TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA QUARTA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– A paciência, parte da virtude da fortaleza.
– Paciência conosco, com os outros e nas contrariedades da vida corrente.
– Pacientes e constantes no apostolado.

I. OS TEXTOS DA MISSA de hoje, agora que faltam poucos dias para encerrar-se o ano litúrgico, relatam-nos uma parte do discurso do Senhor em que Ele se refere aos acontecimentos finais da história. Nesse longo discurso misturam-se diversas questões relacionadas entre si: a destruição de Jerusalém – ocorrida quarenta anos depois –, o fim do mundo e a vinda de Cristo em glória e majestade. Jesus anuncia também as perseguições que a Igreja padecerá e as tribulações dos seus discípulos. Esta é a passagem que o Evangelho da Missa nos propõe1, e que termina com uma exortação do Senhor à paciência, à perseverança, apesar dos obstáculos que possam apresentar-se: In patientia vestra possidebitis animas vestras, pela vossa paciência salvareis as vossas almas.

Os Apóstolos lembrar-se-iam mais tarde da advertência do Senhor: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se eles me perseguiram a mim, também vos hão de perseguir a vós2. Mas as tribulações não escapam à Providência divina. Deus permite-as porque são ocasião de bens maiores. A Igreja enriqueceu-se no amor a Deus e sempre saiu vencedora e fortalecida de todas as adversidades, conforme as palavras do Senhor: Haveis de ter aflições no mundo; mas tende confiança, eu venci o mundo3.

Neste caminhar em que consiste a vida, teremos de sofrer diversas provas: umas que hão de parecer-nos grandes, outras de pouco relevo, mas de todas elas a alma deve sair fortalecida, com a ajuda da graça.

Umas virão de fora, com ataques diretos ou velados por parte dos que não compreendem a vocação cristã, de um ambiente paganizado adverso ou dos que se opõem a tudo o que se refere a Deus; outras surgirão das próprias limitações da natureza humana, que não permitem – tantas vezes! – alcançar um objetivo a não ser à custa de um empenho contínuo, de sacrifício, de tempo… Podem sobrevir dificuldades econômicas, familiares, doenças, cansaço, desalento… A paciência é necessária para que perseveremos, para que estejamos alegres por cima de qualquer circunstância. E isto só será possível se tivermos o olhar posto em Cristo, que nos anima a seguir adiante, sem obcecar-nos com o que pode tirar-nos a paz. Sabemos que, em todas as situações, a vitória é garantida.

A paciência, diz Santo Agostinho, é “a virtude pela qual suportamos os males com ânimo sereno”. E acrescenta: “Não venha a acontecer que, por perdermos a serenidade da alma, abandonemos os bens que nos devem levar a conseguir outros maiores”4. É uma virtude que nos permite enfrentar com bom ânimo, por amor a Deus, sem queixas, os sofrimentos físicos e morais da nossa vida.

O normal será que tenhamos de exercê-la sobretudo nas coisas ordinárias, talvez em coisas que parecem triviais: um defeito que não acabamos de vencer, isto ou aquilo que não sai como quereríamos, um imprevisto, o caráter de uma pessoa com quem temos de conviver no trabalho, aglomerações no trânsito, atrasos dos meios de transporte públicos, esquecimentos… São ocasiões para crescermos na virtude da serenidade, pondo-a a serviço da caridade e fortalecendo a humildade.

II. A PACIÊNCIA é uma virtude bem diferente da mera passividade perante o sofrimento; não é um não reagir nem um simples agüentar: é parte da virtude da fortaleza, e leva a aceitar serenamente a dor e as provas da vida, grandes ou pequenas, como vindas do amor de Deus. Identificamos então a nossa vontade com a do Senhor, e isso permite-nos manter a fidelidade em qualquer circunstância e é o fundamento da grandeza de ânimo e da alegria de quem está certo de vir a receber uns bens futuros maiores5.

Os campos em que devemos praticar esta virtude são inúmeros. Em primeiro lugar, conosco próprios, já que é fácil desanimarmos com os nossos próprios defeitos, sempre repetidos, sem conseguir superá-los totalmente. É necessário sabermos esperar e lutar com perseverança, convencidos de que, enquanto mantivermos o combate, estaremos amando a Deus. Normalmente, a superação de um defeito ou a aquisição de uma virtude não se consegue à custa de esforços violentos, mas de humildade, de confiança em Deus, de petição de mais graças, de uma maior docilidade. São Francisco de Sales afirmava que é necessário termos paciência com todos, mas, em primeiro lugar, conosco próprios6.

Paciência também com as pessoas com quem nos relacionamos freqüentemente, sobretudo se, por qualquer motivo, temos obrigação de ajudá-las na sua formação ou em determinadas circunstâncias…

Devemos contar com os defeitos das pessoas com quem convivemos – sem esquecer que muitas vezes estão sinceramente empenhadas em superá-los –, talvez com o seu mau gênio, com as suas faltas de educação, com os seus melindres… que, sobretudo se se repetem com freqüência, poderiam fazer-nos faltar à caridade, envenenar a convivência ou tornar ineficaz o nosso interesse em socorrê-las. A caridade ajudar-nos-á a saber esperar, sem deixar de corrigir quando for o momento mais indicado e oportuno. Esperar um tempo, sorrir, dar uma resposta amável a uma impertinência, são pormenores que podem fazer com que as nossas palavras cheguem ao coração das pessoas, e, de qualquer modo, sempre chegam ao Coração do Senhor, que olhará para nós com especial afeto.

Paciência com os acontecimentos que nos contrariam: a doença, a pobreza, o excessivo calor ou frio…, os diversos contratempos que se apresentam num dia normal: o telefone que não funciona ou a ligação que não se completa, a morosidade no trânsito que nos faz chegar atrasados a um encontro importante, esquecer em casa o material de trabalho, uma visita que se apresenta no momento menos oportuno… São as adversidades, talvez não muito grandes, mas que possivelmente nos levariam a reagir com falta de paz. O Senhor espera-nos nessas ocasiões: devemos enfrentá-las de ânimo tranqüilo, sem “explodir”, sem um gesto sequer de contrariedade ou um trejeito de desagrado. E tudo isto é manifestação do ânimo forte de um cristão que aprendeu a santificar os pequenos incidentes de um dia qualquer.

III. CARITAS PATIENS EST7, a caridade está cheia de paciência. E por sua vez a paciência é o grande suporte da caridade: sem ela, a caridade não subsistiria8. E no apostolado, que é manifestação da caridade por excelência, a paciência torna-se uma virtude absolutamente imprescindível. O Senhor quer que tenhamos a calma do semeador que lança a sua semente no terreno por ele previamente preparado e segue o ritmo das estações, esperando o momento oportuno: sem desânimos nem impaciências, com a confiança posta naquele minúsculo rebento que acaba de brotar e que um dia será espiga madura.

Jesus dá-nos exemplo de uma paciência indizível. Das multidões que o procuram, comenta por vezes que vendo não vêem, e ouvindo não ouvem nem entendem9; apesar de tudo, vemo-lo incansável na sua pregação e dedicação às pessoas, calcorreando sem parar os caminhos da Palestina. Nem sequer os Doze que o acompanham demonstram um grande aproveitamento: Tenho ainda muitas coisas a ensinar-vos – diz na véspera da sua partida –, mas por agora não as podeis compreender10. O Senhor conhecia bem os defeitos dos Apóstolos, a sua maneira de ser, e não desanimou. Mais tarde, cada um à sua maneira, será uma testemunha fiel de Cristo e do seu Evangelho.

A paciência e a constância são imprescindíveis nesse trabalho que, em colaboração com o Espírito Santo, temos que realizar na nossa alma e na dos nossos amigos e familiares que queremos aproximar do Senhor. A paciência anda de mãos dadas com a humildade, acomoda-se ao ser das coisas e respeita o tempo e o momento de cada uma delas, sem precipitá-los; conta com as suas próprias limitações e com as dos outros. “Um cristão que viva a rija virtude da paciência, não se surpreenderá ao perceber que os que o rodeiam dão mostras de indiferença pelas coisas de Deus. Sabemos que há pessoas que guardam nas camadas subterrâneas – como acontece com os bons vinhos nas adegas – umas ânsias irreprimíveis de Deus que temos o dever de desenterrar. Acontece, no entanto, que as almas – a nossa também – têm os seus ritmos de tempo, a sua hora, aos quais devemos acomodar-nos como o lavrador se acomoda às estações e ao terreno. Não nos disse o Mestre que o Reino de Deus é semelhante a um amo que saiu a diferentes horas do dia para contratar operários para a sua vinha? (Mt 20, 1-7)”11. E como não havemos de ser pacientes com os outros, se o Senhor teve tanta paciência conosco e continua a tê-la?

Caritas omnia suffert, omnia credit, omnia sperat, omnia sustinet12, a caridade tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre, ensina São Paulo. Se tivermos paciência, seremos fiéis, salvaremos a nossa alma e também a de muitos outros que Nossa Senhora coloca constantemente ao nosso lado.

(1) Lc 21, 12-19; (2) Jo 15, 20; (3) Jo 16, 33; (4) Santo Agostinho, Sobre a paciência, 2; (5) cfr. São Tomás de Aquino, Comentário à Epístola aos Hebreus, 10, 35; (6) cfr. São Francisco de Sales, Epistolário, frag. 139; (7) 1 Cor 13, 4; (8) cfr. São Cipriano, Sobre o bem da paciência, 15; (9) Mt 13, 13; (10) Jo 16, 12; (11) J. L. R. Sánchez de Alva, El Evangelio de San Juan, 3ª ed., Palabra, Madrid, 1987, nota a 4, 1-44; (12) 1 Cor 13, 7.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal