TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SEXTA SEMANA. TERÇA-FEIRA

– Não desanimar pelos nossos defeitos: o Senhor conta com eles e com o nosso empenho em arrancá-los.
– A ajuda incessante do Espírito Santo.
– O defeito dominante.

I. QUANDO SE APROXIMAVA a hora de partir deste mundo, Jesus mostrou-se firmemente decidido a ir a Jerusalém. E, ao entrar numa cidade de samaritanos, os seus habitantes não o receberam porque dava a impressão de ir a caminho de Jerusalém 1. O Senhor, longe de tomar qualquer represália contra aqueles samaritanos por não terem tido com Ele a menor prova de hospitalidade, não os criticou, mas foram para outra aldeia. Já a reação dos Apóstolos foi bastante diferente. Tiago e João propuseram a Jesus: Senhor, queres que mandemos que desça fogo do céu e os consuma? E o Senhor aproveitou a ocasião para ensinar-lhes que é preciso querer a todos, compreender mesmo os que não nos compreendem.

Muitas passagens do Evangelho põem a descoberto os defeitos dos Apóstolos, ainda por polir, e como vão calando nos seus corações as palavras e o exemplo do Mestre. Deus conta com o tempo e com as fraquezas e defeitos dos seus discípulos de todas as épocas. Poucos anos após o episódio dos samaritanos, São João escreverá: Quem não ama não conhece a Deus; porque Deus é caridade 2. Converte-se no Apóstolo da caridade e do amor! Sem deixar de ser ele mesmo, o Espírito Santo foi transformando pouco a pouco o seu coração. O tema central das suas Epístolas é precisamente a caridade. Santo Agostinho, ao comentar a primeira delas, sublinhará que, nessa carta, o Apóstolo “disse muitas coisas, praticamente todas, sobre a caridade” 3. Foi ele quem nos transmitiu o ensinamento do Senhor sobre o mandamento novo, o mandamento que nos distinguiria como discípulos de Jesus 4. Junto do Mestre, aprendeu bem que, se nos amamos mutuamente, Deus permanece em nós, e a sua caridade é em nós perfeita 5.

A tradição fez chegar até nós alguns pormenores dos últimos anos da vida de São João, que confirmam a solicitude com que o Apóstolo cuidou de que fosse mantida a fidelidade ao mandamento do amor fraterno. São Jerônimo conta que, quando os discípulos o levavam às reuniões dos cristãos – pois pela sua idade já não podia ir sozinho –, repetia constantemente: “Filhinhos, amai-vos uns aos outros”. E como certa vez lhe perguntassem por que sempre dizia o mesmo, respondeu: “É o mandamento do Senhor, e, se se cumpre, isso basta” 6.

Para nós, que nos vemos cheios de defeitos, é um consolo e um estímulo saber que os santos também os tiveram, mas lutaram; foram humildes e alcançaram a santidade, chegando até a sobressair, como vemos no caso de São João, naquilo em que pareciam estar mais longe do espírito de Cristo.

II. DEPOIS DO DIA de Pentecostes, Espírito Santo completou a formação daqueles que escolhera para que fossem as colunas da sua Igreja, apesar de tantas deficiências. Desde então, não deixou de atuar nas almas dos discípulos de Cristo de todas as épocas. As suas inspirações são às vezes instantâneas como o relâmpago: sugere-nos no íntimo da alma que sejamos generosos em mortificar-nos numa pequena coisa, que tenhamos paciência na adversidade, que guardemos os sentidos… Numas ocasiões, atua diretamente, sugerindo, inspirando. Noutras, fá-lo através dos conselhos que recebemos na direção espiritual, ou de um acontecimento, do exemplo de uma pessoa, da leitura de um bom livro…

Ele quer situar “no edifício da minha vida a pedra que convém colocar neste ou naquele momento preciso e que é reclamada, digamo-lo assim, pelo projeto do edifício, conforme o estado atual da construção” 7, do grande projeto que Deus tem acerca da nossa vida, e que não quer levar a cabo sem a nossa colaboração.

E tudo está ordenado – umas vezes permitido, outras enviado pelo nosso Pai-Deus – para que alcancemos a santidade, o fim para o qual fomos criados e que consiste na nossa plena felicidade aqui na terra e depois, por toda a eternidade, no Céu. Também a dor, o sofrimento ou o fracasso que Deus permite estão orientados para esse fim mais alto, que nunca devemos perder de vista: Porquanto esta é a vontade de Deus, a vossa santificação 8.

Deus ama-nos sempre: quando nos dá consolações e quando permite a doença, a aflição, o sofrimento, a pobreza, o fracasso… Mais ainda, “Deus nunca me ama tanto como quando me envia um sofrimento” 9. É uma “carícia divina”, pela qual sempre devemos dar graças.

São Lucas fala-nos, na passagem do Evangelho que meditamos, da decisão com que Cristo se dirigiu a Jerusalém, onde o esperava a Cruz.

São João não mudou num instante, nem sequer depois da repreensão de Jesus. Mas não desanimou com os seus erros; pôs empenho, permaneceu junto do Mestre, e a graça fez o resto. Isto é o que o Senhor nos pede. Quando, no anoitecer da vida, o Apóstolo recordasse esse e muitos outros episódios em que se encontrava bem longe do espírito do seu Mestre, viria também à sua memória a paciência de que Jesus usara com ele, as vezes em que tivera de recomeçar, e isso o ajudaria a amar mais Aquele que, numa tarde inesquecível, o chamara para que o seguisse.

III. DEUS CONCEDEU a São João uma particular profundidade e finura na caridade, tanto na sua vida – o Senhor quis que fosse ele a cuidar da sua Mãe! – como nos seus ensinamentos. Movido pelo Espírito Santo, escreveu estas palavras cheias de sabedoria: Nisto se distinguem os filhos de Deus dos filhos do demônio: todo aquele que não pratica a justiça não é filho de Deus, e também não o é aquele que não ama o seu irmão 10. Como estamos longe daquele espírito duro e intransigente, que queria fazer descer fogo do céu sobre as cidades que não tinham querido dar ouvidos à mensagem do Senhor.

Não devemos desanimar diante dos nossos erros e fraquezas: o Senhor conta com eles, com o tempo, com a graça, e com os nossos desejos de lutar.

Mas, para combatermos com eficácia na vida interior, devemos conhecer bem aquilo que os autores espirituais chamam o defeito dominante, esse que em cada um tende a prevalecer sobre os outros e, como conseqüência, se faz presente na maneira de opinar, de julgar, de querer e de agir 11.

Trata-se de uma deficiência que de alguma maneira está na base de todos os nossos erros: nuns será a vaidade, noutros a preguiça, ou a impaciência, ou a falta de otimismo, ou a tendência para a ira… Não subimos todos pelo mesmo caminho para chegar à santidade: uns devem fomentar sobretudo a fortaleza; outros, a esperança ou a alegria. “Na cidadela da nossa vida interior, o defeito dominante é o ponto fraco, o lugar desguarnecido. O inimigo das almas procura precisamente, em cada um, esse ponto fraco, facilmente vulnerável, e com facilidade o encontra. Por conseguinte, nós também devemos conhecê-lo” 12.

Para isso, é preciso que nos perguntemos para onde se encaminham habitualmente os nossos desejos, o que é que mais nos preocupa, o que nos faz sofrer, o que nos leva com mais freqüência a perder a paz ou a cair na tristeza… Também ajuda a identificar o defeito dominante perguntarmo-nos em que ponto somos mais assaltados pelas tentações, pois é onde o inimigo nos vê mais fracos e, por isso, onde mais nos ataca.

Para progredirmos no combate ao defeito dominante, além de conhecermos bem esse ponto fraco, devemos pedir sinceramente a Deus a sua graça para vencê-lo: “Afasta de mim, Senhor, o que me afasta de Ti”, repetiremos em incontáveis ocasiões. E depois temos de fazer um propósito firme de não pactuar nunca com essa falha do nosso caráter, e aplicar-lhe o exame particular, um exame breve e freqüente que nos dirá se estamos lutando seriamente, com metas de superação concretas e aproveitando as ocasiões para adquirir a virtude oposta ao nosso defeito. “Com o exame particular tens de procurar diretamente adquirir uma virtude determinada ou arrancar o defeito que te domina” 13.

Em Maria, nossa Mãe, encontraremos sempre a paz e a alegria para caminharmos até o Senhor, pois o “nosso caminhar deve ser alegre, como o da Virgem; mas, como o dEla, passando pela experiência da dor, pelo cansaço do trabalho e pelo claro-escuro da fé.

“Caminhemos levados pela mão por Maria, a cheia de graça. Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo encheram-na de dons, fizeram dEla uma criatura perfeita; é da nossa raça e tem por missão distribuir apenas coisas boas. Mais. Ela converteu-se para nós em vida, doçura e esperança nossa.

“Maria, Mãe de Jesus, sinal de consolo e de esperança segura (Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 68), caminha pela terra iluminando com a sua luz o Povo de Deus peregrinante.

“Ela, a nossa Mãe, é o caminho, a via, o atalho para chegarmos ao Senhor. Maria encherá de alegria os nossos trabalhos […], o nosso peregrinar” 14.

(1) Lc 9, 52-56; (2) 1 Jo 4, 8; (3) Santo Agostinho, Comentário à primeira Epístola de São João, prólogo; (4) cfr. Jo 13, 34-35; (5) 1 Jo 4, 12; (6) São Jerônimo, Comentário à Epístola aos Gálatas, III, 6; (7) Joseph Tissot, La vida interior, 16ª ed., Herder, Barcelona, 1964, pág. 287; (8) 1 Tess 4, 3; (9) Joseph Tissot, La vida interior, pág. 293; (10) 1 Jo 3, 10; (11) cfr. Réginald Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior, vol. I, págs. 365 e segs.; (12) ibid., pág. 367; (13) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 241; (14) Jesús Urteaga, Los defectos de los santos, 3ª ed., Rialp, Madrid, 1982, págs. 380-381.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal