TEMPO COMUM. PRIMEIRA SEMANA. SEXTA-FEIRA

– A cura do paralítico de Cafarnaum. Fé operativa, sem respeitos humanos. Otimismo.
– A prudência e a “falsa prudência”.
– Outras virtudes. Devemos ser bons instrumentos da graça.

I. O EVANGELHO DA MISSA1 apresenta-nos Jesus que ensina a multidão vinda de muitas aldeias da Galiléia e da Judéia; juntaram-se tantos que nem mesmo diante da porta cabiam. Mesmo assim, aproximaram-se quatro homens, trazendo-lhe um paralítico.

Apesar dos esforços denodados que desenvolvem, essas pessoas não conseguem chegar até Jesus, mas não renunciam ao seu propósito de aproximar-se do Mestre com o amigo que traziam deitado num catre. Quando outros já haviam desistido pelas dificuldades que lhes impediam a passagem, eles subiram ao telhado, descobriram as telhas por cima do lugar onde o Senhor se encontrava e, depois de fazerem uma abertura, desceram o catre com o paralítico. Jesus ficou admirado com a fé e a audácia daqueles homens e realizou um grande milagre: o perdão dos pecados do doente e a cura da sua paralisia.

Comentando esta passagem, Santo Ambrósio exclama: “Como é grande o Senhor, que pelos méritos de alguns perdoa outros!”2 Os amigos que levam até o Senhor o enfermo incapacitado são um exemplo vivo de ação apostólica. Nós, cristãos, somos instrumentos do Senhor para que Ele realize verdadeiros milagres naqueles dos nossos amigos que, por tantos motivos, se encontram como que incapacitados para chegarem por si próprios até Cristo que os espera.

A tarefa apostólica deve estar dominada pela ânsia de ajudar os homens a encontrarem Jesus. Para isso é necessário, entre outras coisas, um conjunto de virtudes sobrenaturais, como as que vemos na atuação desses amigos do paralítico de Cafarnaum. São homens que têm uma grande fé no Mestre, a quem provavelmente já conheciam de outras ocasiões; talvez tivesse sido o próprio Jesus quem lhes sugerira que o levassem até Ele. E têm uma fé com obras, pois empregam os meios ordinários e extraordinários que o caso exige. São homens cheios de esperança e de otimismo, convencidos de que a única coisa de que o amigo realmente necessita é de ser levado a Jesus Cristo.

A narração do Evangelho deixa-nos entrever também nesses homens muitas virtudes humanas, igualmente necessárias em toda a ação apostólica. Antes de mais nada, são homens para quem os respeitos humanos não existem; pouco lhes importa o que os outros venham a pensar da sua atuação, que podia ser facilmente tida por exagerada, inoportuna ou ao menos diferente da dos outros que tinham ido ouvir o Mestre. Só lhes importava uma coisa: chegar até Jesus com o amigo, custasse o que custasse.

Ora, isto só é possível quando se tem uma grande retidão de intenção, quando a única coisa que realmente importa é o juízo de Deus, e nada ou muito pouco o juízo dos homens. Nós também atuamos assim? Não haverá ocasiões em que nos preocupe mais o que as pessoas possam pensar ou dizer do que o juízo de Deus? Não teremos receio de nos distinguirmos dos outros, quando Deus e os que vêem as nossas ações esperam justamente que nos distingamos fazendo aquilo que devemos fazer? Sabemos manter em público, sempre que necessário, a nossa fé e o nosso amor a Jesus Cristo?

II. OS QUATRO AMIGOS do paralítico viveram na cena que meditamos a virtude da prudência, que leva a procurar o melhor caminho para atingir um fim. Deixaram de lado a “falsa prudência”, que é chamada por São Paulo prudência da carne3, e que facilmente se identifica com a covardia, inclinando a procurar apenas o que é útil para o bem corporal, como se esse fosse o único fim da vida.

A “falsa prudência” é um disfarce da hipocrisia, da astúcia, do cálculo interesseiro e egoísta, que visa principalmente os interesses materiais. Na realidade, não é senão medo, temor, covardia, soberba, preguiça…. Se aqueles homens se tivessem deixado levar pela prudência da carne, o paralítico não teria chegado à presença de Jesus, e eles não se teriam deixado contagiar pela imensa alegria que viram brilhar no olhar do Mestre, quando lhes curou o amigo. Teriam ficado à entrada da casa abarrotada de gente, e dali nem sequer teriam ouvido Jesus.

Viveram, pois, plenamente a virtude da prudência, que é a que nos diz em cada caso o que se deve fazer ou deixar de fazer, quais os meios que conduzem ao fim que pretendemos, quando e como devemos atuar. Os amigos do paralítico conheciam bem o seu fim – chegar até o Senhor –, e lançaram mão dos meios adequados para realizá-lo: subiram ao telhado da casa, fizeram nele uma abertura e por ela desceram o paralítico no seu catre até que estivesse diante de Jesus. Não se importaram com as palavras falsamente “prudentes” dos que porventura os aconselhavam a esperar por uma ocasião mais propícia.

Estes homens de Cafarnaum foram, além disso, verdadeiros amigos daquele que não podia chegar até o Mestre por si próprio, pois “é próprio do amigo fazer bem aos amigos, principalmente aos que se encontram mais necessitados”4, e não existe maior necessidade que a necessidade de Deus. A primeira manifestação de apreço pelos nossos amigos é aproximá-los cada vez mais de Cristo, fonte de todo o bem. Não podemos contentar-nos com que não façam mal a ninguém ou não tenham um comportamento desregrado, mas devemos conseguir que, como nós, aspirem à santidade a que todos fomos chamados e para a qual Deus nos dá as graças necessárias. Não podemos fazer-lhes maior favor que o de ajudá-los no seu caminho para Deus. Não encontraremos nenhum bem maior para lhes dar.

A amizade foi desde os começos do cristianismo o caminho pelo qual muitos encontraram a fé em Jesus Cristo e a vocação para uma entrega mais plena. É um caminho natural e simples, que elimina muitos obstáculos e dificuldades. O Senhor serve-se com freqüência deste meio para se dar a conhecer. Os primeiros discípulos foram comunicar a Boa Nova àqueles que amavam, antes que a qualquer outro. André trouxe Pedro, seu irmão; Filipe trouxe o seu amigo Natanael; João certamente encaminhou para Jesus o seu irmão Tiago5. E nós, fazemos assim? Desejamos comunicar quanto antes, àqueles por quem temos mais apreço, o maior bem que podíamos ter achado?

III. PARA SER BOM INSTRUMENTO do Senhor na tarefa de recristianização do mundo, o cristão deve praticar muitas outras virtudes humanas na sua tarefa apostólica: fortaleza perante os obstáculos que se apresentam, de um modo ou de outro, em toda a ação apostólica; constância e paciência, porque as almas, tal como as sementes, às vezes demoram a dar o seu fruto, e porque não se pode conseguir em alguns dias o que talvez Deus tenha previsto que se realize em meses ou anos; audácia para iniciar uma conversa sobre temas profundos, que não surgem se não são provocados oportunamente, e também para propor metas mais altas, que os nossos amigos não vislumbram por si próprios; veracidade e autenticidade, sem as quais é impossível que haja uma verdadeira amizade…

O nosso mundo está necessitado de homens e mulheres de uma só peça, exemplares nas suas tarefas, sem complexos, serenos, profundamente humanos, firmes, compreensivos e intransigentes na doutrina de Cristo, afáveis, leais, alegres, otimistas, generosos, simples, valentes…, para que assim sejam bons colaboradores da graça, pois “o Espírito Santo serve-se do homem como de um instrumento”6, e então as suas obras ganham uma eficácia divina, tal como a ferramenta que por si própria não seria capaz de produzir nada, mas nas mãos de um bom profissional pode chegar a produzir obras-primas.

Que alegria a daqueles homens quando voltaram com o amigo são de corpo e de alma! O encontro com Cristo fortaleceu ainda mais a amizade entre eles, tal como acontece em todo o verdadeiro apostolado. Lembremo-nos de que não existe doença alguma que Cristo não possa curar, para que não consideremos irrecuperável nenhuma das pessoas com quem nos relacionamos habitualmente. Apoiados na graça, podemos e devemos levá-las ao Senhor. E o que nos impulsionará a uma fé operativa, sem respeitos humanos, será um grande amor a Cristo. Hoje, quando nos encontrarmos diante do Sacrário, não deixemos de falar ao Mestre desses amigos que desejamos levar-lhe para que Ele os cure.

(1) Mc 2, 1-12; (2) Santo Ambrósio, Tratado sobre o Evangelho de São Lucas; (3) cfr. Rom 8, 6-8; (4) São Tomás, Ética a Nicômaco, 9, 13; (5) cfr. Jo 1, 41 e segs.; (6) São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 177, a. 1.

Fonte: Livro “Falar com Deus”, de Francisco Fernández Carvajal