TEMPO COMUM. TERCEIRA SEMANA. SEXTA-FEIRA
– A graça de Deus sempre dá os seus frutos, se nós não lhe opomos obstáculos.
– Os frutos da correspondência.
– Evitar o desalento pelos defeitos que não desaparecem e pelas virtudes que não se alcançam. Recomeçar muitas vezes.
I. O EVANGELHO DA MISSA de hoje apresenta-nos uma pequena parábola que só é relatada por São Marcos 1. O Senhor fala-nos nela do crescimento da semente lançada à terra; uma vez semeada, cresce independentemente de que o dono do campo durma ou esteja acordado, e sem que ele saiba como isso se dá. Assim é a semente da graça que cai nas almas; se não lhe levantam obstáculos, se lhe é permitido crescer, dá o seu fruto necessariamente, sem depender de quem semeia ou de quem rega, mas de Deus que dá o crescimento 2.
Considerar freqüentemente que “a doutrina, a mensagem que devemos propagar, tem uma fecundidade própria e infinita que não é nossa, mas de Cristo” 3, dá-nos uma grande confiança na nossa atuação apostólica. E, na própria vida interior, também nos cumula de esperança, pois nos dá a saber que a graça de Deus, se nós não a dificultamos, realiza silenciosamente na alma uma profunda transformação, quer durmamos, quer estejamos acordados, a toda a hora, fazendo brotar no nosso interior – talvez agora mesmo, nestes minutos de oração – resoluções de fidelidade, de correspondência, de entrega.
O Senhor oferece-nos constantemente a sua graça para nos ajudar a ser fiéis, isto é, a cumprir o dever de cada momento. Da nossa parte, resta-nos aceitar essas ajudas e cooperar com elas generosamente e com docilidade. Dá-se na alma algo de semelhante ao que acontece com o corpo: os pulmões necessitam continuamente de aspirar oxigênio para renovar o sangue; quem não respira morre asfixiado. Pois bem, quem não recebe docilmente a graça que lhe é dada por Deus em cada momento, acaba por morrer de asfixia espiritual 4.
Receber a graça com docilidade é empenhar-se em realizar aquilo que o Espírito Santo sugere na intimidade do coração: quando nos incita, por exemplo, a cumprir o dever até o fim, primordialmente naquilo que se refere aos compromissos espirituais; a esforçar-nos decididamente por alcançar uma meta mais alta em determinada virtude; a aceitar com elegância sobrenatural e simplicidade uma contradição que talvez se prolongue.
Quanto maior for a nossa fidelidade a essas graças, melhor nos prepararemos para receber outras, maior a facilidade que teremos para realizar boas obras, maior a alegria que experimentaremos na nossa vida, porque a alegria sempre está estreitamente relacionada com a correspondência à graça.
II. A DOCILIDADE ÀS INSPIRAÇÕES do Espírito Santo é necessária para conservarmos a vida da graça e para obtermos frutos sobrenaturais. Como o Senhor nos diz na parábola que meditamos, a semente tem a força necessária para germinar, crescer e dar frutos no nosso coração.
Mas, em primeiro lugar, é necessário deixar que chegue à alma, recebê-la no nosso interior, acolhê-la sem a calcar ou marginalizar, pois “as oportunidades de Deus não esperam. Chegam e passam. A palavra de vida não aguarda; se não nos apossamos dela, será levada pelo demônio, que não é preguiçoso, que tem os olhos sempre abertos e está sempre preparado para saltar e levar o dom não utilizado” 5. A resistência à graça produz na alma o mesmo efeito que “o granizo sobre a florada de uma árvore que prometia frutos abundantes; as flores são afetadas e o fruto não chega a amadurecer” 6. A vida interior debilita-se e morre.
O Espírito Santo concede-nos inúmeras graças para evitarmos o pecado venial deliberado, bem como essas faltas que, sem serem propriamente um pecado, desagradam a Deus. Os santos foram sempre os que com maior delicadeza souberam corresponder a essas ajudas sobrenaturais. Nós também recebemos incontáveis graças para santificar as ações da vida ordinária. Chegam-nos sob a forma de pequenas inspirações, de um rebate de consciência, da sugestão para uma reconciliação, para um ato de caridade com alguém que não o espera, de um impulso que leva a concluir o trabalho começado, de uma luz inesperada sobre algum aspecto defeituoso da nossa maneira de ser… Se formos fiéis da manhã até à noite a esses auxílios, os nossos dias terminarão repletos de atos de amor a Deus e ao próximo, tanto nos momentos agradáveis como naqueles em que nos sentimos cansados, com menos forças e ânimo: todos são bons para dar fruto.
Uma graça traz outra consigo – a quem tem, dar-se-lhe-á, líamos ontem no Evangelho da Missa 7 –, e a alma vai-se fortalecendo no bem à medida que o pratica. Cada dia é um grande presente que Deus nos faz para que o cumulemos de amor numa correspondência alegre, contando com obstáculos e com o impulso divino para superá-los e convertê-los em ocasião de santidade e de apostolado. Todas as coisas são bem diferentes quando as realizamos por amor e para o Amor.
III. “O HOMEM LANÇA a semente na terra quando forma no seu coração um bom propósito […]; e a semente germina e cresce sem que ele o perceba, porque, ainda que não possa notar o seu crescimento, a virtude, uma vez concebida, caminha para a perfeição, e a terra frutifica por si mesma: com a ajuda da graça, a alma do homem levanta-se espontaneamente para fazer o bem. Não esqueçamos, contudo, que a terra primeiro produz o talo, depois a espiga e por fim o trigo” 8. A vida interior necessita de tempo, cresce e amadurece como o trigo no campo.
A fidelidade aos impulsos que o Senhor nos quer dar também se manifesta em evitarmos o desalento pelas nossas faltas e a impaciência ao vermos que talvez continue a custar-nos dedicar uns minutos diários à oração mental, arrancar um defeito ou lembrar-nos mais vezes de Deus enquanto trabalhamos.
O lavrador é paciente: não desenterra a semente nem abandona o campo por não encontrar o fruto esperado no tempo que ele julgava suficiente para colhê-lo. O lavrador sabe muito bem que deve trabalhar e esperar, contar com o frio e com os dias ensolarados; sabe que a semente vai amadurecendo sem que ele perceba como, e que o tempo da colheita não deixará de chegar.
“Em geral, a graça atua como a natureza: por graus. Não podemos propriamente antecipar-nos à ação da graça: mas, naquilo que depende de nós, temos de preparar o terreno e cooperar, quando Deus no-la concede.
“É mister conseguir que as almas apontem muito alto: empurrá-las para o ideal de Cristo; levá-las até às últimas conseqüências, sem atenuantes nem paliativos de espécie alguma, sem esquecer que a santidade não é primordialmente questão de braços. Normalmente, a graça segue as suas horas, e não gosta de violências.
“Fomenta as tuas santas impaciências…, mas não percas a paciência” 9, tal como não a perde o lavrador na sua sabedoria de séculos. Aprendamos a “apontar muito alto” na santidade e no apostolado, esperando o tempo oportuno, sem nunca desanimar, retomando muitas vezes os nossos propósitos audazes.
Devemos ser cada vez mais conscientes de que a superação de um defeito ou a aquisição de uma virtude não depende normalmente de esforços violentos e esporádicos, mas da continuidade humilde na luta, da constância em tentar e voltar a tentar, contando com a misericórdia infinita do Senhor. Não podemos deixar de ser fiéis às graças por impaciência. “É preciso que tenhamos paciência com todos – diz São Francisco de Sales –, mas, em primeiro lugar, conosco próprios”10.
Nada é irremediável para quem espera no Senhor; nada está perdido; sempre há possibilidade de perdão e de tornar a começar: humildade, sinceridade, arrependimento… e tornar a começar, correspondendo ao Senhor, que está mais empenhado do que nós em que vençamos os obstáculos. Há uma profunda alegria de cada vez que recomeçamos. E teremos que fazê-lo muitas vezes ao longo da nossa passagem pela terra, porque sempre teremos faltas, deficiências, fragilidades e pecados.
Sejamos humildes e pacientes. Deus conta com os nossos fracassos, mas espera também muitas pequenas vitórias ao longo dos nossos dias; vitórias que se alcançam sempre que somos fiéis a uma inspiração, a uma moção do Espírito Santo, por pequena que seja.
(1) Mc 4, 26-32; (2) cfr. 1 Cor 3, 5-9; (3) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 159; (4) cfr. R. Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior, vol. I, pág. 104; (5) Card. J. H. Newman, Sermão para o domingo da Sexagésima. Chamadas da graça; (6) R. Garrigou-Lagrange, op. cit., pág. 105; (7) Mc 4, 25; (8) São Gregório Magno, Homilias sobre Ezequiel, 2, 3; (9) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 668; (10) São Francisco de Sales, Cartas, frag. 139, in Obras selectas de San Francisco de Sales, BAC, Madrid, 1959, II, pág. 774.
Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.