TEMPO PASCAL. QUINTA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA

– A inabitação da Trindade na alma. Procurar a Deus em nós mesmos.
– Necessidade de recolhimento interior para o trato com Deus. Mortificação.
– O trato com o Espírito Santo.

I. O EVANGELHO MOSTRA-NOS com freqüência a confiança que os Apóstolos tinham com Jesus: dirigem-lhe perguntas sobre as coisas que não entendem ou lhes parecem obscuras. O Evangelho da Missa de hoje refere-nos uma dessas perguntas que, sobretudo no fim da vida do Senhor, devem ter sido freqüentes.

O Senhor dissera-lhes: Aquele que aceita os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama. E aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele1. No tempo de Jesus, era crença comum entre os judeus que, quando o Messias chegasse, havia de manifestar-se a todo o mundo como Rei e Salvador2. Os Apóstolos entenderam as palavras de Jesus como referidas a eles, aos íntimos, aos que o amavam. Judas Tadeu – que compreendeu bem esse alcance do ensinamento – pergunta-lhe: Senhor, por que razão hás de manifestar-te a nós e não ao mundo?

No Antigo Testamento, Deus tinha-se manifestado em diversas ocasiões e de diversos modos, e tinha prometido que habitaria no meio do seu povo3. Mas agora o Senhor refere-se a uma presença muito diferente: é a presença em cada pessoa que o amar, que estiver em graça. Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele, e nele faremos a nossa morada4. É a presença da Trindade na alma que tenha renascido pela graça! Este será um dos ensinamentos fundamentais para a vida cristã, repetido por São Paulo: Porque vós sois templos do Deus vivo5, diz ele aos primeiros cristãos de Corinto.

São João da Cruz, citando esta passagem, comenta: “Que mais queres, ó alma, e que mais procuras fora de ti, se dentro de ti tens as tuas riquezas, os teus deleites, a tua satisfação […], o teu Amado, Aquele que a tua alma deseja e busca? Rejubila-te e alegra-te no teu recolhimento interior com Ele, pois o tens tão perto”6.

Devemos aprender a relacionar-nos cada vez mais e melhor com Deus, que habita em nós. Por essa presença divina, a nossa alma converte-se num pequeno céu. Quanto bem nos pode fazer esta consideração! No momento em que fomos batizados, as três Pessoas da Santíssima Trindade vieram à nossa alma com o desejo de permanecerem mais unidas à nossa existência do que o mais íntimo dos nossos amigos. Esta presença, totalmente singular, só se perde pelo pecado mortal; mas nós, cristãos, não devemos contentar-nos com não perder a Deus: devemos procurá-lo em nós mesmos, no meio das nossas ocupações, quando andamos pela rua…, para dar-lhe graças, pedir-lhe ajuda e desagravá-lo pelos pecados que se cometem todos os dias.

Às vezes, pensamos que Deus está muito longe, mas a verdade é que está mais perto, mais atento às nossas coisas que o melhor dos nossos amigos. Santo Agostinho, ao considerar esta inefável proximidade de Deus, exclamava: “Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Tu estavas dentro de mim e eu te procurava fora de mim […]. Tu estavas comigo, mas eu não estava contigo. Mantinham-me atado, longe de ti, essas coisas que, se não fossem sustentadas por ti, deixariam de ser. Chamaste-me, gritaste-me, rompeste a minha surdez. Brilhaste e resplandeceste diante de mim, e expulsaste dos meus olhos a cegueira”7.

Mas, para falar com Deus, realmente presente na alma em graça, é necessário o recolhimento dos sentidos, que tendem a derramar-se e a apegar-se às coisas; é necessário que nos saibamos “templos de Deus” e que nos comportemos de maneira conseqüente; que rodeemos de amor, de um silêncio sonoro, essa presença íntima da Trindade na nossa alma.

II. A PRESENÇA DAS TRÊS PESSOAS divinas na alma em graça é uma presença viva, aberta ao nosso trato, orientada para o conhecimento e para o amor com que lhe podemos corresponder. “Por que andar correndo pelas alturas do firmamento e pelos abismos da terra em busca dAquele que mora em nós?”8, perguntava-se Santo Agostinho. “Pois bem – ensina São Gregório Magno –, enquanto a nossa mente estiver dissipada em imagens carnais, jamais será capaz de contemplar…, porque a cegam tantos obstáculos quantos os pensamentos que a levam e trazem de cá para lá. Portanto, o primeiro degrau – para que a alma chegue a contemplar a natureza invisível de Deus – é recolher-se em si mesma”9.

Para chegar a este recolhimento, o Senhor pede a alguns que se retirem do mundo, mas, no caso da maioria dos cristãos (estudantes, donas de casa, trabalhadores…), quer que o encontrem no meio das suas tarefas. Pela mortificação habitual durante o dia – a que está tão ligada a alegria interior –, guardamos os sentidos para Deus: mortificamos a imaginação, livrando-a de pensamentos inúteis; a memória, deixando de lado as recordações que não nos aproximam do Senhor; a vontade, cumprindo o dever de cada momento.

O trabalho intenso, se estiver dirigido para Deus, longe de impedir o nosso diálogo com Ele, facilita-o. O mesmo acontece com o resto das nossas atividades: as relações sociais, a vida em família, as viagens, o descanso… Toda a existência humana, se não estiver dominada pela frivolidade, tem sempre uma dimensão profunda, íntima, que se traduz num certo recolhimento cujo sentido pleno se encontra no trato com Deus. Recolher-se é “juntar o que está disperso”, restabelecer a ordem interior perdida, evitar a dissipação dos sentidos e potências, mesmo nas coisas boas ou indiferentes em si mesmas, ter Deus por centro da intenção com que projetamos e fazemos seja o que for.

O contrário do recolhimento interior é, pois, a dissipação, a frivolidade. Os sentidos e potências detêm-se em qualquer charco à beira do caminho, e, em conseqüência, a pessoa vive sem firmeza, dispersa a atenção, adormecida a vontade e desperta a concupiscência10. Sem recolhimento, não é possível o trato com Deus.

À medida que purificamos o nosso coração e o nosso olhar, à medida que, com a ajuda do Senhor, procuramos esse recolhimento que é riqueza e plenitude interior, a nossa alma anseia pelo convívio com Deus, como a corça suspira pela fonte das águas11. “O coração necessita então de distinguir e adorar cada uma das Pessoas divinas. De certa maneira, o que a alma realiza na vida sobrenatural é uma descoberta semelhante às de uma criaturinha que vai abrindo os olhos à existência. E entretém-se amorosamente com o Pai e com o Filho e com o Espírito Santo; e submete-se facilmente à atividade do Paráclito vivificador, que se nos entrega sem o merecermos”12.

III. AINDA QUE A INABITAÇÃO na alma pertença às três Pessoas da Trindade – ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo –, atribui-se de modo singular à Terceira Pessoa, que a liturgia nos convida a tratar com mais intimidade neste tempo em que nos aproximamos da festa de Pentecostes.

O Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos disse, diz o Senhor no Evangelho de hoje13. É uma promessa que o Senhor fez em diversas ocasiões14, como que sublinhando a enorme transcendência que ela teria para toda a Igreja, para o mundo, para cada um dos que o seguiriam. Não se trata de um dom passageiro, limitado ao tempo em que se recebem os sacramentos ou a outro momento determinado, mas de um dom estável, permanente: “O Espírito Santo habita nos corações como num templo”15. É o doce hóspede da alma16, e quanto mais o cristão cresce em boas obras, quanto mais se purifica, tanto mais o Espírito Santo se compraz em habitar nele e em dar-lhe novas graças para a sua santificação e para o apostolado que realiza.

O Espírito Santo está na alma do cristão em graça para configurá-lo com Cristo, para que cada vez mais se pareça com Ele, para movê-lo e ajudá-lo a cumprir a vontade de Deus. O Espírito Santo vem como remédio para a nossa fraqueza17 e, fazendo sua a nossa causa, advoga em nosso favor com gemidos inenarráveis18 diante do Pai. Cumpre agora a sua missão de guiar, proteger e vivificar a Igreja, porque – como diz Paulo VI – são dois os elementos que Cristo prometeu e outorgou, embora diversamente, para continuar a sua obra: “o corpo apostólico e o Espírito. O corpo apostólico atua externa e objetivamente; forma, por assim dizer, o corpo material da Igreja, confere-lhe as suas estruturas visíveis e sociais; o Espírito Santo atua internamente, dentro de cada uma das pessoas, como também sobre a comunidade inteira, animando, vivificando, santificando”19.

Peçamos à Virgem que nos ensine a compreender esta ditosíssima realidade, pois então a nossa vida será muito diferente. Por que nos sentimos sós, se o Espírito Santo nos acompanha? Por que vivemos inseguros ou angustiados, nem que seja por um só dia, se o Paráclito está de olhos postos em nós e nas nossas coisas? Por que corremos tresloucadamente atrás da felicidade aparente, se não há maior felicidade que o convívio com este doce Hóspede que habita em nós? Como seria diferente o nosso comportamento em algumas circunstâncias, se fôssemos conscientes de que somos templos de Deus, templos do Espírito Santo!

Ao terminarmos a nossa oração, recorremos à Virgem Nossa Senhora: “Ave Maria, templo e sacrário da Santíssima Trindade, ajudai-nos”.

(1) Jo 14, 21; (2) cfr. Santos Evangelhos, pág. 1357; (3) cfr. Ex 29, 45; Ez 37, 26-27; etc.; (4) Jo 14, 23; (5) cfr. 2 Cor 6, 16; (6) São João da Cruz, Cânticos espiritual, canto 1; (7) Santo Agostinho, Confissões, 10, 27, 38; (8) Santo Agostinho, Tratado sobre a Trindade, 8, 17; (9) São Gregório Magno, Homilia sobre o Profeta Ezequiel, 2, 5; (10) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 375; (11) cfr. Sl 41, 2; (12) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 306; (13) Jo 14, 26; (14) cfr. Jo 14, 15-17; 15, 36; 16, 7-14; Mt 10, 20; (15) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 9; (16) Seqüência da Missa de Pentecostes; (17) Rom 8, 26; (18) ib.; (19) Paulo VI, Discurso de abertura da 3ª Seção do Concílio Vaticano II, 14-IX-1964.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal