TEMPO COMUM. QUINTA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– O mandamento divino do trabalho não é um castigo, mas uma bênção; faz-nos participar do poder criador de Deus. O cansaço e a fadiga devem ajudar-nos a ser corredentores com Cristo.
– Prestígio profissional. A preguiça, o grande inimigo do trabalho.
– Virtudes do trabalho bem realizado.

I. DEPOIS QUE DEUS criou a terra e a enriqueceu com todo o tipo de bens, tomou o homem e colocou-o no paraíso de delícias para que o cultivasse e guardasse 1, isto é, para que o trabalhasse. O Senhor, que tinha feito o homem à sua imagem e semelhança 2, quis também que ele participasse do seu poder criador, transformando a matéria, descobrindo os tesouros que ela encerra e plasmando a beleza mediante as obras das suas mãos. O trabalho nunca foi um castigo, mas, pelo contrário, “uma dignidade de vida e um dever imposto pelo Criador, já que o homem foi criado ut operaretur, para trabalhar. O trabalho é um meio pelo qual o homem se torna participante da criação e, portanto, não só é digno, seja qual for, mas é instrumento para se conseguir a perfeição humana – terrena – e a perfeição sobrenatural” 3.

Este preceito divino existia antes de os nossos primeiros pais terem pecado. O pecado original acrescentou ao trabalho a fadiga e o cansaço, mas o trabalho em si continua a ser nobre, digno, por ser participação no poder criador de Deus, ainda que “agora se faça acompanhar de penas e sofrimentos, de infecundidade e cansaço. Continua a ser um dom divino e uma tarefa que deve ser realizada sob condições penosas, tal como o mundo continua a ser o mundo de Deus, mas um mundo em que já não se distingue com clareza a voz divina” 4.

Com a Redenção, os aspectos penosos do trabalho ganharam um valor santificador para quem o exerce e para toda a humanidade. O suor e a fadiga, oferecidos com amor, tornam-se tesouros de santidade, pois o trabalho feito por amor a Deus representa a participação humana, não só na obra da Criação, mas também na da Redenção.

Todo o trabalho implica uma quota-parte de fadiga e de preocupação que podemos oferecer ao Senhor em expiação das culpas humanas. Aceitar com humildade essa parte de esforço, que mesmo a melhor organização trabalhista não consegue eliminar, significa colaborar com Deus na purificação da nossa inteligência, da nossa vontade e dos nossos sentimentos 5.

Examinemos hoje na nossa oração se oferecemos ao Senhor a fadiga e o cansaço por fins nobremente ambiciosos. Averigüemos se, nesses aspectos menos agradáveis de qualquer trabalho, encontramos a mortificação cristã que nos purifica e que nos permite oferecê-lo pelos outros.

II. O TRABALHO É UM TALENTO que o homem recebe para fazer frutificar, e “é testemunho da dignidade do homem, do seu domínio sobre a criação; é meio de desenvolvimento da personalidade; é vínculo de união com os outros seres; fonte de recursos para o sustento da família; meio de contribuir para o progresso da sociedade em que se vive e para o progresso de toda a humanidade” 6. Para o cristão, é, além disso, ocasião de um encontro pessoal com Jesus Cristo e meio para que todas as realidades deste mundo sejam vivificadas pelo espírito do Evangelho.

Para que “o homem se faça mais homem” 7 com o trabalho, para que este seja meio e ocasião de amar a Cristo e de fazer com que o conheçam, são necessárias diversas condições humanas: a diligência, a constância, a pontualidade…, a competência profissional. Em sentido contrário, o pouco interesse por aquilo que se realiza, a incompetência, a impontualidade e as ausências no trabalho… são incompatíveis com o sentido autenticamente cristão da vida. O trabalhador negligente ou desinteressado, seja qual for o posto que ocupe na sociedade, ofende em primeiro lugar a própria dignidade da sua pessoa e a daqueles a quem se destinam os frutos dessa tarefa mal feita. E ofende ainda a sociedade em que vive, pois nela repercute de alguma forma todo o mal e todo o bem dos indivíduos. Além disso, o trabalho realizado descuidadamente, com atrasos e mal acabado, não é uma falta ou um pecado apenas contra a virtude da justiça, mas também contra a caridade, pelo mau exemplo e pelas conseqüências que derivam dessa atitude.

O grande inimigo do trabalho é a preguiça, que se manifesta de muitas maneiras. Não é preguiçoso somente aquele que deixa o tempo passar sem fazer nada, mas também aquele que se dedica a muitas coisas, mas foge da sua obrigação concreta: escolhe as suas ocupações de acordo com o gosto do momento, realiza-as sem energia, e qualquer pequena dificuldade é suficiente para que mude de tarefa.

O preguiçoso costuma ser amigo dos “começos”, mas a repugnância que sente pelo sacrifício de um trabalho contínuo e profundo impede-o de pôr as “últimas pedras”, de acabar bem o que começou.

Se queremos imitar Jesus Cristo, devemos esforçar-nos por adquirir uma preparação profissional adequada, dando-lhe continuidade nos anos de exercício da nossa profissão ou ofício. A mãe de família que se dedica aos seus filhos deve saber cuidar do lar, ser boa administradora dos recursos e dos bens domésticos: manter a casa agradável, arrumada com bom gosto mais do que com luxo, para que toda a família se sinta bem; conhecer o caráter dos filhos e do marido, e saber, quando chegue a ocasião, como falar-lhes daquelas questões difíceis em que podem corrigir-se e melhorar; deve ser forte e ao mesmo tempo doce e simples. Deverá conduzir essa tarefa com mentalidade profissional, sujeitando-se a um horário fixo, não perdendo o tempo em conversas intermináveis, evitando ligar a televisão nas horas em que não deve…

O estudante, se quiser ser um bom cristão, deve ser bom estudante: assistindo às aulas, tendo as matérias em dia, aprendendo a distribuir o tempo que dedica a cada matéria. Devem ser igualmente competentes o arquiteto, a secretária, a costureira, o empresário… “O cristão que falha nas suas obrigações temporais – ensina o Concílio Vaticano II –, falha nos seus deveres para com o próximo; falha, sobretudo, nas suas obrigações para com Deus e põe em perigo a sua salvação eterna” 8; errou de caminho numa matéria essencial e, se não muda, estará impossibilitado de encontrar a Deus.

Olhemos para Jesus enquanto realiza o seu trabalho na oficina de José e perguntemo-nos hoje se somos conhecidos no nosso ambiente pelo esmero com que trabalhamos.

III. O PRESTÍGIO PROFISSIONAL é conquistado dia após dia, num trabalho silencioso, cuidado até o menor detalhe, feito conscientemente, na presença de Deus, sem dar muita importância a que seja visto ou não pelos homens. Este prestígio na própria profissão, ofício ou estudo, tem repercussões imediatas nos colegas e amigos, pois a palavra com que tratamos de aproximá-los de Deus passará a ter peso e autoridade, e o nosso exemplo de um trabalho profissional competente os ajudará a melhorar nas suas tarefas. A profissão converte-se assim num pedestal de Cristo, que permite avistá-lo mesmo de longe.

Com o prestígio profissional, o Senhor pede-nos outras virtudes: o espírito de serviço amável e sacrificado, a simplicidade e a humildade para ensinar, a serenidade para não converter a atividade intensa em ativismo e saber deixar as tarefas e as preocupações de lado quando chega o momento de dedicar uns minutos à oração ou de cuidar da família e escutar a mulher, o marido, os filhos, os pais, os amigos…

Se o trabalho ocupasse o dia de tal maneira que invadisse esses momentos que se devem dedicar a Deus, à família, à formação religiosa, aos amigos…, seria um sintoma claro de que não nos estamos santificando, mas de que nos estamos buscando a nós mesmos. Seria mais uma forma de corrupção desse “dom divino”, uma deformação talvez mais perigosa na nossa época, pelas próprias exigências desfocadas em que se baseiam muitas ocupações. Um cristão corrente e normal não pode esquecer nunca que deve encontrar Cristo no meio e através dos seus afazeres, sejam quais forem.

Peçamos a São José que nos ensine as virtudes fundamentais que devemos viver no exercício da nossa profissão. “José devia tirar muita gente de dificuldades, com um trabalho bem acabado. O seu trabalho profissional era uma ocupação orientada para o serviço, tinha em vista tornar mais grata a vida das outras famílias da aldeia; e far-se-ia acompanhar de um sorriso, de uma palavra amável, de um comentário dito como que de passagem, mas que devolve a fé e a alegria a quem está prestes a perdê-las” 9. Perto de José, encontraremos Maria.

(1) Gên 2, 15; Primeira leitura da Missa da quarta-feira da quinta semana do TC, ciclo A; (2) cfr. Gên 1, 27; (3) São Josemaria Escrivá, Carta, 31-V-1954; (4) M. Schmaus, Teologia dogmática, Rialp, Madrid, 1959, vol. II, pág. 411; (5) cfr. Card. Wyszynsky, El espíritu del trabajo, Rialp, Madrid, 1958, pág. 95; (6) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 47; (7) cfr. João Paulo II, Alocução, 10-I-1979; (8) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 43; (9) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 51.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal