TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA SEGUNDA SEMANA. SÁBADO
– A nossa confiança na oração de petição tem o seu fundamento na infinita bondade de Deus.
– Recorrer sempre à misericórdia divina.
– A intercessão da Virgem.
I. O SENHOR MOSTROU-NOS de muitas maneiras a necessidade da oração e a alegria com que acolhe as nossas preces. Ele próprio roga ao Pai para nos dar exemplo do que devemos fazer. Deus sabe bem que cada minuto da nossa existência é fruto da sua bondade, que estamos necessitados de tudo, que não temos nada. E, justamente porque nos ama com amor infinito, quer que reconheçamos a nossa dependência, pois a certeza das nossas limitações leva-nos a não nos separarmos um só instante sequer da sua proteção amorosa.
Para nos animar a esta oração de súplica, Jesus quis dar-nos todas as garantias possíveis, ao mesmo tempo que nos mostrava as condições a que devem obedecer sempre as nossas preces. O Evangelho da Missa fala-nos de uma viúva que clamava sem cessar perante um juiz iníquo; este resistia a atendê-la1, mas, pela insistência da mulher, acabou por prestar-lhe ouvidos. Deus aparece na parábola em contraste com o juiz. E Deus não fará justiça aos seus escolhidos que clamam a ele dia e noite, e tardará em socorrê-los? Se esse juiz que era injusto e iníquo decidiu finalmente fazer justiça, o que não fará Aquele que é infinitamente bom, justo e misericordioso?
Este é o tema central da parábola: a misericórdia divina ante a indigência dos homens. A atitude do juiz foi desde o princípio de resistência à viúva, mas a de Deus, pelo contrário, é sempre paternal e acolhedora. Por outro lado, as razões que levaram o juiz a atender a viúva eram superficiais e pouco consistentes. Por fim disse de si para si: Ainda que eu não tema a Deus nem respeite os homens, no entanto, visto que esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, para que não continue a atormentar-me. A “razão” de Deus, pelo contrário, é o seu amor infinito.
Jesus conclui assim a parábola: Prestai atenção ao que diz este juiz iníquo. E Deus não fará justiça aos seus escolhidos que clamam a ele dia e noite, e tardará em socorrê-los? Santo Agostinho comenta: “Portanto, devem estar bem confiantes os que pedem a Deus com perseverança, porque Ele é a fonte da justiça e da misericórdia”2. Se a constância abranda um juiz “capaz de todos os crimes, com quanto maior razão devemos prostrar-nos e rogar ao Pai das misericórdias, que é Deus?”3
O amor dos filhos de Deus deve expressar-se na constância e na confiança, pois “se às vezes Deus tarda em dar, encarece os seus dons, mas não os nega. A consecução de algo longamente esperado é mais doce… Pede, busca, insiste. Pedindo e buscando, obténs o crescimento necessário para alcançar o dom. Deus reserva-te o que não te quer dar imediatamente para que aprendas a desejar vivamente as coisas grandes. Portanto, convém orar sempre e não desfalecer”4. Não devemos desanimar nunca nas nossas súplicas a Deus.
“Meu Deus, ensina-me a amar! – Meu Deus, ensina-me a orar!”5 Ambas as coisas coincidem.
II. A ORAÇÃO PERSEVERANTE do justo pode muito6. E tem tanto poder porque pedimos em nome de Jesus7. Ele encabeça a nossa petição e atua como Mediador diante de Deus Pai8; e o Espírito Santo suscita na nossa alma a súplica, quando nem sequer sabemos o que pedir. Quem tem poder de conceder pede conosco para que sejamos atendidos: que maior segurança podemos desejar? Somente a nossa incapacidade de receber limita os dons de Deus. Como quando se vai a uma fonte com um recipiente pequeno ou esburacado.
O Senhor é compassivo e misericordioso9 com as nossas deficiências e com os nossos males. A Sagrada Escritura mostra-nos com freqüência o Senhor como Deus de misericórdia, e serve-se para isso de expressões comovedoras: Ele tem entranhas de misericórdia e ama com muita misericórdia10, como as mães… São Tomás, que insiste freqüentemente em que a onipotência divina resplandece de maneira especial na misericórdia11, ensina que ela é em Deus abundante e infinita: “Dizer que alguém é misericordioso – ensina o Santo – é como dizer que tem o coração cheio de misérias, isto é, que ante as misérias alheias experimenta a mesma sensação de tristeza que experimentaria se fossem dele mesmo; por essa razão, esforça-se por remediar a tristeza alheia como se fosse própria, e este é o efeito da misericórdia. Pois bem, não compete a Deus entristecer-se pela miséria de outro; mas remediar as misérias, entendendo por miséria um defeito qualquer, é o que mais compete a Deus”12.
Em Cristo, ensina o Papa João Paulo II, a misericórdia de Deus tornou-se particularmente visível. “Ele próprio a encarna e personifica; em certo sentido, Ele próprio é a misericórdia”13. Conhece-nos bem e tem compaixão das nossas doenças e de tantas penas que a vida não raras vezes traz consigo… “Nós – cada um de nós – somos sempre muito interesseiros; mas Deus Nosso Senhor não se importa de que, na Santa Missa, exponhamos diante dEle todas as nossas necessidades. Quem não tem coisas que pedir? Senhor, essa doença… Senhor, esta tristeza… Senhor, aquela humilhação que não sei suportar por amor de Ti…
“Queremos o bem, a felicidade e a alegria das pessoas da nossa casa; oprime-nos o coração a sorte dos que padecem fome e sede de pão e de justiça; dos que experimentam a amargura da solidão; dos que, no fim dos seus dias, não recebem um olhar de carinho nem um gesto de ajuda. Mas a grande miséria que nos faz sofrer, a grande necessidade a que queremos pôr remédio é o pecado, o afastamento de Deus, o risco de que as almas se percam por toda a eternidade”14. O estado da alma dos que convivem conosco deve ser a nossa primeira preocupação, o pedido mais urgente que elevamos diariamente ao Senhor, certos de que nos escutará.
III. O POVO CRISTÃO sentiu-se movido, ao longo dos séculos, a apresentar as suas súplicas a Deus através de Santa Maria. Em Caná da Galiléia, Nossa Senhora manifestou o seu poder de intercessão ante uma necessidade material de uns noivos que possivelmente não souberam calcular bem o número de pessoas que compareceriam à festa de bodas. O Senhor determinou que a sua hora fosse adiantada por um pedido de sua Mãe. “Na vida pública de Jesus – diz o Concílio Vaticano II –, a sua Mãe aparece significativamente já desde o começo, quando, para as núpcias em Caná da Galiléia, movida de misericórdia, conseguiu por sua intercessão o início dos sinais de Jesus”15. Desde o princípio, a obra redentora de Jesus foi acompanhada pela presença de Maria. Naquela ocasião, não só se solucionou a falta de vinho como – o Evangelista menciona-o expressamente – o milagre confirmou a fé daqueles que seguiam Jesus mais de perto. Por este modo deu Jesus princípio aos seus milagres em Caná da Galiléia, e manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele16.
A Virgem Santa Maria, sempre atenta às dificuldades e carências dos seus filhos, será o caminho por onde as nossas preces chegarão prontamente ao seu Filho. E Ela as corrigirá se estiverem um pouco desviadas. “Por que terão tanta eficácia os pedidos de Maria a Deus?”, pergunta-se Santo Afonso Maria de Ligório. E responde: “As orações dos santos são orações de servos, ao passo que as orações de Maria são orações de Mãe, de onde procede a sua eficácia e caráter de autoridade; e como Jesus ama imensamente a sua Mãe, Ela não pode pedir sem ser atendida […]. Para conhecer bem a grande bondade de Maria, recordemo-nos do que diz o Evangelho […]. Faltava vinho, com a conseqüente aflição dos esposos. Ninguém pediu a Santa Maria que intercedesse perante o seu Filho em favor dos consternados esposos. Contudo, o coração de Maria, que não pode deixar de se compadecer dos desgraçados […], impeliu-a a encarregar-se por si mesma do ofício de intercessora e a pedir ao Filho o milagre, apesar de ninguém lho ter pedido […]. Se a Senhora agiu assim sem que lho pedissem, o que teria feito se lhe tivessem pedido?”17
Hoje, um sábado que procuramos dedicar especialmente a Nossa Senhora, é uma boa ocasião para recorrermos a Ela com mais freqüência e com mais amor. “Pede à tua Mãe, Maria, a José, ao teu Anjo da Guarda…, pede-lhes que falem com o Senhor, dizendo-lhe aquilo que, pela tua rudeza, não sabes expressar”18.
(1) Lc 18, 1-8; (2) Santo Agostinho, Catena Aurea, vol. VI, pág. 295; (3) Teofilacto, Catena Aurea, vol. VI, pág. 296; (4) Santo Agostinho, Sermão 61, 6-7; (5) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, n. 66; (6) Ti 5, 16; (7) cfr. Jo 15, 16; 16, 26; (8) cfr. São Cirilo de Jerusalém, Comentário ao Evangelho de São João, 16, 23-24; (9) Ti 5, 11; (10) cfr. Êx 34, 6; Joel 2, 13; Lc 1, 78; (11) cfr. São Tomás de Aquino, Suma teológica, I, q. 21, a. 4; II-II, q. 30, a. 4; (12) São Tomás de Aquino, Suma teológica, I, q. 21, a. 3; (13) João Paulo II, Carta Encíclica Dives in misericordia, 30.11.80, 2; (14) São Josemaría Escrivá, Amar a la Iglesia, 2ª ed., Palabra, Madrid, 1986, págs. 77-78; (15) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 58; (16) Jo 2, 11; (17) Santo Afonso Maria de Ligório, Sermões abreviados, 48; (18) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 272.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal