TEMPO COMUM. TRIGÉSIMA SEGUNDA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA

– As crianças e os que são como elas pela sua simplicidade e inocência. O escândalo.
– Temos sempre que influir nos outros para bem deles. Dar bom exemplo.
– Obrigação de reparar e dever de desagravar as ofensas a Deus.

I. ENCONTRAMOS poucas expressões tão fortes como as que o Senhor pronuncia no Evangelho da Missa de hoje. Jesus diz: É inevitável que haja escândalos; mas ai daquele por quem vierem! Seria melhor para ele que lhe atassem ao pescoço uma pedra de moinho e o atirassem ao mar, do que ser causa de escândalo para um destes pequeninos. E termina com esta advertência: Andai com cuidado1.

São Mateus2 situa a ocasião em que se pronunciaram estas palavras. Os Apóstolos vinham falando entre si sobre qual deles seria o primeiro no Reino dos Céus. E Jesus, para que a lição lhes ficasse bem gravada, chamou uma criança (talvez estivesse rodeado por várias delas), trouxe-a para o meio de todos e fez-lhes ver que, se não a imitassem na sua simplicidade e inocência, não poderiam entrar no Reino.

Foi então que, tendo a criança diante de si, ficou com certeza pensativo e sério; contemplou naquela figura frágil, mas de imenso valor, muitas outras que perderiam a inocência em virtude dos escândalos. Foi como se, de repente, desse rédea solta a uma preocupação que trazia dentro de si e que desejava comunicar aos seus discípulos. Assim se explica melhor essa advertência dirigida em primeiro lugar aos que o seguem mais de perto: Andai com cuidado.

Escandalizar é fazer cair, ser causa de tropeço, de ruína espiritual para outra pessoa, por meio de palavras, atos ou omissões3. E para Jesus, os pequeninos são as crianças em cuja inocência se reflete de um modo muito particular a imagem de Deus. Mas são também essa imensa multidão de pessoas que nos rodeiam, simples, menos instruídas e, portanto, mais propensas a tropeçar na pedra interposta no seu caminho. Poucos pecados há tão grandes como este, pois “tende a destruir a maior obra de Deus, que é a Redenção, pela perda das almas: mata a alma do nosso próximo retirando-lhe a vida da graça, que é mais preciosa do que a vida do corpo, e é causa de uma multidão de pecados”4.

“Que grande valor deve ter o homem aos olhos do Criador, se mereceu ter tal e tão grande Redentor (Hino Exsultet da Vigília Pascal), se Deus deu o seu Filho, a fim de que o homem não morra, mas tenha a vida eterna! (cfr. Jo 3, 16)”5. Jamais podemos perder de vista o imenso valor de cada criatura: um valor que se deduz do preço – a morte de Cristo – pago por ela. “Cada alma é um tesouro maravilhoso; cada homem é único, insubstituível. Cada um vale todo o sangue de Cristo”6.

II. SÃO PAULO, seguindo o exemplo do mestre, pede aos cristãos que se precavejam de todo o possível escândalo para as consciências débeis e pouco formadas: Vede que esta liberdade que tendes não se torne ocasião de queda para os fracos7. Influímos muito nos outros, e essa influência deve ser sempre para o bem de quem nos vê e escuta, em qualquer situação em que nos encontremos.

O Senhor pregou a sua doutrina mesmo quando alguns fariseus se escandalizavam8. Tratava-se então, como também hoje acontece com frequência, de um falso escândalo, que consistia em buscar contradições ou critérios puramente humanos para não aceitar a verdade. Quantas vezes encontramos pessoas que se “escandalizam” porque um casal foi generoso no número de filhos, aceitando com alegria todos os que Deus lhes deu, e porque assim vivem com finura as exigências da vocação cristã!…

Em não poucas ocasiões, a conduta de um cristão que deseje viver integralmente a doutrina do Senhor chocará com um ambiente pagão ou frívolo e “escandalizará” muitos. São Pedro, recordando umas palavras de Isaías, afirma que Jesus é para muitos uma pedra de tropeço e uma rocha de escândalo9, como tinha profetizado Simeão à Santíssima Virgem10. Não devemos surpreender-nos se na nossa vida acontece algumas vezes algo de parecido.

No entanto, devemos evitar por caridade todas essas ocasiões, de per si indiferentes, que podem causar estranheza e até verdadeiro escândalo em outras pessoas menos bem formadas ou que têm uma peculiar maneira de pensar. O Senhor deu-nos exemplo disso quando mandou Pedro pagar o tributo do Templo, a que Ele não estava obrigado, para não desconcertar os cobradores11, pois sabiam que Jesus era um israelita exemplar em todas as coisas. Não nos faltarão ocasiões de imitar o Mestre. “Não duvido da tua retidão. – Sei que ages na presença de Deus. Mas… (há um “mas”!) as tuas ações são presenciadas ou podem ser presenciadas por homens que julguem humanamente… E é preciso dar-lhes bom exemplo”12.

Especialmente grave é o escândalo causado por pessoas que gozam de algum gênero de autoridade ou renome: pais, educadores, governantes, escritores, artistas… e os que têm a seu cargo a formação de outros. “Se as pessoas simples vivem na tibieza – comenta São João de Ávila –, fazem mal; mas o seu mal tem remédio, e só se prejudicam a si próprias; mas se os educadores são tíbios, então cumpre-se o ai! do Senhor […], pois contagiam a sua tibieza a outros e até lhes apagam o fervor”13.

As palavras do Senhor recordam-nos que devemos estar atentos às conseqüências das nossas palavras e ações, sem nos deixarmos levar pela inconsciência ou pela frivolidade.

“Sabes o mal que podes ocasionar jogando para longe uma pedra com os olhos vendados? – Também não sabes o prejuízo que podes causar, às vezes grave, quando lanças frases de murmuração, que te parecem levíssimas por teres os olhos vendados pela inconsciência ou pela exaltação”14.

Quem é motivo de escândalo tem a obrigação, por caridade, e às vezes por justiça, de reparar o dano espiritual ou material que ocasionou. O escândalo público exige reparação pública. E mesmo nos casos em que seja impossível fazê-lo adequadamente, persiste a obrigação, sempre possível, de compensar esse mal com oração e penitência. A caridade, movida pela contrição, encontra sempre o modo adequado de reparar o mal que se causou.

Esta passagem do Evangelho pode servir-nos para dizer ao Senhor: “Perdão, Senhor, se de alguma maneira, mesmo sem o perceber, fui ocasião de tropeço para alguém!” São os pecados ocultos, dos quais também podemos pedir perdão na Confissão. Oxalá as palavras do Senhor: Andai com cuidado, nos ajudem a estar vigilantes e a ser prudentes.

III. DEVERIA PODER-SE DIZER de nós o mesmo que os contemporâneos disseram de Jesus: Passou fazendo o bem…15 A nossa vida deve estar cheia de obras de caridade e de misericórdia, às vezes tão pequenas que não farão muito ruído: sorrir, animar, prestar com alegria pequenos serviços, desculpar prontamente os erros do próximo… Trata-se de um sinal para o mundo, pois pela caridade nos conhecerão como discípulos de Cristo16. É também uma referência para nós mesmos, porque, se examinarmos a nossa atitude diante dos outros, poderemos avaliar instantaneamente o nosso grau de união com Deus.

Se é próprio do escândalo quebrar e destruir, é próprio da caridade compor, unir e curar. O bom exemplo será sempre uma forma eficaz de contrabalançar o mal que, talvez sem o perceberem, muitos vão semeando pela vida.

Ao mesmo tempo, prepara o terreno para um apostolado fecundo. “Não devemos esquecer nunca que somos homens que tratam com outros homens, mesmo quando queremos fazer bem às almas. Não somos anjos. E por isso a nossa fisionomia, o nosso sorriso, os nossos modos são elementos que condicionam a eficácia do nosso apostolado”17.

Se o escândalo tende a separar as almas de Deus, a caridade mais fina há de animar-nos a levá-las a Ele, a procurar que muitos encontrem a porta do Céu. Santa Teresa dizia: “Parece-me que mais preza Deus uma alma que pelas nossas indústrias e orações lhe ganhamos mediante a sua misericórdia, do que todos os serviços que lhe possamos prestar”18.

Nunca fiquemos de braços cruzados diante do mal. Perante essa doença moral, devemos aumentar os nossos desejos de reparação e desagravo ao Senhor, e reafirmar as nossas ânsias de apostolado. Quanto maior for o mal, maior deve ser a nossa vontade de semear o bem.

Não deixemos de pedir ao Senhor pelos que são causa de que outros se afastem do bem, e pelas almas que podem ser afetadas por essas palavras, por esse artigo, por esse programa de televisão… Santa Maria alcançar-nos-á graças especiais e o Senhor ouvirá a nossa oração. Quando no fim da vida nos apresentarmos diante dEle, esses atos de reparação e de desagravo constituirão uma boa parte do tesouro que teremos ganho aqui na terra.

(1) Lc 17, 1-3; (2) cfr. Mt 18, 1-6; (3) São Tomás de Aquino, Suma teológica, II-II, q. 43, a. 1; (4) Catecismo de São Pio X, n. 418; (5) João Paulo II, Carta Encíclica Redemptor hominis, 4.03.79, 10; (6) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 80; (7) 1 Cor 8, 9; (8) cfr. Mt 15, 12-14; (9) cfr. 1 Pe 2, 8; (10) cfr. Lc 2, 34; (11) cfr. Mt 17, 21; (12) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 275; (13) São João de Ávila, Sermão 55 para a Infra-oitava de Corpus; (14) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 455; (15) At 10, 38; (16) cfr. Jo 13, 35; (17) Salvador Canals, Reflexões espirituais, pág. 49; (18) Santa Teresa,Fundações, 1, 7.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal