TEMPO COMUM. TRIGÉSIMO DOMINGO. ANO C

– Necessidade da oração.
– Oração humilde e confiante. Parábola do fariseu e do publicano.
– Fidelidade à oração. Dificuldades.

I. A ORAÇÃO é novamente, neste domingo, o tema do Evangelho da Missa 1. Jesus começa a parábola do publicano e do fariseu insistindo em que é preciso orar sempre 2. Nos seus ensinamentos, as referências mais freqüentes – além da fé e da caridade – dizem respeito à oração. O Mestre quer dizer-nos de muitas maneiras que a oração é absolutamente necessária para segui-lo e para empreender qualquer tarefa cujo valor permaneça para além desta vida passageira.

Nos começos do seu Pontificado, o Papa São João Paulo II declarava: “A oração é para mim a primeira tarefa e como que o primeiro anúncio; é a primeira condição do meu serviço à Igreja e ao mundo”. E acrescentava: “Todos os fiéis devem considerar sempre a oração como a obra essencial e insubstituível da sua vocação, o opus divinum que antecede – como o cume de todo o seu viver e agir – qualquer tarefa. Sabemos bem que a fidelidade à oração ou o seu abandono são a prova da vitalidade ou da decadência da vida religiosa, do apostolado, da fidelidade cristã” 3.

Sem oração, não poderíamos seguir o Senhor no meio do mundo. É-nos tão indispensável como o alimento ou a respiração para a vida do corpo.

Poucos dias antes, o Pontífice recordava que um perigo para os sacerdotes, mesmo zelosos, “é submergirem-se de tal maneira no trabalho do Senhor, que se esqueçam do Senhor do trabalho” 4. É um perigo para todo o cristão, pois nada vale a pena – nem sequer o apostolado mais extraordinário que se possa imaginar – se se faz à custa do trato com o Senhor, pois no fim tudo seria estéril; teríamos levado a cabo uma obra puramente humana. O remédio para esse perigo não consiste em abandonar o trabalho ou a tarefa apostólica, mas em “criar o tempo para estar com o Senhor na oração” 5, que “hoje como ontem é imprescindível” 6.

Examinemos hoje se a nossa oração, o nosso trato diário com Jesus, vivifica o nosso trabalho, a vida familiar, a amizade, o apostolado… Sabemos muito bem que tudo é diferente quando primeiro falamos com o Mestre. É na oração que o Senhor “dá luzes para entender as verdades” 7. E sem essa luz, caminhamos às escuras. Com ela, penetramos nos mistérios de Deus e da vida.

II. A FINALIDADE DA PARÁBOLA que hoje lemos no Evangelho da Missa é distinguir a piedade autêntica da falsa. A oração verdadeira atravessa as nuvens do céu, conforme lemos na primeira Leitura 8: sobe até Deus e desce cheia de frutos.

Antes de narrar a parábola, São Lucas preocupa-se em mencionar que Jesus falava a uns que confiavam em si mesmos, como se fossem justos, e desprezavam os outros. O Senhor fala de dois personagens bem conhecidos de todos os ouvintes: Subiram dois homens ao templo para orar: um fariseu e outro publicano. Não demoramos a perceber que, embora ambos tenham ido ao Templo com a mesma finalidade, um deles não fez oração. Não fala com Deus num diálogo amoroso, mas consigo próprio. Na sua oração, não há amor, como também não há humildade. Está de pé, dá graças pelo que faz, mostra-se satisfeito. Compara-se com os outros e considera-se mais justo, melhor cumpridor da Lei. Parece não necessitar de Deus.

O publicano “ficou longe, e por isso Deus aproximou-se dele mais facilmente. Não se atrevendo a levantar os olhos ao céu, tinha já consigo Aquele que fez os céus… Que o Senhor esteja longe ou não, depende de ti. Ama e se aproximará” 9. E estará atentíssimo, como nunca ninguém o esteve, a tudo aquilo que queiramos dizer-lhe com a simplicidade de quem se reconhece pecador. O publicano conquistou a Deus pela sua humildade, pois Ele resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes 10.

Efetivamente, a humildade é o fundamento do nosso trato com Deus. O Senhor deseja que oremos como filhos pobres e sempre necessitados da sua misericórdia, e que fujamos da auto-suficiência, da complacência nas nossas virtudes ou nos aparentes ou possíveis frutos apostólicos, como também das atitudes negativas, pessimistas, que refletem falta de confiança na graça de Deus, e que freqüentemente são manifestações de uma soberba oculta. A oração humilde é sempre um tempo de alegria, de confiança e de paz.

“Deus gosta – ensina Santo Afonso M. de Ligório – de que trateis familiarmente com Ele. Tratai com Ele dos vossos assuntos, dos vossos projetos, dos vossos trabalhos, dos vossos temores e de tudo o que vos interesse. Fazei-o com confiança e com o coração aberto, porque Deus não costuma falar à alma que não lhe fala” 11. Mas falemos-lhe com a simplicidade da humildade.

III. PREPAREMOS com especial esmero os tempos que dedicamos à oração, “estando a sós com quem sabemos que nos ama” 12, pois dela tiraremos forças para santificar os nossos afazeres diários, para converter em graça as contrariedades e para vencer todas as dificuldades. A nossa fortaleza está na proporção do nosso trato com o Senhor.

Ao começá-la, “é necessário preparar o coração para esse santo exercício, que é como quem afina a viola para tangê-la” 13. Nesta preparação, ajuda-nos muito termos oferecido o nosso trabalho ao Senhor ao longo do dia, com breves momentos de recolhimento interior…, e, no instante em que a começamos, fazermos um ato de presença de Deus que melhore esse recolhimento e nos introduza no diálogo com Deus. Será normalmente uma breve oração vocal que já de per si nos dará matéria para conversar com o Senhor. Pode, por exemplo, ser muito útil recitarmos devagar palavras como estas: Meu Senhor e meu Deus, creio firmemente que estás aqui, que me vês, que me ouves. Adoro-te com profunda reverência, peço-te perdão dos meus pecados e graça para fazer com fruto este tempo de oração. E este sentirmo-nos junto do Senhor já é oração. A partir daí, Ele entende-nos e nós o entendemos. Pedimos-lhe, e Ele pede-nos: mais generosidade, mais amor, mais luta…

Não devemos preocupar-nos se algumas vezes – ou sempre! – não experimentamos nenhum sentimento especial na oração. “Para quem se empenha seriamente em fazer oração, virão tempos em que lhe parecerá vaguear por um deserto e, apesar de todos os esforços, não sentir nada de Deus. Deve saber que essas provas não são poupadas a ninguém que tome a oração a sério […]. Nesses períodos, deve esforçar-se firmemente por manter a oração, que, ainda que possa dar-lhe a impressão de um certo artificialismo, é na realidade algo completamente distinto: é precisamente nessa altura que a oração constitui uma expressão da sua fidelidade a Deus, na presença do qual quer permanecer mesmo que não seja recompensado por nenhuma consolação subjetiva” 14. Muitos dos dias em que, com toda a nossa luta por estar com o Senhor, nos pareceu termos passado o tempo sem obter fruto algum, talvez tenham representado aos olhos de Deus uma oração esplêndida. O Senhor sempre nos recompensa com a sua paz e as suas forças para empreendermos as batalhas que tenhamos pela frente.

Não deixemos nunca a oração. “Outra coisa não me parece perder o caminho – escreve Santa Teresa, com a sua habitual clareza – senão abandonar a oração” 15.

Em não poucas ocasiões, pode ser a tentação mais grave que venha a sofrer uma alma que decidiu seguir o Senhor de perto: abandonar esse diálogo diário com Ele porque pensa que não tira fruto algum, porque considera mais importantes outras coisas, até tarefas apostólicas, quando nada é mais importante do que esse encontro diário em que Jesus nos espera. “A todo o custo – escreve um autor espiritual – deve-se tomar e cumprir inflexivelmente a determinação de perseverar em dedicar todos os dias um tempo conveniente à oração privada. Pouco importa se não se pode fazer outra coisa senão permanecer de joelhos durante esse tempo e combater as distrações com absoluta falta de êxito: não se está perdendo o tempo” 16. Pelo contrário, não existe tempo melhor empregado do que aquele que “perdemos” junto do Senhor.

Peçamos hoje a Nossa Senhora que nos ensine a tratar o seu Filho como Ela o tratou em Nazaré e durante os anos de vida pública. E façamos o propósito de não cometer a tolice de abandonar a oração e de não consentir em distrações nesse tempo em que o Senhor nos olha e nos escuta com tanta solicitude.

(1) Lc 18, 9-14; (2) cfr. Lc 18, 1; (3) João Paulo II, Alocução, 7.10.79; (4) João Paulo II, Alocução em Maynooth (Irlanda), 1.10.79; (5) ibid.; (6) João Paulo II, Alocução em Guadalupe, México, 27.01.79; (7) Santa Teresa, Fundações, 10, 13; (8) Eclo 35, 19; (9) Santo Agostinho, Sermão 9, 21; (10) Ti 4, 6; (11) Santo Afonso Maria de Ligório, Como conversar continua e familiarmente com Deus, em Obras ascéticas, vol. I, págs. 316-317; (12) Santa Teresa, Vida, 8, 2; (13) São Pedro de Alcântara, Tratado sobre a oração e a meditação, I, 3; (14) Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Sobre alguns aspectos da meditação cristã, 15.10.89, n. 30; (15) Santa Teresa, Vida, 19, 5; (16) Eugene Boylan, Amor sublime, vol. II, pág. 141.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal