, que se tinha extraviado… Maravilhosa condescendência a de Deus que assim procura o homem; dignidade grande do homem assim procurado por Deus!”3

Contamos sempre com o amor de Cristo, que nem mesmo nos piores momentos da nossa existência nos deixa de amar. Contamos sempre com a sua ajuda para voltar ao bom caminho, se o perdemos, e para recomeçar quantas vezes for preciso.

Ele mantém‑nos na luta, e “um chefe no campo de batalha estima mais o soldado que, depois de ter fugido, volta e ataca com ardor o inimigo, do que aquele que nunca voltou as costas, mas também nunca levou a cabo uma ação valorosa”4. Não se santifica quem nunca comete erros, mas quem sempre se arrepende, confiante no amor que Deus tem por ele, e se levanta para continuar lutando. O pior não é ter defeitos, mas pactuar com eles, não lutar, admiti‑los como parte do nosso modo de ser. Por esse caminho só se chega à mediocridade espiritual, que o Senhor não quer para os que o seguem.

II. JESUS AMA A CADA UM tal como é, com os seus defeitos; no seu amor, não idealiza os homens; vê cada um com as suas contradições e fraquezas, com as suas imensas possibilidades para o bem e com a sua debilidade, que aflora com tanta freqüência. “Cristo conhece o que há no interior do homem. Somente Ele o conhece!” 5, e assim o ama, assim nos ama.

Como Jesus entende o coração humano e como tem uma visão positiva da sua capacidade! “O olhar de Jesus vê através do véu das paixões humanas e penetra até os refolhos do homem, lá onde este se encontra só, pobre e nu” 6. Ele compreende‑nos sempre e anima‑nos a continuar lutando em todas as situações. Se pudéssemos aperceber‑nos um pouco mais do amor pessoal de Cristo por cada homem, das suas atenções, dos seus cuidados!

Esse amor pessoal do Senhor é a suprema realidade da nossa vida, a que é capaz de levantar o nosso espírito em qualquer momento e de nos deixar profundamente alegres. Isso apesar do fundo de miséria que se esconde no coração humano. “É este «apesar de tudo» que torna o amor de Cristo pelos homens tão incomparável, tão maternalmente terno e generoso, a ponto de ter ficado para sempre inscrito na memória da humanidade […]. O seu amor distingue‑se da filantropia ensinada pelos sábios e filósofos. Não é puro ensinamento, mas vida; é um sofrer e morrer com os homens. Não se contenta com analisar a miséria humana e depois procurar os remédios para aliviá‑la: Ele mesmo põe‑se em contacto e penetra nessa miséria. Não suporta conhecê‑la sem participar dela. O amor de Jesus transpõe os limites do seu próprio coração para atrair os outros, ou melhor, para sair de si mesmo, identificando‑se com os outros a fim de viver e sofrer com eles” 7.

Jesus considera os homens como irmãos e amigos – é assim que os chama –, e une tão intimamente a sua sorte à deles que qualquer coisa que se faça por um outro, é por Ele que se faz 8. Os Evangelistas dizem‑nos constantemente que o Senhor sentia compaixão pelo povo 9: E teve compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor 10. Nunca deixa de comover‑se com a desgraça e a dor, mesmo que sejam as de uma mulher pagã como a Cananéia 11. Não deixa de atender os que o procuram, sem se importar de que o critiquem por ter violado o sábado 12. E convive com os publicanos e os pecadores, ainda que os que se julgam bons cumpridores da Lei se escandalizem. Nem sequer a sua própria agonia lhe impede de dizer ao bom ladrão: Hoje estarás comigo no paraíso 13.

O seu amor não tolera nenhuma exceção, e não tem nenhuma preferência por esta ou aquela classe social. Acolhe os ricos como Nicodemos, Zaqueu ou José de Arimatéia, e acolhe os pobres como Bartimeu, um mendigo que, depois de curado, o segue pelo caminho. Nas suas viagens, às vezes, faz‑se acompanhar por algumas mulheres que o servem com os seus bens 14. Atende com toda a prontidão os mais necessitados do corpo e sobretudo da alma. A sua preferência pelos mais necessitados não é no entanto excludente, não se limita aos desafortunados, aos marginalizados…, pois há realmente males que são comuns a todos os estratos sociais: a solidão, a falta de carinho…

A nossa vida é a história do amor de Cristo, que tantas vezes nos olhou com predileção, que em tantas ocasiões saiu à nossa procura. Perguntemo‑nos hoje como estamos correspondendo neste momento da vida a tantos cuidados por parte do Senhor: se nos esforçamos por receber os sacramentos com a freqüência e o amor devidos, se reconhecemos Cristo na direção espiritual, se vemos com agradecimento a solicitude daqueles que na Igreja cuidam da nossa alma: os Pastores. Sabemos exclamar nessas situações: É o Senhor!?

III. JESUS AMOU‑ME e entregou‑se por mim, diz São Paulo 15. Esta é a grande verdade que nos cumula sempre de consolação. Jesus ama‑nos a ponto de dar a sua vida por nós; e ama‑nos como se cada um de nós fosse o único destinatário desse amor. Devemos meditar muitas vezes nessa maravilhosa realidade – Deus me ama –, que ultrapassa as expectativas mais audazes do coração humano. Ninguém que estivesse à margem da Revelação divina se atreveu a vislumbrar e a reconhecer esta sublime vocação de cada homem: ser filho de Deus, chamado a viver numa relação de amizade com Ele e a participar da própria vida das Três Pessoas divinas. Em termos de lógica humana, isso parece uma ilusão, quase uma mentira, e, no entanto, é a grande verdade que nos deve levar a ser conseqüentes.

Jesus nunca cessou de amar‑nos, de ajudar‑nos, de proteger‑nos, de comunicar‑se conosco; nem sequer nos momentos de maior ingratidão, ou naqueles em que talvez tivéssemos cometido as maiores deslealdades.

Talvez tenha sido precisamente nessas tristes circunstâncias que tiveram lugar as maiores atenções do Senhor, como nos mostra a parábola que hoje consideramos. Entre as cem ovelhas que compunham o rebanho, só aquela, a que se tresmalhou, é que foi a que teve a honra de ser levada aos ombros pelo bom pastor. Eu estarei convosco todos os dias 16, diz‑nos o Senhor em cada situação, a cada momento.

Esta certeza da proximidade do Senhor deve animar‑nos a recomeçar sempre na luta interior, sem nos deixarmos esmagar pela experiência negativa dos nossos defeitos e pecados. Cada momento que vivemos é único e, portanto, bom para recomeçar, porque, como se lê no livro do Deuteronômio, o Senhor, que é o vosso guia, ele mesmo estará contigo; não te deixará nem te desamparará; não temas nem te assustes17.

Durante muitos séculos, a Igreja pôs nos lábios dos sacerdotes e dos fiéis, ao começar a Missa, umas palavras do Salmo 42: Subirei ao altar de Deus, / do Deus que alegra a minha juventude 18, e isto qualquer que fosse a idade do celebrante e dos assistentes. É o grito da alma que se dirige diretamente a Cristo, que se sabe amada e que deseja amor.

“Deus me ama… E o Apóstolo João escreve: «Amemos, pois, a Deus, porque Deus nos amou primeiro». – Como se fosse pouco, Jesus dirige‑se a cada um de nós, apesar das nossas inegáveis misérias, para nos perguntar como a Pedro: «Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?»…

“– É o momento de responder: «Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu te amo!», acrescentando com humildade: – Ajuda‑me a amar‑te mais, aumenta o meu amor!” 19 São jaculatórias que nos podem servir no dia de hoje: aproximar‑nos‑ão mais de Cristo. Ele espera de nós essa correspondência.

(1) Mt 18, 12‑24; (2) Lc 15, 6; (3) São Bernardo, Sermão para o primeiro Domingo do Advento, 7; (4) São João Crisóstomo, Comentário à primeira Epístola aos Coríntios, 3; (5) João Paulo II, Homilia, 22‑X‑1978; (6) K. Adam, Jesus Cristo, pág. 34; (7) ib., pág. 35; (8) Mt 25, 40; (9) Mc 8, 2; Mt 9, 36; 14, 14; etc.; (10) Mc 6, 34; (11) Mc 7, 26; (12) Mc 1, 21; (13) Lc 23, 43; (14) Lc 8, 3; (15) Gal 2, 20; (16) Mt 28, 20; (17) Deut 31, 8; Primeira leitura da Missa da terça‑feira da décima nona semana do TC, ano I; (18) Sl 42, 4; (19) Josemaría Escrivá, Forja, n. 497.

Fonte: 

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal