TEMPO COMUM. QUARTA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– Vida de trabalho de Jesus em Nazaré. A santificação do trabalho.
– O trabalho é participação na obra criadora de Deus. Jesus e o mundo do trabalho.
– Sentido redentor do trabalho. Recorrer a São José para que nos ensine a trabalhar com competência e a corredimir com as nossas tarefas.

I. DEPOIS DE ALGUM TEMPO, Jesus voltou à sua cidade, Nazaré, com os seus discípulos1. Esperava-o ali a sua Mãe, com enorme alegria. Talvez tenha sido a primeira vez que aqueles primeiros seguidores do Mestre conheceram o lugar em que Jesus se tinha criado; e devem ter recuperado as energias em casa da Virgem, que os teria rodeado de particulares atenções, servindo-os com uma solicitude que ninguém tivera com eles até então.

Em Nazaré, todos conhecem Jesus. Conhecem-no pelo seu ofício e pela sua família: é o artesão, filho de Maria. Tal como acontece com tantas pessoas, o Senhor seguiu o ofício daquele que fizera as vezes de pai junto dEle, aqui na terra. Por isso chamam-no também filho do artesão2; teve a profissão de José, que possivelmente já morrera havia anos. A sua família, que guardava o maior dos tesouros – o Verbo de Deus feito homem –, foi como outra qualquer entre as da vizinhança.

Jesus deve ter permanecido vários dias em casa de sua Mãe, e provavelmente visitou outros parentes e conhecidos. E chegado o sábado pôs-se a ensinar na sinagoga. Os ouvintes ficaram surpreendidos. Aquele que até há pouco tempo fabricava móveis e arados para a lavoura, e que os consertava quando se estragavam, fala-lhes agora com suma autoridade e sabedoria, tal como ninguém lhes havia falado até então. Só vêem nEle o lado humano, aquilo que tinham observado durante trinta anos: a mais completa normalidade. Custa-lhes descobrir o Messias por trás dessa “normalidade”.

A oficina de José, herdada depois por Jesus, era como as outras que havia naquele tempo na Palestina. Talvez fosse a única em Nazaré. Cheirava a madeira e a limpeza. José, como também depois Jesus, devia cobrar o normal; talvez desse todas as facilidades possíveis a quem estivesse em apuros econômicos, mas não deixaria de cobrar o justo. E os trabalhos que José e Jesus realizavam nessa pequena oficina eram os próprios desse ofício, em que se fazia um pouco de tudo: construir uma viga, fabricar um armário simples, ajustar uma mesa que balançava, aplainar uma porta que não fechava bem… Ali não se fabricavam cruzes de madeira, como querem fazer-nos crer alguns quadros piedosos: quem se lembraria de encomendar-lhes semelhantes objetos? Também as madeiras não eram importadas do céu, mas adquiridas nos bosques vizinhos.

Os habitantes de Nazaré escandalizaram-se dEle. A Virgem Maria, não. Ela sabe que o seu filho é o Filho de Deus. Olha-o com imenso amor e admiração. Compreende-o bem.

A meditação desta passagem, em que se reflete indiretamente a vida anterior de Jesus em Nazaré, ajuda-nos a examinar se a nossa vida corrente, cheia de trabalho e de normalidade, é caminho de santidade, tal como foi a da Sagrada Família.

II. O SENHOR MOSTROU conhecer muito bem o mundo do trabalho. Na sua pregação, utiliza frequentemente imagens, parábolas, comparações da vida de trabalho vivida por Ele ou pelos seus conterrâneos.

Os que o ouvem entendem bem a linguagem que emprega, porque não podem deixar de recordar que Jesus fez o seu trabalho em Nazaré com perfeição humana, com competência profissional, concluindo-o com esmero. Por isso, no momento em que volta à sua cidade, é conhecido precisamente pelo seu ofício, como o artesão. E desse modo ensina-nos a todos nós como devemos desempenhar as tarefas de cada dia3.

Se as nossas disposições forem realmente sinceras, o Senhor haverá de conceder-nos sempre a luz sobrenatural necessária para imitarmos o seu exemplo, procurando não apenas desincumbir-nos friamente da ocupação profissional, mas exceder-nos no seu cumprimento com abnegação e sacrifício, empenhando-nos nela de boa vontade, com amor.

O nosso exame pessoal diante de Deus e a nossa conversa com Ele hão de versar frequentemente sobre essas tarefas que nos ocupam para ver se nos dedicamos a elas a fundo, com valentia: se procuramos trabalhar conscienciosamente, se nos esforçamos por fazer render o tempo, espremendo-o ao máximo; se conseguimos atualizar, completar e enriquecer dia a dia a nossa preparação profissional; se abraçamos com amor a Cruz, a fadiga e os contratempos do trabalho de cada dia.

O trabalho, qualquer trabalho nobre realizado conscienciosamente, faz-nos partícipes da Criação e corredentores com Cristo. “Esta verdade – ensina João Paulo II –, segundo a qual o homem, através do seu trabalho, participa na obra do próprio Deus, seu Criador, foi particularmente posta em relevo por Jesus Cristo, aquele Jesus perante o qual muitos dos seus primeiros ouvintes em Nazaré ficavam estupefatos e diziam: Onde aprendeu ele estas coisas? E que sabedoria é a que lhe foi dada?… Não é este o artesão?4

Os anos de Jesus em Nazaré são o livro aberto em que aprendemos a santificar as tarefas de cada dia.

III. O ASSOMBRO DOS VIZINHOS de Nazaré é um ensinamento luminoso para nós; revela-nos que a maior parte da vida do Redentor foi de trabalho, como a vida dos demais homens. E esta tarefa realizada dia após dia foi instrumento de redenção, como o foram todas as ações de Cristo. Sendo uma tarefa humana simples, converteu-se num feixe de ações de valor infinito e redentor, por ter sido realizada pela Segunda Pessoa da Santíssima Trindade feita homem.

O cristão, que é outro Cristo pelo Batismo, deve converter os seus afazeres humanos retos em tarefa de corredenção. O nosso trabalho, unido ao de Jesus, ainda que segundo o conceito dos homens seja pequeno e pareça de pouca importância, adquire assim um valor incomensurável. O próprio cansaço que qualquer trabalho traz consigo, como conseqüência do pecado original, adquire um sentido novo. O que parecia um castigo é redimido por Cristo e converte-se em mortificação gratíssima a Deus, que nos serve para purificarmos os nossos próprios pecados e para corredimirmos com o Senhor a humanidade inteira. Aí está a diferença profunda entre o trabalho humanamente bem realizado por um pagão e o de um cristão que, além de estar bem acabado, é oferecido em união com Cristo.

A união com o Senhor, buscada no trabalho diário, reforçará em nós o propósito de fazermos tudo somente para a glória de Deus e para o bem das almas. O nosso prestígio, conseguido nobremente, atrairá os nossos colegas e servirá de alavanca para animarmos muitas outras pessoas a enveredarem pelo caminho de uma intensa vida cristã. Desse modo caminharão unidas na nossa vida a santificação do trabalho e o ímpeto apostólico no ambiente do nosso labor profissional, indicador claro de que realmente trabalhamos com retidão de intenção.

Peçamos hoje a São José que nos ensine a trabalhar bem e a amar os nossos afazeres. José é um Mestre excepcional do trabalho bem realizado, pois ensinou o seu ofício ao Filho de Deus; teremos muito a aprender dele, se recorrermos ao seu patrocínio enquanto trabalhamos. Podemos invocá-lo com esta oração antes de iniciarmos as nossas tarefas:

“Ó glorioso São José, modelo de todos os que se consagram ao trabalho! Alcançai-me a graça de trabalhar com espírito de penitência, em expiação dos meus pecados; de trabalhar com consciência, pondo o cumprimento do meu dever acima das minhas naturais inclinações; de trabalhar com agradecimento e alegria, olhando como uma honra o poder de desenvolver por meio do trabalho os dons recebidos de Deus. Alcançai-me a graça de trabalhar com ordem, constância, intensidade e presença de Deus, sem jamais retroceder ante as dificuldades; de trabalhar, acima de tudo, com pureza de intenção e desapego de mim mesmo, tendo sempre diante dos olhos todas as almas e as contas que prestarei a Deus do tempo perdido, das habilidades inutilizadas, do bem omitido e das estéreis vaidades em meus trabalhos, tão contrárias à obra de Deus. Tudo por Jesus, tudo por Maria, tudo à vossa imitação, ó Patriarca São José! Esse será o meu lema na vida e na morte. Amém”5.

(1) Mc 6, 1-6; (2) cfr. Mt 13, 55; (3) cfr. J. L. Illanes, A santificação do trabalho, págs. 24-25; (4) João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 14-IX-1981; (5) Oração a São José; cfr. Orações do cristão, 2ª ed., Quadrante, São Paulo, 1989, pág. 11.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.