TEMPO COMUM. QUARTA SEMANA. SÁBADO

– Cansaço de Jesus. Contemplar a sua Santa Humanidade.
– O   nosso   cansaço   não   é   em  vão;   aprender  a santificá-lo.
– Dever de descansar; para servir melhor a Deus e aos outros.

I. OS APÓSTOLOS VOLTARAM a reunir-se com Jesus e contaram-lhe tudo quanto haviam feito e ensinado. Ele disse-lhes: Vinde, vós sozinhos, e retiremo-nos a um lugar deserto para que descanseis um pouco.1 São palavras do Evangelho da Missa que nos mostram a solicitude de Jesus pelos seus. Os Apóstolos, depois de uma missão apostólica intensa, sentem-se cansados, e o Senhor apercebe-se disso imediatamente e cuida deles: Retiraram-se numa barca para um lugar tranqüilo e afastado.

Noutras ocasiões, é Jesus quem está verdadeiramente cansado do caminho 2 e se senta junto de um poço porque não pode dar mais um passo sequer. Experimentou algo tão próprio da natureza humana como a fadiga. Experimentou-a no seu trabalho, ao longo dos trinta anos de vida oculta, tal como nós todos os dias. Muitas vezes, terminava a jornada extenuado. Os Evangelistas contam-nos que certa vez adormeceu na popa da barca durante uma tempestade no lago: tinha passado todo o dia pregando 3 e o seu cansaço foi tão grande que não acordou apesar das ondas. Não fingiu estar dormindo para provar a fé dos seus discípulos; estava realmente esgotado. Que grande consolo é para nós contemplarmos o Senhor exausto! Como Jesus está perto de nós nesses momentos!

No cumprimento dos nossos deveres, ao empenharmo-nos generosamente na nossa tarefa profissional, ao gastarmos muitas energias nas iniciativas apostólicas e de serviço aos outros, é natural que nos apareça o cansaço como um companheiro inseparável. Longe de nos queixarmos perante essa realidade comum a todos os mortais, devemos aprender a descansar junto de Deus, de modo a podermos dizer no nosso interior: “Ó Jesus! – Descanso em Ti” 4.

O Senhor entende bem as nossas fadigas e convida-nos a recuperar as forças junto dEle: Vinde a mim, todos os que estais fatigados e carregados, e eu vos aliviarei 5.

Cristo alivia-nos da nossa carga quando unimos o nosso cansaço ao seu, quando o oferecemos pela redenção das almas, quando praticamos uma caridade amável com aqueles que nos rodeiam, especialmente nesses momentos em que nos pode custar um pouco mais.

Nunca devemos esquecer que o descanso é uma situação que também temos de santificar. Esses momentos de distração não devem ser parcelas isoladas da nossa vida nem pretexto para nos permitirmos alguma compensação egoísta. O Amor não tira férias.

II. JESUS SERVE-SE TAMBÉM dos momentos em que repõe as forças para ajudar as almas. Enquanto descansa junto do poço de Jacó, aparece uma mulher que vem encher o seu cântaro de água.

Também nós sabemos que nem os nossos momentos de cansaço devem passar em vão. “Só depois da morte é que saberemos quantos pecadores ajudamos a salvar-se com o oferecimento do nosso cansaço. Só então compreenderemos que a nossa inatividade forçosa e os nossos sofrimentos podem ser mais úteis ao próximo do que os nossos serviços efetivos” 7. Não deixemos nunca de oferecer ao Senhor esses períodos de prostração ou de inutilidade devidos ao esgotamento ou à doença; nem deixemos de ajudar os outros nessas circunstâncias.

O cansaço ensina-nos a viver muitas virtudes. Antes de mais nada, ensina-nos a ser humildes, porque nos faz perceber que não podemos tudo e que necessitamos dos outros; deixarmo-nos ajudar quando nos sentimos esgotados favorece sobremaneira a humildade.

Ensina-nos a desprender-nos de muitas coisas que gostaríamos de fazer e a que não chegamos pela limitação das nossas forças.

Ajuda-nos ainda a crescer na virtude da fortaleza e na correspondente virtude humana da rijeza, pois não há dúvida de que nem sempre nos encontraremos na plenitude das nossas forças físicas para trabalhar, estudar, levar a cabo uma tarefa difícil que, no entanto, temos de executar. Uma parte não pequena da virtude da fortaleza consiste em nos acostumarmos a trabalhar cansados ou, pelo menos, sem nos encontrarmos fisicamente tão bem dispostos como gostaríamos de estar para desempenhar essas tarefas. Se as empreendermos pelo Senhor, Ele as abençoará particularmente.

O cansaço, enfim, ensina-nos a ser prudentes. O cristão considera a vida como um bem imenso, que não lhe pertence e que deve proteger; devemos viver os anos que Deus queira, tendo deixado realizada a tarefa que nos foi encomendada. E, conseqüentemente, devemos viver, por Deus e pelos demais, as normas da prudência no cuidado da nossa própria saúde e na daqueles que dependem de nós de uma forma ou de outra. Entre essas normas, contam-se “os descansos oportunos para distrair o ânimo e para consolidar a saúde do espírito e do corpo.” 8

Dedicar o tempo conveniente ao descanso em família e ao sono, dar um passeio periodicamente ou fazer uma pequena excursão, são meios de que devemos lançar mão habitualmente, sem encará-los como um capricho ou um luxo, mas como uma obrigação. Comportar-se de outra forma revelaria talvez descuido e preguiça, e essa atitude seria mais daninha ainda se nos levasse a esmorecer na vida interior, a cair no ativismo, a perder a serenidade com freqüência, etc. Uma pessoa que assegure um mínimo de ordem na sua vida encontra sempre o modo de viver habitualmente um prudente descanso no meio de uma atividade exigente e abnegada.

III. APRENDAMOS A DESCANSAR. E, se podemos evitar o esgotamento, não deixemos de fazê-lo. O Senhor quer que cuidemos da saúde, que saibamos recuperar as forças; é parte do quinto mandamento.

O descanso é necessário sobretudo para servir melhor a Deus e aos outros. “Pensai que Deus ama apaixonadamente as suas criaturas, e, aliás…, como é que trabalhará o burro se não lhe dão de comer nem dispõe de algum tempo para restaurar as forças, ou se lhe quebram o vigor com excessivas pauladas? O teu corpo é como um burrico – um burrico foi o trono de Deus em Jerusalém – que te leva ao lombo pelas veredas divinas da terra: é preciso dominá-lo para que o seu trote seja tão alegre e brioso quanto é possível esperar de um jumento.” 9

Quando se está esgotado, tem-se menos facilidade para fazer as coisas bem feitas, tal como Deus quer que as façamos, e também podem ser mais freqüentes as faltas de caridade, ao menos por omissão. São Jerônimo observa com humor: “A experiência ensinou-me que, quando o burro caminha cansado, apóia-se em todas as esquinas”.

Já se disse que “o descanso não é não fazer nada; é distrair-se em atividades que exigem menos esforço.” 10 Não se confunde com a preguiça.

É importante, pois, que o descanso não seja um “andar no vazio”, que não seja um mero vazio. Às vezes — dizia João Paulo II, comentando os momentos de descanso de Jesus em casa de Lázaro, Marta e Maria -, convirá ir ao encontro da natureza, das montanhas, do mar e do verde. E, evidentemente, sempre será necessário preencher o descanso com um conteúdo novo, que lhe advirá do encontro com Deus: abrir o olhar interior da alma à sua Palavra de verdade 11.

Percebemos bem que não são poucas as pessoas que dedicam os seus períodos de descanso a passatempos e atividades que não facilitam, antes dificultam esse encontro com Cristo. Longe de nos deixarmos arrastar por um ambiente mais ou menos vazio e oco, a escolha do local de férias, o programa de uma viagem ou de um fim de semana devem estar orientados por esta perspectiva: a de que deve servirmos para o descanso a mesma norma que deve presidir ao trabalho, isto é, o amor a Deus e ao próximo.

O amor não admite espaços em branco. Sempre é tempo de amar. Sempre é tempo de nos preocuparmos pelos outros, de atendê-los, de ajudá-los, de nos interessarmos pelos seus gostos. Jesus descansou por obediência à lei de Moisés, por exigências familiares, de amizade, ou simplesmente porque estava cansado…, tal como qualquer pessoa. Não o fez nunca por ter-se cansado de servir aos outros. Jamais se isolou ou se mostrou inacessível, como quem diz: “Agora é a minha vez”. Nunca devemos deixar-nos dominar por motivos egoístas, mesmo à hora de parar para recuperar as energias. Nesses momentos, também estamos junto de Deus; o descanso não é um tempo pagão, alheio à vida interior.

O Senhor deixa-nos no Evangelho da Missa de hoje uma prova muito particular de amor: a de se ter preocupado pelo descanso e pela saúde dos que tinha ao seu lado. E, junto do poço de Sicar, extenuado, deu-nos um exemplo formidável: não perdeu a oportunidade de converter a mulher samaritana. E isso apesar de que os judeus e os samaritanos não se falavam. Quando há amor, não há desculpas para não praticarmos o bem, para não nos interessarmos pela sorte espiritual dos outros.

(1) Mc 6, 30-31; (2) cfr. Jo 4, 6; (3) cfr. Jo 4, 38; (4) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 732; (5) Mt 11, 28; (6) cfr. Jo 4, 8 e segs.; (7) G. Chevrot, Jesus e a samaritana, Aster, Lisboa, 1956, pág. 25; (8) Cone. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 61; (9) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 137; (10) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 357; (11) cfr. João Paulo II, Angelus, 20-VII-1980.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal