TEMPO COMUM. DÉCIMA NONA SEMANA. QUARTA‑FEIRA

– Promessa e instituição do sacramento da Penitência. Dar graças por este sacramento.
– Razões para esse agradecimento.
– Somente o sacerdote pode perdoar os pecados. A Confissão, um juízo misericordioso.

I. JESUS CONHECE BEM a nossa fraqueza e debilidade. Por isso instituiu o sacramento da Penitência. Quis que pudéssemos corrigir os nossos passos, quantas vezes fosse necessário; tinha o poder de perdoar os pecados e exerceu‑o freqüentes vezes: com a mulher surpreendida em adultério1, com o bom ladrão arrependido na cruz 2, com o paralítico de Cafarnaum 3… Veio procurar e salvar o que estava perdido4, também atualmente, nos nossos dias.

Os Profetas tinham preparado e anunciado esta reconciliação, totalmente nova, do homem com Deus. Assim o refletem as palavras de Isaías: Vinde e entendamo‑nos, diz o Senhor. Ainda que os vossos pecados sejam como o escarlate, tornar‑se‑ão brancos como a neve; e se forem roxos como o carmesim, ficarão brancos como a branca lã 5. Foi essa também a missão de João Batista, que veio pregar um batismo de penitência para a remissão dos pecados 6. Como pode então haver quem se estranhe de que a Igreja pregue a necessidade da Confissão?

Jesus revela especialmente a sua misericórdia na atitude que manifesta com os pecadores. “Eu tenho pensamentos de paz e não de aflição (Ier XXIX, 11), declarou Deus por boca do profeta Jeremias. A liturgia aplica essas palavras a Jesus, porque nEle se manifesta claramente que é assim que Deus nos ama. Não vem condenar‑nos, não vem lançar‑nos em rosto a nossa indigência ou a nossa mesquinhez: vem salvar‑nos, perdoar‑nos, desculpar‑nos, trazer‑nos a paz e a alegria” 7.

O Senhor quis que o seu perdão estivesse ao alcance não só daqueles que o encontrassem pelos caminhos e cidades da Palestina, como também de todos os que viessem ao mundo ao longo dos séculos. Por isso conferiu aos Apóstolos e aos seus sucessores ao longo dos séculos o poder de perdoar os pecados. Prometeu‑o de modo solene a Pedro, quando este o reconheceu como Messias 8, e pouco tempo depois – lemos hoje no Evangelho da Missa9 – estendeu‑o aos demais Apóstolos: Tudo o que atardes na terra será atado também nos céus; e tudo o que desatardes na terra será desatado também nos céus. A promessa tornou‑se realidade no próprio dia da Ressurreição: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser‑lhes‑ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser‑lhes‑ão retidos10. Foi o primeiro presente de Cristo à sua Igreja.

O sacramento da Penitência é uma portentosa expressão do amor e da misericórdia de Deus para com os homens. “Porque Deus, mesmo ofendido, continua a ser nosso Pai; mesmo irritado, continua a amar‑nos como filhos. Só procura uma coisa: não ter de castigar‑nos pelas nossas ofensas, ver que nos convertemos e lhe pedimos perdão” 11. Vamos dar graças ao Senhor na nossa oração de hoje pelo dom tão grande que significa podermos ser perdoados dos nossos erros e misérias.

II. O INCOMPARÁVEL BEM que o Senhor nos concedeu ao instituir o sacramento da Penitência resulta de muitos aspectos cuja consideração nos ajudará a ser agradecidos ao Senhor e a amar cada vez mais este sacramento.

Em primeiro lugar, a Confissão não é um mero remédio espiritual que o sacerdote possua para curar a alma doente ou mesmo morta para a vida da graça. Isso é muito, mas o nosso Pai‑Deus achou pouco. E assim como o pai da parábola não concedeu o perdão ao seu filho por meio de um emissário, mas correu em pessoa ao seu encontro, assim o Senhor, que anda em busca do pecador, faz‑se presente e abre‑nos os braços na pessoa do confessor. É o próprio Cristo quem nos absolve através do sacerdote, porque todo o sacramento é uma ação de Cristo. Na Confissão, encontramos Jesus12, como o encontrou o bom ladrão, ou a mulher pecadora, ou a samaritana, e tantos outros…; como o encontrou o próprio Pedro, depois das suas negações.

Também temos que dar graças pela universalidade deste poder concedido à Igreja na pessoa dos Apóstolos e dos seus sucessores. O Senhor está disposto a perdoar tudo, de todos e sempre, se encontra as devidas disposições. “A onipotência de Deus – diz São Tomás – manifesta‑se sobretudo no ato de perdoar e usar de misericórdia, porque a maneira que Deus tem de demonstrar o seu poder supremo é perdoar livremente” 13.

Jesus diz‑nos: Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância 14. Na Confissão, dá‑nos a oportunidade de esvaziarmos a alma de toda a imundície, de limpá‑la bem: “Pensa que Deus quer que transbordes de mel: se estás cheio de vinagre, onde irá depositar o mel? Primeiro, é necessário esvaziar o recipiente daquilo que contém […]: é preciso limpá‑lo, ainda que com custo, à força de esfregá‑lo, para que seja capaz de receber essa realidade misteriosa” 15.

Com esse pequeno esforço, que consistirá num exame de consciência diligente, na dor e nos propósitos de emenda bem feitos, sempre em torno da recepção freqüente do sacramento, o Espírito Santo irá forjando na nossa alma a delicadeza de consciência: não a consciência escrupulosa, que vê pecado onde não há, mas a finura interior que fortalece a decisão de abominar o pecado mortal e de fugir das ocasiões de cometê‑lo, ao mesmo tempo que faz crescer o sincero empenho em detestar o pecado venial. Deste modo, a Confissão robustece‑nos a confiança na luta, e quem a pratica nota que se trata sem dúvida do “sacramento da alegria” 16.

Com a eficácia silenciosa da sua ação incessante, o Espírito Santo vai‑nos dando através do sacramento da Penitência o “sentido do pecado”: ensina‑nos a doer‑nos mais, a avaliar com outra profundidade o que significa ofender a Deus, e infunde em nós um espírito filial de desagravo e de reparação. Por isso, a confissão pontual, contrita, bem preparada, é uma manifestação inequívoca do espírito de penitência. Agradeçamos ao Espírito Santo que tenha incutido nos Pastores da Igreja a preocupação de fomentar a prática da Confissão freqüente 17: com ela, progredimos na humildade, combatemos com eficácia os maus costumes – até desarraigá‑los –, enfrentamos os focos de tibieza, robustecemos a vontade e a graça santificante aumenta em nós em virtude do próprio sacramento18. Quantos benefícios o Senhor nos concede através deste sacramento!

III. O PODER DE PERDOAR os pecados foi confiado aos Apóstolos e aos seus sucessores 19. Só quem recebeu a Ordem sacramental tem a faculdade de perdoar os pecados. São Basílio compara a Confissão ao cuidado dos doentes, comentando que, assim como nem todos conhecem as doenças do corpo, também as doenças da alma não podem ser curadas por qualquer um20. Mas, à diferença dos médicos, esse poder não vem ao sacerdote da sua ciência, nem do seu prestígio, nem da comunidade, mas direta e gratuitamente de Deus, através do sacramento da Ordem.

Por disposição divina, para melhor ajudar o penitente a ser sincero e a aprofundar nas raízes da sua conduta, bem como para defender a pureza do Corpo Místico de Cristo, o confessor, que está no lugar de Cristo, deve julgar as disposições do pecador – a dor e o propósito de emenda – antes de admiti‑lo pela absolvição a uma comunhão mais plena com a Igreja. Por isso, o sacramento da Penitência é um verdadeiro julgamento a que o pecador se submete21; mas é um julgamento que tem por fim o perdão daquele que se declara culpado. “Repara que entranhas de misericórdia tem a justiça de Deus! – Porque, nos julgamentos humanos, castiga‑se a quem confessa a sua culpa; e no divino, perdoa‑se. – Bendito seja o Sacramento da Penitência!” 22

O sacerdote não poderia absolver quem não estivesse arrependido do seu pecado; não pode absolver aquele que se nega a restituir o que roubou, podendo fazê‑lo; aquele que não se decide a abandonar a ocasião próxima de pecado; e, em geral, os que não se propõem seriamente afastar‑se do pecado e emendar a sua vida. Eles próprios se excluem desta fonte de misericórdia.

O julgamento efetuado neste sacramento é, de certo modo, uma antecipação e preparação do juízo definitivo que terá lugar no fim da vida. Então compreenderemos em toda a sua profundidade a graça e a misericórdia de que Deus usou conosco nos momentos em que os nossos pecados foram perdoados. O nosso agradecimento será então sem limites, e manifestar‑se‑á em dar glória a Deus eternamente pela sua grande misericórdia. Mas o Senhor quer que sejamos também agradecidos nesta vida. Demos‑lhe graças e peçamos‑lhe que nunca faltem na sua Igreja sacerdotes santos, dispostos a administrar este sacramento com todo o amor e dedicação.

(1) Jo 8, 11; (2) Lc 23, 43; (3) Mc 2, 1‑12; (4) Lc 19, 10; (5) Is 1, 18; (6) Mt 1, 4; (7) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 165; (8) Mt 16, 17‑19; (9) Mt 18, 18; (10) Jo 20, 23; (11) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 22, 5; (12) cfr. Conc. Vat. II, Const. Sacrossanctum Concilium, 7; (13) São Tomás, Suma Teológica, I, q. 25, a. 3, ad. 3; (14) Jo 10, 10; (15) Santo Agostinho, Comentário à primeira Epístola de São João, 4; (16) cfr. Paulo VI, Audiência geral, 23‑III‑1977; (17) cfr. Pio XII, Enc. Mystici Corporis, 29‑VI‑1943, 39; (18) ib.; (19) cfr. Ordo Paenitentiae; (20) São Basílio, Regra breve, 288; (21) cfr. Conc. de Trento, sess. XIV, cap. 5; Dz 899; (22) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 309.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal