TEMPO COMUM. DÉCIMA QUARTA SEMANA. SEXTA‑FEIRA

– Jesus, exemplo destas duas virtudes, que se aperfeiçoam mutuamente.
– Pedir conselho.
– A falsa prudência.

I. JESUS ENVIA os Doze por todo o país para anunciarem que o Reino de Deus está já muito próximo. E dá‑lhes uns conselhos bem precisos sobre o que devem fazer e dizer, e fala‑lhes das dificuldades que encontrarão. Assim, lemos no Evangelho da Missa: Olhai que eu vos envio como cordeiros entre lobos. Sede pois prudentes como as serpentes e simples como as pombas 1.

Os Apóstolos devem ser cautos para não se deixarem enganar pelo mal, para reconhecerem os lobos disfarçados de cordeiros, para distinguirem os falsos profetas dos verdadeiros 2, e para não desaproveitarem uma só ocasião de anunciar o Evangelho e de fazer o bem. Mas devem ser ao mesmo tempo simples, porque só quem é simples pode conquistar o coração de todos. Sem simplicidade, a prudência converte‑se facilmente em astúcia.

Nós, cristãos, devemos caminhar pelo mundo com essas duas virtudes, que se fortalecem e complementam. A simplicidade implica retidão de intenção e coerência na conduta. A prudência mostra em cada ocasião quais os meios mais adequados para cumprirmos o nosso fim. Santo Agostinho ensina que a prudência “é o amor que discerne o que ajuda a ir para Deus daquilo que o dificulta” 3.

Esta virtude permite‑nos conhecer objetivamente a realidade das coisas, de acordo com o fim último; ajuda‑nos a julgar acertadamente sobre o caminho a seguir e a atuar de modo conseqüente. “Não é prudente – como se julga amiúde – quem sabe ajeitar as coisas na vida e tirar delas o máximo proveito, mas quem consegue edificar a vida inteira de acordo com a voz da consciência reta e com as exigências da moral justa. Deste modo, a prudência torna‑se o ponto chave para que cada um realize a tarefa fundamental que recebeu de Deus. Esta tarefa consiste na perfeição do próprio homem” 4, na santidade.

O Senhor ensinou‑nos com a sua palavra e com o seu exemplo a ser prudentes. Da primeira vez que falou nos átrios do Templo, aos doze anos, todos admiravam‑se da sua prudência 5. Mais tarde, durante a sua vida pública, as suas palavras e a sua doutrina eram tão claras como prudentes, de tal maneira que os seus inimigos não podiam contradizê‑lo. O Senhor não anda com subterfúgios, mas tem em conta o público a quem fala; por isso, dá a conhecer a sua condição de Messias de modo gradual e vai anunciando a sua morte na Cruz conforme o grau de preparação e conhecimento daqueles que o escutam. Nós devemos aprender de Cristo.

II. PARA SERMOS PRUDENTES, é necessário que tenhamos luz no entendimento; assim poderemos julgar com retidão os acontecimentos e as circunstâncias 6; só com uma boa formação doutrinal religiosa e ascética, e com a ajuda da graça, saberemos descobrir os caminhos que conduzem verdadeiramente a Deus, as decisões que devemos tomar…

Não obstante, em muitas ocasiões teremos que pedir conselho. “O primeiro passo da prudência é o reconhecimento das nossas limitações: a virtude da humildade. É admitir, em determinadas questões, que não apreendemos tudo, que em muitos casos não podemos abarcar circunstâncias que importa não perder de vista à hora de julgar. Por isso nos socorremos de um conselheiro. Não de qualquer um, mas de quem for idôneo e estiver animado dos nossos mesmos desejos sinceros de amar a Deus e de o seguir fielmente. Não basta pedir um parecer; temos que dirigir‑nos a quem no‑lo possa dar desinteressada e retamente” 7.

São Tomás diz que, ordinariamente, antes de tomarmos decisões que acarretem graves conseqüências para nós ou para os outros, devemos pedir conselho 8. Mas não devemos pedi‑lo somente nesses casos extremos. Às vezes, torna‑se urgente uma orientação, para os mais velhos e para os jovens, no que se refere à leitura de livros, revistas e jornais, ou à assistência a espetáculos que, umas vezes de forma violenta e outras de maneira solapada, podem arrancar a fé da alma ou criar um fundo mau no coração. Não existe justificativa alguma para não nos afastarmos de uma situação que pode ser o começo do descaminho.

Mas há tantas outras circunstâncias em que não chegamos por nós mesmos a um critério seguro ou em que percebemos claramente que “o juízo próprio é mau conselheiro!” 9 É um conflito familiar, que não sabemos como resolver de modo a retornar à paz e ao bom entendimento. É um filho ou uma filha‑problema, que não vemos como encaminhar. É a grave questão da paternidade responsável, que não pode ser resolvida consultando apressadamente o comodismo, o conforto material ou a opinião das vizinhas. É o dilema de saber se determinado gasto mais vultuoso é realmente necessário ou não é ditado pela vaidade, pela ânsia do supérfluo e por tantos outros motivos igualmente fúteis. A virtude da prudência exige nesses casos que saibamos procurar quem nos possa dar um conselho experiente e isento e ajudar‑nos a formar um critério cristão que, seja do inteiro agrado de Deus.

E para isso é que é necessária também a virtude da simplicidade, que nos leva a consultar a pessoa certa – não aquela que nos diga o que queremos ouvir –, a expor‑lhe o problema em todos os seus matizes e, sobretudo, a fazer‑lhe caso quando porventura nos sugere uma solução que é contra os nossos interesses imediatos: do orgulho, da ambição ou do comodismo. Só as almas simples sabem ser dóceis aos conselhos recebidos de quem os pode dar com espírito isento. Mas essa simplicidade, tão próxima da humildade, não é difícil de viver para quem se acostuma a reconhecer os seus erros, a retificar as suas opiniões ou a sua conduta quando se engana ou quando aparecem dados novos que mudam os termos de um problema. Sabemos conjugar assim a prudência e a simplidade na nossa vida de todos os dias?

III. NÃO SERIA BOA a prudência que, invocando a necessidade de ponderar os dados, escondesse a covardia de não tomar uma decisão arriscada, de evitar enfrentar um problema. Não é prudente a atitude daquele que se deixa levar pelos respeitos humanos no apostolado e deixa passar as ocasiões, esperando outras melhores que talvez nunca se apresentem. A esta falsa virtude, São Paulo dá o nome de prudência da carne 10. É a mesma que desejaria mais razões e argumentos para entregar‑se de vez a Deus, com tudo o que é e tem, a mesma que se preocupa excessivamente com o futuro e se serve disso como argumento para não ser generoso no presente; é aquela que sempre encontra alguma razão para não tomar decisões que comprometem totalmente.

A prudência não é falta de arrojo para empenhar todas as forças nos empreendimentos de Deus, não é a habilidade de procurar compromissos tíbios ou de justificar com teorias muito razoáveis uma atitude remissa e negligente. Os Apóstolos não agiram assim. Procuraram a cada momento, com as suas fraquezas e às vezes com os seus temores, o caminho de uma mais rápida propagação da doutrina do seu Mestre, ainda que esses caminhos às vezes os conduzissem a tribulações sem conta, e mesmo ao martírio.

A vida de seguimento do Senhor compõe‑se de pequenas e grandes loucuras, como acontece com todo o amor verdadeiro. Quando o Senhor nos pede mais – e sempre o pede –, não podemos deter‑nos, paralisados por uma falsa prudência – a prudência do mundo –, pelo juízo daqueles que não se sentem chamados e que vêem tudo com olhos humanos, e às vezes nem sequer humanos, porque têm uma visão exclusivamente terrena e rasteira da vida. Com essa prudência da carne, nenhum homem nem nenhuma mulher se teriam entregado a Deus ou teriam metido ombros a uma tarefa de caráter sobrenatural. Sempre teriam encontrado argumentos e “razões” para dizer que não, ou para adiar a resposta para um tempo mais oportuno, o que muitas vezes vem a dar na mesma.

Jesus foi tachado de louco 11, e a mais elementar cautela lhe teria bastado para escapar da morte. Umas poucas fórmulas lhe teriam sido suficientes para mitigar a sua doutrina e chegar a uma “conciliação de interesses” com os fariseus, para apresentar de outra maneira a sua doutrina sobre a Eucaristia na sinagoga de Cafarnaum 12, onde muitos o abandonaram; ter‑lhe‑iam bastado umas poucas palavras – a Ele que era a Sabedoria eterna! – para conseguir a liberdade quando estava nas mãos de Pilatos.

Jesus não foi prudente segundo o mundo, mas foi mais prudente do que as serpentes, mais do que os homens, mais do que os seus inimigos. Com outro gênero de prudência. Essa deve ser a nossa, ainda que, ao imitá‑lo, os homens nos chamem loucos e imprudentes. A prudência sobrenatural mostra‑nos em todo o momento o caminho mais rápido e direto para chegarmos a Cristo…, acompanhados de muitos amigos, parentes, colegas…

“Queres viver a audácia santa, para conseguir que Deus atue através de ti? – Recorre a Maria, e Ela te acompanhará pelo caminho da humildade, de modo que, diante dos impossíveis para a mente humana, saibas responder com um «fiat!» – faça‑se! – que una a terra ao Céu” 13.

(1) Mt 10, 16; (2) Mt 7, 15; (3) Santo Agostinho, Dos costumes da Igreja Católica, 25, 46; (4) João Paulo II, Alocução, 25‑X‑1978; (5) Lc 2, 47; (6) cfr. R. Garrigou‑Lagrange, Las tres edades de la vida interior, vol. II, pág. 625 e segs.; (7) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 86; (8) São Tomás, Suma Teológica, II‑II, q. 49, a. 3.; (9) cfr. São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 59; (10) cfr. Rom 8, 6; (11) Mt 3, 21; (12) cfr. Jo 6, 1 e segs.; (13) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 124.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal