TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SEMANA. SEGUNDA‑FEIRA

– O jovem rico. A alegria da entrega.
– O Senhor passa e pede
– A tristeza faz muito mal à alma. Procurar a alegria através da generosidade.

I. DEPOIS DE ABENÇOAR umas crianças, Jesus partiu do lugar, e, enquanto caminhava, aproximou‑se dEle um jovem, prostrou‑se de joelhos 1 e perguntou‑lhe: Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna? Jesus, de pé, contempla esse jovem com uma grande esperança; os discípulos, que se detiveram, ficam calados e olham. A cena, narrada no Evangelho da Missa 2, é de uma grande beleza. Talvez o jovem tivesse escutado Jesus nalguma outra ocasião, mas só agora se atreve a comunicar‑se diretamente com Ele. Na sua alma há desejos de entrega, de amar mais…; talvez esteja insatisfeito com a sua vida. Por isso, quando o Senhor lhe diz que deve guardar os mandamentos, responde que já os cumpre, e pergunta: Quid adhuc mihi deest? Que me falta ainda? É a pergunta que tantos e tantas fizeram a si próprios ao verificarem que a vida que levavam não os satisfazia.

Jesus, tão atento aos menores movimentos das almas, comoveu‑se ao contemplar os desejos e a pureza daquele coração. Foi nessa altura que dirigiu ao jovem o olhar de que nos fala São Marcos, e o amou 3. O olhar de Jesus, um olhar profundo, inesquecível, é por si só uma chamada. E convidou‑o a segui‑lo abandonando todos os seus tesouros. Foi um convite para que deixasse o coração livre e disponível para Deus. Tratava‑se de trocar o amor aos bens pelo amor a Jesus, de deixar as posses materiais para enriquecer‑se, de uma maneira real e efetiva, com os bens eternos 4.

Mas o jovem não foi generoso: ficou com as suas riquezas, de que desfrutaria por uns anos, e perdeu Jesus, tesouro infinito, a quem temos para sempre neste mundo e na eternidade. No seu egoísmo, esse rapaz não esperava a resposta que o Mestre lhe deu.

Os planos de Deus não coincidem geralmente com os nossos, com os que projetamos na nossa imaginação, com aqueles que a vaidade ou o egoísmo fabricam. Os planos divinos, forjados desde a eternidade para nós, são mais belos do que os que possamos imaginar, ainda que algumas vezes nos desconcertem.

Ao ouvir as palavras de Jesus, o jovem retirou‑se triste porque tinha muitos bens. Todos viram como resistiu àquele amável e amoroso convite do Senhor, como partiu com a marca da tristeza no rosto. Talvez, dias depois, descobrisse falsas justificações para a sua falta de generosidade, uns argumentos que lhe devolveriam a tranqüilidade perdida (nunca a paz, que é fruto da entrega): pensou provavelmente que era muito jovem, ou que mais tarde veria tudo com mais clareza e tornaria a procurar o Mestre… Que fracasso! Que ocasião desperdiçada!, pois ou seguimos Jesus ou perdemo‑lo.

Jesus nunca nos deixa indiferentes quando passa por nós. Quem tenha sentido o olhar de Jesus pousar sobre ele nunca mais o esquece, já não pode viver como antes. E se se abre a esse olhar, a sua vida enche‑se de gozo e de paz, nessa disponibilidade absoluta diante da vontade de Deus que se manifesta em momentos bem precisos da nossa vida; talvez agora.

II. “AQUELE RAPAZ REJEITOU a insinuação, e conta‑nos o Evangelho que abiit tristis (Mt 19, 22), que se retirou entristecido […]: perdeu a alegria porque se negou a entregar a sua liberdade a Deus” 5. Liberdade que, se não lhe serviu para chegar à meta, a Cristo que passava pela sua vida, para bem pouco havia já de servir‑lhe.

A tristeza nasce no coração, como uma erva daninha, quando nos afastamos de Cristo, quando lhe negamos aquilo que nos pede de uma vez ou pouco a pouco, quando nos falta generosidade. Esta doença da alma “é um vício causado pelo amor desordenado de si mesmo” 6. Podemos adoecer, podemos experimentar cansaço e dor, mas a tristeza do coração é diferente. Na sua origem, sempre encontramos a soberba e o egoísmo: por trás dessa falta de vontade, sem causa aparente, à hora de cumprirmos o dever, pode estar a impossibilidade de afirmarmos o nosso critério e a nossa personalidade, a vaidade; por trás dessa dor, pode esconder‑se a rebeldia de não querermos aceitar a vontade de Deus; nesse desalento em face das faltas próprias, pode ocultar‑se mais a humilhação sofrida do que a dor de termos ofendido o Senhor… “Se Deus me perdoou, se o seu amor misericordioso, sempre presente, se derrama sobre mim, como posso estar triste? Se alguém alimenta a sua tristeza na dor dos seus pecados, agarrado à sua culpa, esse homem deve saber que se trata possivelmente de um pretexto e, sempre, de um erro” 7. As nossas faltas e pecados devem levar‑nos à alegria do arrependimento e do amor que renasce com nova vibração.

O Senhor passa perto da nossa vida em inúmeras ocasiões. Umas vezes pede‑nos muito, para nos dar muito mais: a entrega do coração e da vida, como ao jovem rico. Outras, pede‑nos coisas pequenas: o cumprimento amoroso do dever, a prática de umas normas de piedade distribuídas ao longo do dia, a uma hora previamente marcada por nós mesmos; a mortificação da imaginação e da memória… Em todas essas circunstâncias, “é preciso saber entregar‑se, arder diante de Deus, como essa luz que se coloca sobre o candelabro para iluminar os homens que andam em trevas; como essas lamparinas que se queimam junto do altar, e se consomem alumiando até se gastarem” 8.

E não há ninguém a quem o Senhor não chame e peça alguma coisa, seja muito, seja pouco: a cada um no seu lugar e no estado em que é chamado, na peculiar vocação que recebeu de Deus. Esta vocação é o assunto mais importante da nossa vida, e a fidelidade em corresponder‑lhe deve ser o propósito em que nos empenhamos mais tenazmente, com a ajuda da graça, até o último instante dos nossos dias.

III. RETIROU‑SE TRISTE. Nada mais sabemos do jovem rico. A sua história termina envolta num manto de tristeza. Talvez pudesse ter sido um dos Doze; mas não quis. E Jesus respeitou a sua liberdade, uma liberdade de que ele não soube usar.

“O comerciante – comenta São Basílio – não se entristece quando gasta nas feiras aquilo que possui para adquirir as suas mercadorias; mas tu (refere‑se ao jovem rico) entristeces‑te dando pó em troca da vida eterna” 9: preferiu conservar o pó – que é o que são todas as posses e riquezas – a escolher a vida eterna que Cristo lhe oferecia; preferiu ficar com o pó em que os seus bens se converteriam ao cabo de uns anos.

A tristeza faz muito mal à alma. Assim como a traça come o vestido, e o cupim a madeira, assim a tristeza corrói o coração do homem 10. Por isso temos de lutar prontamente, se alguma vez se instala na alma: Afugenta para longe de ti a tristeza, porque a tristeza tem matado a muitos, e não há utilidade nela 11. Desse estado só se podem esperar males.

Se a nossa vida consiste realmente em seguir os passos de Cristo, é lógico que estejamos sempre alegres: é a única alegria verdadeira do mundo, sem limite e sem medida; compatível, por outro lado, com a dor, com a doença, com o fracasso… “A alegria cristã exclui de modo definitivo e combate implacavelmente toda a tristeza enfermiça ou imaginária; a inveja, o desânimo, a preocupação absorvente com o “eu” não podem conviver com ela, e um dos seus benefícios é o de excluir todas essas penas, cheias de veneno e fontes de morte” 12.

Uma alma triste está à mercê de muitas tentações. Quantos pecados tiveram a sua origem na tristeza! Quantos ideais ela destruiu! Se alguma vez sentimos a mordida da tristeza, examinemos sinceramente na oração qual é a causa. Descobriremos muitas vezes que é a falta de generosidade com Deus ou com os outros.

“«Laetetur cor quaerentium Dominum» – Alegre‑se o coração dos que procuram o Senhor.

“– Luz, para que investigues os motivos da tua tristeza” 13.

Perguntemo‑nos, não só quando nos encontrarmos nessa situação, mas agora – porque sempre podemos crescer em alegria –, se estamos procurando seriamente o Senhor em tudo o que nos acontece cada dia, mediante a oração e o empenho por manter‑nos na presença de Deus. Perguntemo‑nos: Em que coisas não estou sendo generoso com Deus? Em que coisas não sou desprendido no trato com os outros? Preocupo‑me excessivamente com as minhas coisas, com a minha saúde, com o meu futuro, com as minhas ninharias?… É possível que, por meio desse exame, não demoremos a encontrar a causa dos nossos abatimentos e o remédio para eles.

Entretanto, procuremos melhorar o nosso trato com o Senhor, tentemos dar‑nos sem cálculo às pessoas com quem nos relacionamos, ainda que seja em pequenos serviços; abramos o coração a quem nos conhece e aprecia, ao sacerdote a quem confiamos a direção espiritual da nossa alma.

Com a alegria que Cristo nos dá, fazemos muito bem à nossa volta. Comunicá‑la aos outros será freqüentemente uma das maiores provas de caridade para com eles. Muitas pessoas podem encontrar a Deus nessa nossa alegria profunda; procuremos não perdê‑la.

Santa Maria, causa da nossa alegria, rogai por nós, concedei‑nos a graça de seguir o vosso Filho de perto, a alegria de nunca virar‑lhe as costas, nem sequer nas pequenas coisas de cada dia.

(1) Cfr. Mt 10, 17; (2) Mt 19, 16‑22; (3) Mc 10, 21; (4) cfr. M. J. Indart, Jesus en su mundo, pág. 251; (5) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 24; (6) São Tomás, Suma Teológica, II‑II, q. 28, a. 4, ad. 1; (7) C. López Pardo, Sobre la vida y la muerte, Rialp, Madrid, 1973, pág. 157; (8) Josemaría Escrivá, Forja, n. 44; (9) São Basílio, em Catena Aurea, vol. VI, pág. 313; (10) Prov 25, 20; (11) Ecl 30, 24‑25; (12) J. M. Perrin, El evangelio de la alegria, Rialp, Madrid, 1962, págs. 59‑60; (13) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 666.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal