TEMPO COMUM. VIGÉSIMA QUARTA SEMANA. SEGUNDA‑FEIRA

– A humildade, primeira condição para crer.
– O crescimento da fé.
– Humildade para perseverar na fé.

I. É POSSÍVEL que a cena narrada no Evangelho da Missa de hoje1 tenha acontecido ao cair da tarde, quando Jesus, tendo acabado de instruir o povo, entrou na cidade de Cafarnaum. Nesse momento, chegaram uns anciãos dos judeus que, aproximando‑se do Senhor, intercederam por um centurião cujo servo, que ele amava muito, estava à morte.

Este gentio surge aos nossos olhos como uma alma de grandes virtudes. É um homem que sabe mandar, pois diz a um soldado vai, e ele vai; e a outro: vem, e ele vem. E ao mesmo tempo tem um grande coração, sabe querer aos que o rodeiam, como é o caso desse servo doente, por quem faz tudo o que pode para que se cure. É um homem generoso, que tinha construído a sinagoga da cidade: faz‑se respeitar e querer, pois, como escreve São Lucas, os judeus que recorreram a Jesus insistiram dizendo‑lhe: Ele merece que lhe faças esta graça, porque é amigo da nossa nação.

Depois de ter recebido essas recomendações, Jesus pôs‑se a caminho. E quando já estava perto da casa, o centurião enviou uma nova embaixada ao Mestre para dizer‑lhe: Senhor, não te incomodes, porque eu não sou digno de que entres em minha casa. Foi por isso que nem eu mesmo me achei digno de ir ter contigo; mas dize uma só palavra e o meu servo será curado.

Esta fé cheia de humildade conquistou o coração de Jesus, de tal maneira que o Senhor ficou admirado; e, voltando‑se para a multidão que o seguia, disse. Em verdade vos digo que não encontrei tamanha fé em Israel.

A humildade é a primeira condição para crer; é o caminho amplo pelo qual se chega à fé e se colabora para aumentá‑la: abre‑nos a via de acesso a Jesus. Santo Agostinho, ao comentar esta passagem do Evangelho, diz que a humildade foi a porta por onde Jesus entrou para tomar posse daquilo que já possuía2.

Peçamos hoje ao Senhor uma sincera humildade que nos aproxime dEle, que aumente e fortaleça a nossa fé e que nos disponha a fazer em tudo a sua santíssima Vontade. “Confiaste‑me que, na tua oração, abrias o coração com as seguintes palavras: «Considero, Senhor, as minhas misérias, que parecem aumentar apesar das tuas graças, sem dúvida pela minha falta de correspondência. Reconheço a ausência em mim da menor preparação para o empreendimento que pedes. E quando leio nos jornais que tantos e tantos homens de prestígio, de talento e de dinheiro falam e escrevem e organizam para defender o teu reinado… olho para mim e vejo‑me tão ignorante e tão pobre, numa palavra, tão pequeno… que me encheria de confusão e de vergonha se não soubesse que Tu me queres assim. Ó Jesus! Por outro lado, sabes bem que coloquei a teus pés, com a maior das boas vontades, a minha ambição… Fé e Amor: Amar, Crer, Sofrer. Nisto, sim, quero ser rico e sábio, mas não mais sábio nem mais rico do que aquilo que Tu, na tua Misericórdia sem limites, tenhas determinado: porque devo pôr todo o meu prestígio e honra em cumprir fielmente a tua justíssima e amabilíssima Vontade»”3.

II. EM VERDADE VOS DIGO que não encontrei tamanha fé em Israel. Que elogio imenso! Com que alegria não teria o Senhor pronunciado essas palavras! Meditemos hoje como é a nossa fé e peçamos a Jesus que nos conceda a graça de crescer nela dia a dia.

Santo Agostinho ensinava que ter fé é “credere Deo, credere Deum, credere in Deum4, numa forma clássica entre os teólogos. Quer dizer: dar crédito a Deus, isto é, aceitar a sua autoridade que vem ao nosso encontro e se dá a conhecer; crer em todas as verdades que Deus nos comunica nesse encontro pessoal; e, por último, crer em Deus, amando‑o, confiar nEle sem medida. Progredir na fé é crescer nestas facetas.

O primeiro aspecto exige que tenhamos uma séria preocupação por melhorar a nossa formação doutrinal, por crescer no conhecimento de Deus. Um meio muito acessível de consegui-lo é sermos fiéis à prática da leitura espiritual – dez a quinze minutos por dia –, que nos permitirá adquirir ao longo dos anos todas as noções fundamentais de que necessitamos para assentar em bases firmes a nossa fé e a nossa piedade. Essa leitura deve abranger sucessiva ou alternadamente obras seguras sobre a espiritualidade cristã, teologia para leigos e documentos do Magistério pontifício relativos aos mistérios da fé e aos princípios morais.

O segundo aspecto implica crescer na relação pessoal com o Senhor, nosso Criador e Redentor, procurar diariamente o colóquio com Ele na oração, a plena união na Sagrada Eucaristia e depois a sua presença em tantas ocasiões no meio do trabalho, nas dificuldades e nas alegrias… É vê‑lo sempre muito perto da nossa vida diária5.

O terceiro aspecto é o coroamento e a fruição dos outros dois: é o amor que toda a fé verdadeira traz consigo. “Senhor, creio em ti e amo‑te, falo‑te, mas não como a um estranho, porque, ao relacionar‑me contigo, vou‑te conhecendo e é impossível que te conheça e não te ame; mas se eu te amo, vejo claramente que devo lutar por viver, dia após dia, de acordo com a tua palavra, a tua vontade e a tua verdade”6.

III. E, VOLTANDO PARA CASA, os que tinham sido enviados encontraram o servo curado. Todos os milagres que Jesus fez procediam de um Coração cheio de amor e de misericórdia; nunca realizou um prodígio que ferisse alguém. Também não realizou nenhum milagre em proveito próprio. Vemo‑lo passar fome e não converter as pedras em pão, ter sede e pedir de beber a uma mulher samaritana, junto do poço de Jacó7. E quando Herodes lhe exige um prodígio, permanece em silêncio, muito embora soubesse que aquele homem podia libertá‑lo…

O fim dos milagres que o Senhor realizou foi o bem daqueles que se aproximavam dEle: para que creiam que Tu me enviaste8. As suas obras de misericórdia corporais transformaram‑se num bem muito maior para a alma. Por isso, naquela tarde, quando o centurião pôde ver curado o seu servo, o milagre uniu‑o mais a Jesus. Não nos custa admitir que, depois do Pentecostes, tenha sido um dos primeiros gentios a receber o Batismo, e que terá sido fiel ao Mestre até o fim dos seus dias.

A fé verdadeira leva‑nos à união com Jesus Cristo Redentor, com o seu poder sobre todas as criaturas, e confere‑nos uma segurança e uma firmeza que nos colocam ao abrigo de todas as circunstâncias humanas, de qualquer acontecimento que possa sobrevir. Mas, para termos essa fé, necessitamos também da humildade do centurião: sabermo‑nos nada diante de Jesus; não desconfiarmos nunca do seu auxílio, por mais que demore em chegar ou chegue de uma maneira diferente da que esperávamos.

Santo Agostinho afirmava que todos os dons de Deus podiam reduzir‑se a este: “receber a fé e perseverar nela até o último instante da vida”9. A humildade de saber que podemos trair a fé recebida, que somos capazes de separar‑nos do Mestre, ajudar‑nos‑á a não abandonar nunca o trato habitual com Ele, bem como esses meios de formação que nos ensinam a conhecer melhor a Deus e nos proporcionam os argumentos de que precisamos para dá‑lo a conhecer. O verdadeiro obstáculo para perseverar na fé é a soberba. Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes10. Por isso temos de pedir a humildade com muita freqüência.

Em Nossa Senhora encontramos essa união profunda entre a fé e a humildade. Santa Isabel, impelida pelo Espírito Santo, cumprimenta‑a com estas palavras: Bem‑aventurada és tu que creste… E o Espírito Santo coloca na boca da Virgem Mãe uma resposta que é um cântico de humildade: – Uma imensa felicidade embarga a minha alma, e todas as gerações me chamarão bem‑aventurada… Mas a razão última não é nada meu: Deus pôs os olhos na humildade da sua serva, abriu o meu coração e cumulou‑o de graças…11

Recorremos a Nossa Senhora para que nos ensine a crescer nesta virtude em que a fé assenta os seus alicerces firmes. “A Escrava do Senhor é hoje a Rainha do Universo. Quem se humilha será exaltado (Mt 23, 12). Saibamos colocar‑nos ao serviço de Deus sem condições e seremos elevados a uma altura inacreditável; participaremos da vida íntima de Deus, seremos como deuses!, mas pelo caminho regulamentar: o da humildade e docilidade ao querer do nosso Deus e Senhor”12.

(1) Lc 7, 1‑10; (2) cfr. Santo Agostinho, Sermão 46, 12; (3) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, Quadrante, São Paulo, 1987, n. 822; (4) Santo Agostinho, Sermão 144, 2; (5) cfr. Pedro Rodríguez, Fe y vida de fe, EUNSA, Pamplona, 1974, págs. 124‑125; (6) ibid., pág. 125; (7) cfr. Jo 4, 7; (8) Jo 11, 42; (9) Santo Agostinho, Sobre o dom da perseverança, 17, 47; 50, 641; (10) Ti 4, 6; (11) cfr. Lc 1, 45 e segs.; (12) Antonio Orozco Delclos, Olhar para Maria, Quadrante, São Paulo, 1992.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal