TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA SEGUNDA SEMANA. QUARTA-FEIRA

– O Senhor cultivou as virtudes normais da convivência.
– Gratidão. Amizade. Respeito mútuo.
– Amabilidade. Otimismo e alegria.

I. O EVANGELHO DA MISSA de hoje1 mostra a decepção de Jesus com uns leprosos que, curados por Ele, não voltaram para agradecer-lhe. Dos dez leprosos curados pela misericórdia de Jesus, apenas regressou um samaritano. Não se encontrou quem voltasse e desse glória a Deus a não ser este estrangeiro? Nota-se um certo desencanto nas palavras do Senhor. O mínimo que esses homens poderiam ter feito era agradecer um dom tão grande.

Jesus comove-se perante o reconhecimento das pessoas e dói-se do egoísta que só sabe receber. A gratidão é sinal de nobreza e constitui um dos pilares da convivência humana, pois são inumeráveis os benefícios que recebemos e também os que proporcionamos aos outros. São Beda diz que foi precisamente a gratidão que salvou o samaritano2.

Jesus não foi indiferente aos pormenores de educação que se têm entre os homens e que expressam a qualidade e a delicadeza interior das pessoas. Assim o manifestou diante de Simão, o fariseu, que não teve com Ele as atenções exigidas habitualmente pela hospitalidade. Com a sua vida e com a sua pregação, revelou apreço pela amizade, pela amabilidade, pela temperança, pelo amor à verdade, pela compreensão, pela lealdade, pela laboriosidade… São numerosos os exemplos e parábolas que refletem o grande valor que o Senhor deu a essas virtudes. E forma os Apóstolos não só nas virtudes da fé e da caridade, mas também na sinceridade e na nobreza3, na ponderação do juízo4, etc. Considera tão importantes essas virtudes humanas que chegará a dizer-lhes: Se vos tenho falado das coisas terrenas e não me acreditais, como acreditareis se vos falar das celestes?5 Cristo, perfeito Deus e perfeito homem6, dá-nos exemplo desse conjunto de qualidades bem entrelaçadas que qualquer homem deve viver nas suas relações com Deus, com os seus semelhantes e consigo próprio. DEle pôde-se proclamar: Bene omnia fecit7, fez bem todas as coisas; não somente os milagres por meio dos quais manifestou a sua onipotência divina, mas também as ações que compõem a vida corrente. O mesmo se deveria poder afirmar de cada um de nós, que queremos segui-lo no meio do mundo.

II. SÃO PAULO, numa das leituras da Missa8, exorta-nos também a viver as virtudes humanas: Recorda-lhes – escreve a Tito – […] que estejam prontos para toda a boa obra; que não falem mal de ninguém nem sejam questionadores; que sejam afáveis e mostrem uma perfeita mansidão para com todos os homens.

Estas virtudes tornam mais grata e fácil a vida cotidiana: família, trabalho, relacionamento…; preparam a alma para estar mais perto de Deus e para viver as virtudes sobrenaturais. O cristão sabe converter os múltiplos pormenores desses hábitos humanos em outros tantos atos da virtude da caridade, ao praticá-los também por amor a Deus. A caridade transforma essas virtudes em hábitos firmes, situando-as num horizonte mais elevado.

Dentre as virtudes humanas relacionadas com a convivência diária, destaca-se a própria gratidão, que é a lembrança afetuosa de um benefício recebido, com o desejo de retribuí-lo de alguma maneira. Haverá ocasiões em que somente poderemos dizer obrigado ou coisa parecida. Mas isso basta, se soubermos pôr nessa única palavra todo o nosso sentimento e alegria.

São Tomás afirma que “a própria ordem natural requer que quem recebeu um favor responda com gratidão a quem o beneficiou”9. Custa muito pouco ser agradecido, e o bem que se faz é enorme: cria-se um ambiente novo, umas relações cordiais. E à medida que aumentamos a nossa capacidade de apreciar os favores e pequenos serviços que recebemos, sentimos a necessidade de ser habitualmente agradecidos: pela casa que está em ordem e limpa, por alguém ter fechado as janelas para que não entre a chuva, o calor ou o frio, pela roupa que está limpa e bem passada… E se vez por outra alguma coisa não está como esperávamos, saberemos desculpar, porque são muitos mais os aspectos que realmente funcionam bem. Não daremos importância a esses incidentes, e, se estiver ao nosso alcance, procuraremos suprir o esquecimento ou o pequeno desleixo sem que ninguém nos veja, sem querer dar uma lição: ordenar o que está fora de lugar, fechar ou abrir o que devia estar fechado ou aberto…

E agradeceremos os serviços que contratamos ou que nos são devidos: teremos uma palavra gentil para o subordinado que nos atende amavelmente, para o motorista de ônibus que espera uns instantes para que possamos alcançá-lo…

Entre as virtudes da convivência que devemos ampliar constantemente, encontra-se a nossa capacidade de amizade. Como seria formidável se pudéssemos chamar amigos a todas as pessoas com quem trabalhamos ou estudamos, com quem nos relacionamos, com quem convivemos diariamente! Amigos, e não só conhecidos, vizinhos, colegas ou companheiros… Isto implica o desenvolvimento, por amor a Deus e por amor aos homens, de uma série de qualidades humanas que fomentam e tornam possível a amizade: a compreensão, o espírito de colaboração, o otimismo, a lealdade… Amizade também dentro da própria família: entre os irmãos, com os filhos, com os pais. A amizade, quando é verdadeira, supera bem as diferenças de idade. E é condição, às vezes imprescindível, para a eficácia do apostolado.

Conta-se de Alexandre Magno que, estando para morrer, os seus mais próximos repetiam-lhe com insistência: “Alexandre, onde estão os teus tesouros?” “Os meus tesouros?”, perguntava Alexandre. E respondia: “No bolso dos meus amigos”. No fim da nossa vida, os nossos amigos deveriam poder dizer que partilhamos com eles sempre o melhor que tivemos.

III. OUTRA VIRTUDE que facilita ou torna possível a convivência é a amabilidade, virtude oposta ao gesto destemperado, ao mau humor, ao nervosismo e à precipitação…, que levam a atropelar os que nos rodeiam. Às vezes, traduz-se simplesmente numa palavra afetuosa, num pequeno elogio, num gesto animador que transmite confiança. “Uma palavra boa diz-se rapidamente; no entanto, às vezes torna-se difícil pronunciá-la. O cansaço detém-nos, as preocupações distraem-nos, um sentimento de frieza ou indiferença egoísta refreia-nos. E dessa forma passamos ao lado de pessoas para as quais, mesmo conhecendo-as, mal olhamos, e não percebemos quanto vêm sofrendo freqüentemente por essa sutil e esgotadora pena que provém de se sentirem ignoradas. Bastaria uma palavra cordial, um gesto afetuoso, para que algo brotasse nelas imediatamente: um sinal de atenção e de cortesia pode ser uma rajada de ar fresco numa existência fechada, oprimida pela tristeza e pelo desalento. A saudação de Maria cumulou de alegria o coração de sua prima anciã, Isabel (cfr. Lc 1, 44)”10. Assim devemos cumular de otimismo aqueles que convivem conosco.

Fazem parte da amabilidade: a benignidade, que nos leva a tratar e julgar os outros e as suas atuações de forma benigna; a indulgência perante os pequenos defeitos e erros dos outros, sem nos sentirmos na obrigação de os corrigir continuamente; a educação e urbanidade nas palavras e modos; a simpatia, a cordialidade, o elogio oportuno, que está longe de qualquer adulação… “O espírito de doçura é o verdadeiro espírito de Deus […]. Podemos admoestar, sempre que o façamos com doçura. É preciso sentir indignação contra o mal e estar decidido a não transigir com ele; no entanto, é preciso conviver docemente com o próximo”11.

Um homem que viajava por estradas intermináveis parou o seu caminhão num bar freqüentado por outros caminhoneiros. Enquanto esperava que lhe servissem a refeição para continuar o seu caminho, um rapaz do bar trabalhava afanosamente diante dele, curvado, do outro lado do balcão. “Muito trabalho?”, disse-lhe sorrindo o viajante. O rapaz levantou a cabeça e devolveu o sorriso. Quando, meses mais tarde, o motorista passou novamente por aquele lugar, o rapaz reconheceu-o, como se houvesse entre eles uma antiga amizade. É que as pessoas – entre as quais nos contamos – têm uma velha sede de sorrisos, uma grande necessidade de que alguém lhes contagie um pouco de alegria, de estima… Todos os dias encontramos à nossa porta uma série de pessoas com quem convivemos, trabalhamos, e que esperam um breve gesto acolhedor.

Na convivência diária, a alegria, o otimismo, o apreço… abrem muitas portas que estavam a ponto de fechar-se ao diálogo, à compreensão… Não deixemos que elas se fechem: o Senhor espera que façamos um apostolado eficaz, que comuniquemos a essas pessoas o maior dom que possuímos: a amizade com Ele.

(1) Lc 17, 11-19; (2) cfr. São Beda, em Catena Aurea, vol. VI, pág. 278; (3) cfr. Mt 5, 37; (4) cfr. Jo 9, 1-3; (5) Jo 3, 12; (6) Símbolo Atanasiano; (7) Mc 7, 37; (8) Tit 3, 1-7; Primeira leitura da Missa da quarta-feira da trigésima segunda semana do Tempo Comum, ano II; (9) São Tomás de Aquino, Suma teológica, II-II, q. 106, a. 3 c; (10) João Paulo II, Homilia, 11.02.81; (11) São Francisco de Sales, Epistolário, frag. 110, em Obras seletas, pág. 744.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal