— A santa pureza, condição indispensável para amar a

Deus e para o apostolado.

 

PASSADAS JÁ AS FESTAS do Natal, em que consideramos principalmente os mistérios da vida oculta do Senhor, vamos contemplar neste tempo, seguindo a liturgia, os anos da sua vida pública.

Desde o começo da sua missão, vemos Jesus que procura os seus discípulos e os chama ao seu serviço, tal como fez Javé em épocas anteriores. É o que nos mostra a primeira Leitura da Missa de hoje, ao narrar a vocação de Samuel l, bem como o Evangelho, ao relatar como Jesus se faz encontrar por aqueles três primeiros discípulos que seriam mais tarde o fundamento da sua Igreja2: Pedro, João e Tiago

Seguir o Senhor, tanto naquela época como hoje, significa entregar-lhe o coração, o mais íntimo, o mais profundo do nosso ser, a nossa própria vida. Entende-se, pois, que para corresponder ao chamamento de Jesus, seja necessário guardar a santa pureza e purificar o coração. É São Paulo quem no-lo diz na segunda Leitura3: Fugi da fornicação… Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo que habita em vós, que o recebestes de Deus e que, portanto, não vos pertenceis? Fostes comprados por um grande preço. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo. Jamais ninguém como a Igreja ensinou a dignidade do corpo. “A pureza é glória do corpo humano perante Deus. É a glória de Deus no corpo humano”4.

A castidade, fora ou dentro da vida matrimonial, segundo o estado e a peculiar vocação recebida por cada um, é absolutamente necessária para se poder seguir a Cristo e exige, juntamente com a graça divina, uma grande luta e esforço’pessoais. As feridas do pecado original (na inteligência, na vontade, nas paixões e nos afetos), que não desaparecem com o Batismo, introduziram um princípio de desordem na nossa natureza: a alma, de maneiras muito diversas, tende a rebelar-se contra Deus, e o corpo resiste a submeter-se à alma; e os pecados pessoais revolvem o fundo ruim que o pecado original deixou em nós e aumentam as feridas que causou na alma.

A santa pureza, parte da virtude da temperança, inclina-nos a moderar prontamente e com alegria o uso da faculdade geradora, segundo os ditames da razão ajudada pela fé5. O seu contrário é a luxaria, que destrui a dignidade do homem, enfraquece a vontade na busca do bem e dificulta que a inteligência possa conhecer e amar a Deus, bem como as coisas humanas. A impureza acarreta freqüentemente uma forte carga de egoísmo e arrasta a pessoa para atitudes próximas da violência e da crueldade. Se não se lhe põe remédio, faz perder o sentido do divino e do transcendente: cega para aquilo que é realmente importante.

Os atos de renúncia (“não olhar”, “não fazer”, “não imaginar”, “não desejar”), ainda que sejam imprescindíveis, não são tudo na guarda da castidade; a essência desta virtude é o amor: delicadeza e ternura com Deus, respeito pelas pessoas, que devem ser encaradas como filhos de Deus. A castidade “mantém a juventude do amor, em qualquer estado de vida” 6;

E, portanto, um requisito indispensável para amar. Ainda que não seja nem a primeira nem a mais importante das virtudes, e ainda que a vida cristã não possa reduzir-se a ela, no entanto, sem castidade não há caridade, e esta é a primeira virtude e a que dá a sua perfeição e o fundamento às demais 7.

Os primeiros cristãos, a quem São Paulo diz que devem glorificar a Deus no seu corpo, estavam rodeados de um clima corrompido, e muitos deles provinham desse ambiente. Nao vos iludais, diz-lhes o Apóstolo. Nem os impuros, nem os idolatras, nem os adúlteros… possuirão o reino de Deus. E alguns de vós éreis isso…8 O Apóstolo indica-lhes que devem viver uma virtude que era pouco apreciada e até desprezada naquela época e naquela cultura. Cada um deles devia ser um exemplo vivo da fé em Cristo que traziam no coração e da riqueza espiritual que possuíam. O mesmo devemos nós fazer.

— Necessidade de uma boa formação para viver esta

virtude.

DEVEMOS TER a firme convicção de que é sempre possível viver a santa pureza, ainda que a pressão do ambiente seja muito forte, desde que se empreguem os meios que Deus nos dá para vencer e se evitem as ocasiões de perigo.

O primeiro passo para isso é adquirir idéias muito claras sobre a matéria, encará-la com finura e sentido sobrenatural, e depois tratar do tema com clareza e sem ambigüidades na conversa com quem orienta a nossa alma, para assim completarmos ou retificarmos as idéias pouco exatas que possamos ter. Às vezes, certos assim chamados escrúpulos resultam de não se ter falado completamente a fundo deles, e resolvem-se quando os fatos objetivos são referidos com toda a clareza na direção espiritual e na confissão.

Deve-se ainda unir à pureza do corpo a pureza da alma, orientando os afetos de tal modo que Deus ocupe a todo o momento o centro da alma. Por isso, é preciso que a luta por viver esta virtude e por crescer nela se estenda também a todas as matérias que possam indiretamente facilitá-la ou dificultá-la: a mortificação da vista, do comodismo, da imaginação, da memória.

Outra condição para a eficácia desta luta é a humildade. Tem humilde consciência da sua fraqueza todo aquele que foge decididamente das ocasiões perigosas, que admite contrita e sinceramente os seus descuidos reais, que pede a ajuda necessária, que reconhece com agradecimento o valor do seu corpo e da sua alma.

As vezes, de acordo com a época ou as circunstâncias, pode ser necessário lutar mais intensamente num ou noutro campo relacionado com esta virtude: no da sensibilidade, que, sem a devida mortificação, pode estar mais viva por não se terem evitado causas voluntárias mais ou menos remotas; no das leituras, que podem mergulhar a alma num clima de sensualidade, mesmo que não sejam claramente impuras; no da guarda da vista…

Outro campo relacionado com a pureza é o dos sentidos internos (imaginação, memória), que, ainda que não se detenham em pensamentos diretamente contrários ao nono mandamento, são freqüentemente ocasião de tentação e denotam muito pouca generosidade com Deus.

E por último a guarda do coração, que está feito para amar, e que por isso deve estar preenchido por um amor limpo de acordo com a vocação de cada um, um amor em que Deus deve ocupar sempre o primeiro lugar. Não podemos andar com o coração na mão, como quem oferece uma mercadoria9.

— Meios para vencer.

PARA SEGUIRMOS o Senhor com um coração limpo, é necessário que pratiquemos um conjunto de virtudes humanas e sobrenaturais, apoiados sempre na graça, que nunca nos há de faltar se a pedimos com humildade e se desenvolvemos todos os esforços ao nosso alcance.

Entre as virtudes humanas que ajudam a viver a santa pureza, conta-se em primeiro lugar a laboriosidade, o trabalho constante e intenso; muitas vezes, os problemas de pureza são uma questão de ociosidade ou de preguiça. Também são necessárias a valentia e a fortaleza, para fugirmos da tentação, para não cairmos na ingenuidade de pensar que isto ou aquilo não nos faz mal nem invocarmos falsos pretextos de idade ou de experiência. E deve-se procurar a sinceridade plena, contando toda a verdade com clareza, e estando prevenidos contra o “demônio mudo” ,0, que tende a enganar-nos tirando importância ao pecado ou à tentação, ou aumentando-a para fazer-nos cair nessa outra tentação que é a “vergonha de falar”. A sinceridade é completamente necessária para vencer, pois sem ela a alma fica privada de uma ajuda imprescindível.

Nenhum meio humano seria suficiente se não recorrêssemos ao trato íntimo com o Senhor na oração e na Sagrada Eucaristia. Nelas encontramos sempre a ajuda necessária, as forças que vêm em socorro da nossa fraqueza pessoal, o amor que nos cumula o coração, criado para o que é eterno, e portanto sempre insatisfeito com tudo o que há neste mundo. E o sacramento da Penitência purifica-nos a consciência, concede-nos as graças específicas do sacramento para vencermos naquilo em que fomos vencidos, seja em matéria grave ou leve.

Se quisermos entender o amor a Jesus Cristo tal como os Apóstolos, os primeiros cristãos e os santos de todos os tempos o entenderam, é necessário que vivamos a virtude da santa pureza. Caso contrário, ficaremos grudados à terra e não compreenderemos nada.

Recorremos a Santa Maria, Mater Pulchrae Dilectionis ll, Mãe do Amor Formoso, porque Ela gera na alma do cristão uma ternura filial que lhe permite crescer nesta virtude. E Ela nos concederá esta virtude própria das almas rijas, se lha pedirmos com amor e confiança

(1) Cfr. 1 Sam 3, 3-10; (2) cfr. Jo 1, 35-42; (3) cff. 1 Cor 6, 13-15; 17-20; (4) João Paulo II, Audiência geral, 18-111-1981; (5) cfr. São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 151, a. 2, ad. 1; (6) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 25; (7) cfr. J. L. Soria, Amar y vivir Ia castidad, Palabra, Madrid, 1976, pág. 45; (8) cfr. 1 Cor 6, 9-10; (9) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 146; (10) cfr.  ib., n. 236; (11) Eclo 24, 24.