Tempo Comum. Oitava Semana. Terça-feira

— Necessidade de um desprendimento efetivo dos bens materiais para seguir a Cristo.

DEPOIS DO ENCONTRO com o jovem rico que considerávamos ontem, Jesus e os seus discípulos empreenderam novamente o caminho para Jerusalém. Havia ficado gravada em todos a triste despedida daquele adolescente que estava muito apegado às suas posses, bem como as palavras fortes de Jesus Cristo dirigidas aos que não são capazes de segui-lo – não o querem – por causa de um amor desordenado aos bens da terra. Agora, já a caminho, provavelmente para quebrar o silêncio provocado pela cena anterior, Pedro diz a Jesus: Eis que nós deixamos tudo e te seguimos1. São Mateus refere claramente o sentido das palavras do Apóstolo: Que recompensa teremos?2 Que vamos lucrar?

Santo Agostinho, comentando esta passagem do Evangelho da Missa de hoje, interpela-nos com estas palavras: “Eu te pergunto, alma cristã. Se te fosse dito o mesmo que àquele rico: Vai e vende tu também todas as coisas e terás um tesouro no céu, e depois vem e segue a Cristo, ir-te-ias embora triste como ele?” 3

Nós, tal como os Apóstolos, deixamos o que o Senhor nos foi pedindo, cada um segundo a sua vocação, e temos o firme desejo de desfazer qualquer laço que nos impeça de correr para Cristo e segui-lo. Podemos renovar hoje o propósito de ter o Senhor como centro da nossa vida, mediante um desprendimento efetivo daquilo que temos e usamos, para Que Possamos dizer com São Paulo: Tenho tudo por lixo, contanto que ganhe o amor de Cristo4. Certamente, “quem reconheceu as riquezas de Cristo Nosso Senhor desprezará todas as coisas por causa delas. Dinheiro, riqueza, poder, tornam-se lixo aos seus olhos. Nada pode haver que se lhes compare”5. Nenhuma coisa tem valor quando comparada com Cristo.

Nenhuma coisa tem valor quando comparada com Cristo.

Eis que nós deixamos tudo… “Que deixaste, Pedro? Uma pobre barca e uma rede. Ele, no entanto, poderia responder-me: Deixei o mundo inteiro, já que não reservei nada para mim”6, tal como nós desejamos fazer. Temos considerado repetidas vezes – porque é um ponto essencial para seguir a Cristo – que o Senhor exige a virtude da pobreza a todos os seus discípulos, de qualquer tempo e em qualquer situação em que se encontrem na vida. Ora bem, isto significa que temos de chegar a uma austeridade real e efetiva na posse e no uso dos bens materiais, plenamente conscientes de que não podemos alcançá-la sem “muita generosidade, inumeráveis sacrifícios e um esforço incansável” 7, como diz Paulo VI.

Devemos, pois, verificar agora se caminhamos passo a passo por essa senda árdua, de modo a podermos dizer não só que amamos a pobreza, mas que estamos aprendendo a vivê-la no dia a dia, em todas as suas dimensões. Mais uma vez hão de aflorar à nossa consciência tantos pormenores que caracterizam uma vida sinceramente desprendida dos bens materiais: se cortamos com os caprichos; se não invocamos pretextos de posição social ou profissional para ser perdulários ou de qualquer modo fazer ostentação de riqueza; se instalamos o nosso lar com bom gosto, sim, com coisas duráveis, sim, mas sobriamente; se sabemos educar os filhos na austeridade, sem que lhes falte o necessário, mas sem habituá-los a todas as comodidades, a todos os aparelhos sofisticados, a todas as formas de lazer que os amolecem e lhes comprometem a personalidade e a formação cristã, pois nesse caso teremos banido das suas vidas a palavra sacrifício… E assim por diante. Não o esqueçamos: “Muitos se sentem infelizes, precisamente por terem demasiado de tudo”8.

— Jesus é infinitamente generoso na sua recompensa para com aqueles que o seguem.

EIS QUE NÓS DEIXAMOS TUDO… Ao correspondermos com uma generosidade renovada às exigências da vocação cristã, quantas vezes não teremos experimentado que o desprendimento efetivo dos bens materiais traz consigo a libertação de um peso considerável! Somos como o soldado que se desfaz da sua mochila ao entrar em combate para ter os movimentos mais livres.

Assim saboreamos um perfeito domínio sobre as coisas; já não somos escravos delas e sentimos a verdade das palavras de São Paulo: Estamos no mundo como quem nada tem, mas possuímos tudo 9. O coração do cristão, livre do egoísmo, abre-se à caridade e com ela possui tudo: Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo de Deus 10.l-

Pedro recorda a Jesus que, de maneira bem diferente da daquele jovem, eles deixaram tudo por Ele. Não olha para trás, mas parece ter necessidade, em nome de todos, de umas palavras do Mestre que lhes reafirmem que ganharam com a troca, que vale a pena estarem junto dEle, ainda que não tenham nada. O Apóstolo mostra-se muito humano, mas a sua pergunta manifesta ao mesmo tempo a confiança que o une ao Senhor.

Jesus enternece-se diante daqueles homens que, apesar dos seus defeitos, o seguem fielmente: Em verdade vos digo: não há ninguém que, tendo deixado casa, irmãos ou irmãs, mãe ou pai, filhos ou campos por amor de mim e do Evangelho, não receba já nesta vida cem vezes mais em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, no meio de perseguições; e, no século futuro, a vida eterna…

“Vê lá se encontras na terra quem pague com tanta generosidade!”11 Jesus não fica atrás. Nem um copo de água fresca dado em atenção a Cristo ficará sem recompensa 12.

Sejamos sinceros e perguntemo-nos: posso afirmar diante de Deus que deixei tudo?

Se for assim, Jesus não deixará de nos confirmar no caminho a que nos chamou. Quem leva em conta até a mais pequena das ações, como há de esquecer a fidelidade de um dia após outro por puro amor? Quem multiplicou pães e peixes para uma multidão que o seguia por uns dias, que não fará por aqueles que deixaram tudo para segui-lo sempre? “Se prepara uma festa para o filho que o traiu, só por tê-lo

recuperado, o que não nos outorgará a nós, se sempre procuramos ficar a seu lado?” 13

As palavras de Cristo deram segurança àqueles que o acompanhavam naquele dia a caminho de Jerusalém, bem como a todos os que, ao longo dos séculos, tendo deixado tudo para segui-lo, buscam no seu ensinamento a firmeza da fé e da entrega. A promessa de Cristo ultrapassa de longe toda a felicidade que o mundo pode dar. Ele nos quer felizes também aqui na terra: os que o seguem com generosidade obtêm já nesta vida uma alegria e uma paz que superam amplamente as alegrias e os consolos humanos. E a essa alegria e paz soma-se a bem-aventurança eterna. “São duas horas de vida, e o prêmio é grandíssimo; e ainda que não houvesse nenhum, a não ser cumprir o que o Senhor nos aconselhou, é grande paga podermos imitar Sua Majestade em alguma coisa” 14.

– Sempre vale a pena seguir a Cristo. O cento por um aqui na terra e a vida eterna junto de Deus no Céu.

“VÓS ASSEGURAIS, Senhor, aos homens e aos animais a saúde, em proporção com a imensa extensão da vossa misericordiosa bondade, diz o salmista (SI 35, 7). Se Deus concede a todos, bons e maus, homens e animais, um dom tão precioso, meus irmãos, o que não reservará àqueles que lhe são fiéis?” 15

Vale a pena que nos empenhemos em seguir o Senhor, em ser-lhe fiéis a todo o momento, em ser generosos sem medida. Ele nos diz através de São João Crisóstomo: “O ouro que pensas emprestar, dá-me a mim e eu te pagarei com mais juros e com mais garantias. O corpo que pensas alistar no exército de outro, alista-o no meu, porque eu supero a todos no pagamento e na retribuição […]. O seu amor é grande. Se desejas emprestar-lhe, Ele está disposto a receber. Se queres semear, Ele te vende a semente; se queres construir, Ele te diz: edifica nos meus terrenos. Por que corres atrás das coisas dos homens, que são pobres mendigos e nada podem? Corre atrás de Deus, que, em troca de coisas Pequenas, te dá outras grandes” 16.

Não devemos esquecer que, às recompensas, o Senhor acrescenta as perseguições, porque estas também são um Prêmio para os discípulos de Cristo; a glória do cristão é assemelhar-se ao seu Mestre, tomando parte na sua Cruz para participar com Ele da sua glória 17. Se essas perseguições nos atingem nalguma das suas diversas formas (injustiças, calúnias, manobras baixas na vida profissional, zombadas… Devemos entender que podemos convertê-las num bem, nu. ma parte do prêmio, pois o Senhor permite que participemos da sua Cruz e nos unamos mais a Ele.

Quem é fiel a Cristo tem a promessa do Céu para sempre. Ouvirá a voz do Senhor, a quem procurou servir aqui na terra, que lhe diz: Vem, bem-amado de meu Pai, ao Céu que te preparei desde a criação do mundo 18. Ouvir estas palavras de boas-vindas no limiar da eternidade já compensa’ tudo aquilo que tivermos deixado de lado para seguir melhor a Cristo, ou o pouco que tivermos padecido por Ele. Entra-se na eternidade levado por Jesus.

E mesmo que alguma vez, embora sigamos a Cristo por amor, tudo nos pareça custar um pouco mais, far-nos-á muito bem repetir alguma jaculatória que nos ajude a pensar no prêmio: Vale a pena! Vale a pena! Vale a pena! A esperança fortalece-se e o caminhar torna-se seguro.

Não sentiremos falta de nada se tivermos Jesus Cristo. Conta-se da vida de São Tomás de Aquino que um dia o Senhor lhe disse: “Escreveste bem sobre mim, Tomás. Que recompensa desejas?” O Santo respondeu: “Nada senão Vós mesmo, Senhor”. Nós também não queremos outra coisa.

Pedimos agora a Santa Maria que nos obtenha disposições firmes de desprendimento e generosidade, para que, tal como Ela, propaguemos à nossa volta um clima alegre de amor à pobreza cristã.

(1) Mc 10, 28-31; (2) Mt 19, 27; (3) Santo Agostinho, Sermão 301 A* 5; (4) Fil 3, 8; (5) Catecismo Romano, IV, 11, n. 15; (6) Santo Agostinho, op. cit., 4; (7) Paulo VI, Ene. Populorum progressio, 26-111-67; (8) Jose-maría Escrivá, Sulco, n. 82; (9) 2 Cor 6, 10; (10) 1 Cor 3, 22-23; (11) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 670; (12) cfr. Mt 10, 42; (13) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 309; (14) Santa Teresa, Caminho de perfeição, 2, 7; (15) Santo Agostinho, Sermão 225; (16) São João Crisóstomo, Homílias sobre São Mateus, 16, 4; (17) Rom 8, 17; (18) cfr. Mt 25,  34.

Fonte: livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal.