TEMPO COMUM. PRIMEIRA SEMANA. SÁBADO

– Um cristão não pode estar fechado em si mesmo. Jesus Cristo, modelo de convivência.
– A virtude humana da afabilidade.
– Outras virtudes necessárias para o convívio diário: gratidão, cordialidade, amizade, alegria, otimismo, respeito mútuo…

I. DEPOIS DE ACEITAR a chamada do Senhor, Mateus deu um banquete a que assistiram Jesus, os seus discípulos e muitos outros. Entre estes, havia muitos publicanos e pecadores, todos amigos de Mateus. Os fariseus surpreenderam-se ao verem Jesus sentar-se para comer com esse tipo de pessoas, e por isso disseram aos seus discípulos: Por que come ele com publicanos e gente de má vida?1

Mas Jesus encontra-se à vontade entre pessoas tão diferentes dEle. Sente-se bem com todos porque veio salvar a todos. Não têm necessidade de médico os sãos, mas os enfermos. Jesus dá-se bem com os tipos humanos e caracteres mais variados: com um ladrão convicto, com as crianças cheias de inocência e simplicidade, com homens cultos e sérios como Nicodemos e José de Arimatéia, com mendigos, com leprosos… Esse interesse revela-nos as suas ânsias salvadoras, que se estendem a todas as criaturas de qualquer classe e condição.

O Senhor teve amigos como os de Betânia, onde é convidado ou se faz convidar em diversas ocasiões; Lázaro é o nosso amigo2. Tem amigos em Jerusalém, os quais lhe emprestam uma sala para celebrar a Páscoa com os seus discípulos; e conhece tão bem aquele que lhe emprestará um burrinho para a sua entrada solene em Jerusalém, que os discípulos poderão desatá-lo e trazê-lo sem pedir licença a ninguém3.

Jesus revelou também um grande apreço pela família, que é o lugar por antonomásia onde se devem praticar as virtudes da convivência e onde se dá o primeiro e o principal relacionamento social. É o que nos mostram os seus anos de vida oculta em Nazaré, o que o Evangelista ressalta sublinhando – ao invés de muitos outros pequenos fatos que poderia ter-nos deixado – que Jesus menino estava sujeito aos seus pais4. A fim de ilustrar o amor de Deus Pai para com os homens, o Senhor serve-se da imagem de um pai que não dá uma pedra ao filho se este lhe pede um pão, ou uma serpente se lhe pede um peixe5. Ressuscita o filho da viúva de Naim porque se compadece da sua solidão e da sua pena, pois era o único filho daquela mulher6. E Ele próprio, no meio dos sofrimentos da cruz, cuida da sua Mãe confiando-a a João7.

Jesus é um exemplo vivo para nós porque devemos aprender a conviver com todos, independentemente dos seus defeitos, idéias e modos de ser. Devemos aprender dEle a ser pessoas abertas, com capacidade de cultivar muitas amizades, dispostos a compreender e a desculpar. Um cristão, se segue de verdade os passos de Cristo, não pode estar fechado em si mesmo, despreocupado e indiferente ao que acontece à sua volta.

II. BOA PARTE da nossa vida está composta de pequenos encontros com pessoas que vemos no elevador, na fila do ônibus, na sala de espera do médico, no meio do trânsito da cidade grande ou na única farmácia da cidadezinha onde vivemos… E ainda que sejam momentos esporádicos e fugazes, são muitos por dia e incontáveis ao longo de uma vida. Para um cristão, são importantes, porque são ocasiões que Deus lhe dá para rezar por essas pessoas e mostrar-lhes o seu apreço, tal como deve suceder entre os que são filhos de um mesmo Pai. Fazemos isto normalmente através desses pormenores de educação e de cortesia que temos habitualmente com qualquer pessoa, e que se transformam facilmente em veículos da virtude sobrenatural da caridade. São pessoas muito diferentes, mas todas esperam alguma coisa do cristão: aquilo que Cristo teria feito se estivesse no nosso lugar.

Também nos relacionamos com pessoas dos mais diversos modos de ser e de comportar-se na própria família, no trabalho, entre os vizinhos…; são pessoas com temperamentos e caracteres muito diferentes dos nossos. É preciso que saibamos conviver harmonicamente com todos. São Tomás indica a importância de uma virtude particular que regula “as relações dos homens com os seus semelhantes, tanto nas obras como nas palavras”, e que reúne em si muitas outras: é a afabilidade8, que nos inclina a tornar a vida mais grata àqueles que vemos todos os dias.

É uma virtude que deve formar como que a trama da convivência. Talvez não seja uma virtude chamativa, mas, quando não está presente, nota-se muito a sua falta, pois torna tensas e ásperas as relações entre os homens, e leva freqüentemente a faltar à caridade. Opõe-se pela sua própria natureza ao egoísmo, ao gesto ofensivo, ao mau humor, à falta de educação, ao desinteresse pelos gostos e preocupações dos outros. “Destas virtudes – escrevia São Francisco de Sales – deve-se ter uma grande provisão e bem à mão, porque devem ser usadas quase continuamente”9.

O cristão saberá converter os inúmeros detalhes da virtude humana da afabilidade em outros tantos atos da virtude da caridade, vivendo-os também por amor a Deus. A caridade torna a afabilidade mais forte, mais rica em conteúdo e de horizontes muito mais elevados. Uma e outra devem ser praticadas também quando se faz necessário tomar uma atitude firme: “Tens que aprender a dissentir dos outros – quando for preciso – com caridade, sem te tornares antipático”10.

Mediante a fé e a caridade, o cristão sabe ver nos seus irmãos, os homens, filhos de Deus, que sempre merecem o maior respeito e as melhores provas de consideração e de delicadeza11. Como não há de estar atento às mil oportunidades que qualquer dos seus dias lhe oferece?

III. SÃO MUITAS AS VIRTUDES que facilitam e tornam possível a convivência.

A benignidade e a indulgência levam-nos a julgar as pessoas e as suas atuações de forma favorável, sem nos determos excessivamente nos seus defeitos e erros.

gratidão é essa evocação afetuosa de um benefício recebido, com o desejo de retribuí-lo de alguma forma, quanto mais não seja com um obrigado ou coisa parecida. Custa muito pouco sermos agradecidos, e o bem que fazemos é enorme. Se estivermos atentos aos que estão à nossa volta, notaremos como é grande o número de pessoas que nos prestam constantes favores.

cordialidade e a amizade facilitam muito a convivência diária. Como seria formidável que pudéssemos chamar amigos àqueles com quem trabalhamos ou estudamos, àqueles com quem convivemos ou com quem nos relacionamos! Amigos, e não apenas colegas ou companheiros. Isso seria sinal de que vamos desenvolvendo muitas virtudes humanas que fomentam e tornam possível a abertura aos outros: o ânimo desinteressado, a compreensão, o espírito de colaboração, o otimismo, a lealdade. Amizade particularmente profunda é a que deve existir no seio da própria família: entre irmãos, com os filhos, com os pais.

No convívio diário, a alegria, manifestada num sorriso oportuno ou num pequeno gesto amável, abre as portas de muitas almas que estavam a ponto de fechar-se ao diálogo ou à compreensão. A alegria anima e ajuda a superar as inúmeras contrariedades que a vida nos traz. Uma pessoa que se deixe dominar habitualmente pela tristeza e pelo pessimismo, que não lute por sair desse estado rapidamente, será sempre um lastro, um pequeno câncer para os que convivem com ela.

É virtude da convivência respeito mútuo, que nos leva a olhar os outros como imagens irrepetíveis de Deus. No relacionamento pessoal com o Senhor, o cristão aprende a “venerar […] a imagem de Deus que há em cada homem”12, mesmo naqueles que por alguma razão nos parecem pouco amáveis, antipáticos ou insossos. O respeito é condição para contribuir para a melhora dos outros, porque, quando se esmagam os outros, o conselho, a correção ou a advertência tornam-se ineficazes.

O exemplo de Cristo inclina-nos a viver amavelmente abertos aos outros;compreendê-los, a olhá-los com uma simpatia prévia e sempre crescente, que nos leva a aceitar com otimismo o entrançado de virtudes e defeitos que existe na vida de qualquer homem. É um olhar que chega às profundezas do coração e sabe encontrar a parte de bondade que há em todos.

Muito próxima da compreensão está a capacidade de desculpar prontamente. Viveríamos mal a nossa vida cristã se ao menor choque se esfriasse a nossa caridade e nos sentíssemos distantes das pessoas da família ou daqueles com quem trabalhamos.

Hoje, sábado, podemos concluir a nossa oração formulando o propósito de viver com esmero, em honra de Santa Maria, os detalhes de caridade fina com o próximo.

(1) Mc 2, 13-17; (2) Jo 11, 11; (3) cfr. Mc 11, 3; (4) cfr. Lc 2, 51; (5) cfr. Mt 9, 7; (6) cfr. Lc 7, 11; (7) cfr. Jo 19, 26-27; (8) São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 114, a. 1; (9) São Francisco de Sales, Introdução à vida devota, III, 1; (10) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 429; (11) cfr. F. Fernández Carvajal, Antología de textos, 9ª ed., Palabra, Madrid, 1987, verbete “Afabilidade”; (12) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 230.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal