Tempo Pascal. Quarta Semana. Terça-feira

— A rápida propagação do cristianismo. Os primeiros cristãos santifícaram-se no meio do ambiente em que encontraram Cristo.

“NOSSO SENHOR funda a sua Igreja sobre a fraqueza mas também sobre a fidelidade – de uns homens, os Apóstolos, aos quais promete a assistência constante do Espírito Santo […]. A pregação do Evangelho não surge na Palestina por iniciativa pessoal de alguns homens fervorosos. O que é que os Apóstolos podiam fazer? Não contavam nada no seu tempo; não eram ricos, nem cultos, nem heróis do ponto de vista humano. Jesus coloca sobre os ombros desse punhado de discípulos uma tarefa imensa, divina”‘.

Quem tivesse contemplado sem sentido sobrenatural os começos apostólicos daquele pequeno grupo, teria concluído que se tratava de uma iniciativa destinada ao fracasso. Não obstante, esses homens tiveram fé, foram fiéis e começaram a pregar por toda a parte aquela doutrina insólita que chocava frontalmente com muitos costumes pagãos; em pouco tempo o mundo soube que Jesus Cristo era o Redentor do mundo.

Desde o princípio, a Boa Nova é pregada a todos os homens, sem discriminação alguma. Os que se tinham dispersado com a perseguição provocada pela morte de Estêvão – lemos na Missa de hoje2 – chegaram até a Fenícia, Chipre e Antioquia. Nesta cidade, foram tantas as conversões que foi ali que pela primeira vez se deu o nome de cristãos aos discípulos do Senhor. Poucos anos depois, encontramos seguidores de Cristo em Roma e em todas as regiões do Império.

Nos começos, a fé cristã arraigou principalmente entre pessoas de condição modesta: soldados, cardadores de lã, escravos, comerciantes. Vede, irmãos — escrevia São Paulo —, quem são os que foram chamados à fé entre vós: não há muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos nobres…3

Para Deus, não há distinção de pessoas, e os primeiros chamados — ignorantes e débeis aos olhos humanos — foram os instrumentos que o Senhor utilizou para a expansão da Igreja. Assim ficou mais patente que a eficácia era divina. Isto não quer dizer que não houvesse entre os primeiros cristãos pessoas cultas, sábias, importantes — um ministro etíope, centuriões, homens como Apolo e Dionísio Areopagita, mulheres como Lídia —, mas eram poucos dentro do grande número dos convertidos à nova fé. São Tomás comenta que “também pertence à glória de Deus o fato de que Ele tenha atraído a Si os sublimes do mundo através de pessoas simples”4. Os primeiros cristãos exerciam todas as profissões correntes no seu tempo, a não ser aquelas que podiam trazer algum perigo para a sua fé, como as de “intérpretes de sonhos”, adivinhos, guardas dos templos… E embora a vida pública estivesse permeada de práticas religiosas pagãs, cada um permaneceu no lugar e profissão em que a fé o encontrou, esforçando-se por dar o seu tom ao ambiente em que vivia, por ter uma conduta exemplar, sem fugir do convívio — antes pelo contrário — com os vizinhos e concidadãos. Estavam presentes no foro, no mercado, no exército… “Nós, cristãos — dirá Tertuliano —, não vivemos afastados do mundo; freqüentamos o foro, as termas, as oficinas, as lojas, os mercados e as praças públicas. Exercemos os ofícios de marinheiro, de soldado, de agricultor, de negociante…”5

O Senhor recorda-nos que também nos dias de hoje Ele nos chama a todos, sem estabelecer distinções de profissão, de raça ou de condição social. “Como te inspiram compaixão!… Quererias gritar-lhes que estão perdendo o tempo… Por que são tão cegos e não percebem o que tu — miserável — já viste? Por que não hão de preferir o melhor?

“— Reza, mortifica-te, e depois — tens obrigação disso! — desperta-os um a um, explicando-lhes — também um a um — que, tal como tu, podem encontrar um caminho divino, sem abandonar o lugar que ocupam na sociedade”6.

— Cidadãos exemplares no meio do mundo. Levar Cristo a todos os ambientes.

Foi o que fizeram os nossos primeiros irmãos na fé, nos fins do século II, os cristãos estão já espalhados por todo o Império: “Não há raça alguma de homens, chamem-se bárbaros, gregos ou outra coisa, quer habitem em casas ou sejam nômadas sem lugar para morar ou morando em tendas de pastores, entre os quais não se ofereçam pelo nome de Jesus crucificado orações e ações de graças ao Pai, Criador de todas as coisas”7.

Os fiéis cristãos não fogem do mundo para procurarem o Senhor em plenitude: consideram-se parte integrante desse mundo, que por outro lado procuram vivificar por dentro, com a sua oração, com o seu exemplo, com uma caridade magnânima: “O que é a alma para o corpo, isso são os cristãos para o mundo”8. Vivificaram o seu mundo — que em muitos aspectos tinha perdido o sentido da dignidade humana — sendo cidadãos como os outros e sem distinguir-se deles nem pelo modo de vestir, nem por insígnias, nem por mudarem de cidadania9.

Não somente são cidadãos, como procuram ser exemplares: “Obedecem às leis, mas com a sua vida vão além das leis”10. Honram a autoridade civil, pagam os impostos e cumprem as demais obrigações sociais. E isto, tanto em épocas de paz como em períodos de perseguição e de ódio manifesto. São Justino, em meados do século II, descreve o heroísmo com que os primeiros cristãos viviam as virtudes cívicas: “Como aprendemos dEle (de Cristo), procuramos pagar os tributos e as contribuições, íntegra e prontamente, aos vossos encarregados […]. Adoramos somente a Deus, mas vos obedecemos com gosto em todas as demais coisas, reconhecendo abertamente que sois os reis e os governantes dos homens, e pedindo na oração que, juntamente com o Poder imperial, encontreis também uma arte de governo repleta de sabedoria”. E Tertuliano, que atacava com veemência a degenerescência do mundo pagão, escrevia que os fiéis oravam nas suas assembléias pelo imperador, pelos seus ministros e autoridades, pelo bem-estar temporal e pela do Império12.

Seja em que época for, os cristãos não podem viver de costas para a sociedade de que fazem parte. Enraizados no coração do mundo, hão de procurar cumprir responsavelmente as suas tarefas pessoais, para impregná-las por dentro de um espírito novo, de caridade cristã. Quanto mais longe de Cristo estiver determinado ambiente, tanto mais urgente será a presença dos cristãos nesse lugar, para condimentá-lo com o sal de Cristo e devolver ao homem a sua dignidade tantas vezes perdida. 

— Costumes cristãos no seio da família.

Os caminhos que levaram os primeiros cristãos à fé foram muito variados, e alguns deles extraordinários, como aconteceu com São Paulo14. Houve muitos que foram chamados pelo Senhor por meio do exemplo de um mártir, mas a maioria chegou a conhecer a Boa Nova através de alguns companheiros de trabalho, de prisão, de viagem, etc.
E já na época apostólica se tornou costume batizar as crianças mesmo antes de chegarem ao uso da razão. São Paulo, à semelhança dos outros Apóstolos, batizou famílias inteiras.
Dois séculos mais tarde, Orígenes podia escrever: “A Igreja recebeu dos Apóstolos o costume de administrar o batismo mesmo às crianças”15.

As casas dos primeiros fiéis, externamente iguais às outras, converteram-se em lares cristãos. Os pais transmitiam a fé aos seus filhos, e estes aos deles, e assim a família se converteu num pilar fundamental da consolidação da fé e dos costumes cristãos. Repletos de caridade, os lares cristãos eram recantos de paz no meio das incompreensões externas, das calúnias, da perseguição. No lar, aprendia-se a oferecer o dia a Deus, a dar-lhe graças, a abençoar os alimentos, a orar na escassez e na abundância.

Os ensinamentos dos pais brotavam com naturalidade ao ritmo da vida, e assim a família cumpria a sua função educadora. São João Crisóstomo dá estes conselhos a um casal cristão: “Mostra à tua mulher que aprecias muito viver com ela e que por ela preferes ficar em casa a andar pela rua. prefere-a a todos os teus amigos e mesmo aos filhos que ela te deu; ama esses filhos por amor dela […]. Fazei juntos as vossas orações […]. Aprendei o temor de Deus; todas as outras coisas fluirão daí como de uma fonte e a vossa casa se encherá de inumeráveis bens”16. Houve também casos em que o foco de expansão do cristianismo na família era uma filha ou um filho: atraíam os outros irmãos à fé, depois os pais, e estes os tios…, acabando por aproximar os próprios avós.

Os costumes cristãos que se podem viver numa família são muitos: a recitação do terço, os quadros ou imagens de Nossa Senhora, a bênção dos alimentos… e muitos outros. Se soubermos praticá-los, contribuirão para que se respire sempre no lar um clima amável, de família cristã, onde os filhos, desde pequenos, aprenderão com naturalidade a tratar com Deus e com a sua Mãe Santíssima.

(1) São Josemaría Escrivá, Lealdade à Igreja, Palabra, Madrid, 1985; (2) cfr. At 11, 19-20; (3) 1 Cor 1, 26; (4) São Tomás, Comentário à Ia Carta aos Corintios; (5) Tertuliano, Apologétic o, 42; (6) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 182; (7) São Justino, Diálogo com Trifon, 117, 5; (8) Epístola a Diogneto, 6, 1; (9) cfr. ib., 5, 1-11; (10) ib., 5, 10; (11) São Justino, Apologia 1, 17; (12) cfr. Tertuliano, Apologético, 39, 1 e segs.; (13) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 320; (14) cfr. At 9, 1-19; (15) Orígenes, Com. à carta aos Romanos, 5, 9; (16) São João Crisóstomo, Hom. 20 sobre a carta aos Efésios.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.