Tempo Comum, trigésima quarta semana. Sábado

– O desejo de alcançar o Céu.

E MOSTROU-ME UM RIO de água viva, claro como cristal, que saía do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da praça e de um lado e do outro do rio, estava a árvore da vida, que dava doze frutos, cada um no seu mês […]. Nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus servos o servirão. E verão a sua face; e trarão o seu nome gravado sobre as suas frontes1. A Sagrada Escritura acaba onde começou: no Paraíso. E as leituras deste último dia do ano litúrgico indicam-nos o fim do nosso caminhar aqui na terra: a Casa do Pai, nossa morada definitiva.

Mediante símbolos, o Apocalipse revela-nos a realidade da vida eterna, na qual serão satisfeitos os anelos do homem: a visão de Deus e a felicidade sem fim. São João descreve-nos nesta Leitura o que hão de encontrar aqueles que foram fiéis nesta vida: a água é o símbolo do Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho e é representado por um rio que brota do trono de Deus e do Cordeiro. O nome de Deus na fronte dos eleitos significa que eles pertencem a Deus2. No Céu já não haverá noite: não haverá necessidade de luz da lâmpada, nem de luz do sol, porque o Senhor Deus os alumiará, e eles reinarão pelos séculos dos séculos3.

A morte dos filhos de Deus será somente um passo prévio, a condição indispensável para se reunirem com seu Pai-Deus e permanecerem com Ele por toda a eternidade. Junto dEle, já não haverá noite. À medida que formos crescendo no sentido da filiação divina, perderemos o medo à morte, porque iremos sentindo cada vez mais intensamente o desejo de encontrar-nos com o nosso Pai, que nos espera. Esta vida é somente um caminho para Ele; “por isso, é necessário viver e trabalhar no tempo abrigando no coração a nostalgia do Céu”4.

Muitos homens, no entanto, não têm no coração esta “nostalgia do Céu”, porque se consideram satisfeitos com a sua prosperidade e conforto material e sentem-se como se estivessem em casa própria e definitiva, esquecendo que não temos aqui morada permanente5 e que o nosso coração foi feito para os bens eternos. Encolheram o coração e encheram-no de coisas de pouco valor, que terão que deixar em breve.

Nós, os cristãos, amamos a vida e tudo o que nela encontramos de nobre: amizade, trabalho, alegria, amor humano. Não podemos, pois, surpreender-nos se, no momento em que tivermos que deixar este mundo, viermos a experimentar um certo temor e desassossego, pois o corpo e a alma foram criados por Deus para estarem unidos e a única experiência que temos é a deste mundo. No entanto, a fé dar-nos-á o consolo inefável de saber que a vida não é tirada, mas transformada; e, desfeito o nosso corpo terreno, é-nos dada no céu uma morada eterna6. Espera-nos a Vida.

Os filhos de Deus ficarão maravilhados ao verem na glória todas as perfeições de seu Pai, das quais tiveram apenas uma antecipação na terra. E sentir-se-ão plenamente em casa, na sua morada definitiva, no seio da Santíssima Trindade7.

Por isso, podemos exclamar: “Mas se nós não morremos! Mudamos de casa e nada mais. Com a fé e o amor, nós os cristãos temos esta esperança; uma esperança certa. A morte não é mais do que um até logo. Deveríamos morrer despedindo-nos assim: até logo!”8

– A “divinização” da alma, das suas potências e do corpo glorioso.

OS SANTOS do Deus altíssimo receberão o reino e entrarão na sua posse por todos os séculos dos séculos9.

No Céu, tudo nos há de parecer inteiramente jovem e novo, de uma novidade tão impressionante que o antigo universo terá desaparecido como um livro que se enrola10. No entanto, não sentiremos estranheza. O Céu será a morada que mesmo o coração mais depravado sempre desejou no âmago do seu ser. Será a nova comunidade dos filhos de Deus, que terão alcançado por fim a plenitude da sua adoção. Estaremos com novos corações e vontades novas, com os nossos corpos transfigurados depois da ressurreição.

E esta felicidade em Deus não excluirá as relações pessoais genuínas. “No Céu há lugar para todos os amores humanos verdadeiros, autenticamente pessoais: o amor dos esposos, o amor entre pais e filhos, a amizade, o parentesco, a nobre camaradagem… Vamos todos caminhando pela vida e, à medida que os anos passam, são cada vez mais numerosos os seres queridos que nos esperam do outro lado da barreira da morte. Esta converte-se numa realidade menos temerosa, até alegre, quando vamos sendo capazes de perceber que é a porta do nosso verdadeiro lar, onde nos esperam aqueles que nos precederam marcados com o sinal da fé. O nosso lar comum não é um túmulo frio; é o seio de Deus”11.

Custa-nos imaginar o que será a nossa vida no Céu, em companhia do nosso Pai-Deus, porque nesta vida os pontos de referência que podemos achar são de uma pobreza desoladora. O Antigo Testamento descreve a vida no Céu evocando a terra prometida, onde não haverá sede e cansaço, mas superabundância de bens. Não padecerão fome, nem terão sede, e não os afligirão o calor nem o sol, porque Aquele que tem compaixão deles os governará e os levará às fontes das águas12. Jesus, em quem a Revelação chega à plenitude, insiste repetidas vezes nesta felicidade perfeita e interminável. A sua mensagem é de alegria e de esperança neste mundo e naquele que está por vir.

A alma e as suas potências, bem como o corpo depois da ressurreição, ficarão como que divinizados, sem que isso suprima a diferença infinita entre a criatura e o seu Criador.

Além de contemplarem a Deus tal como é em si mesmo, os bem-aventurados conhecem em Deus, de modo perfeitíssimo, as criaturas especialmente relacionadas com eles, e deste conhecimento obtêm também uma alegria imensa. São Tomás afirma que os bem-aventurados conhecem em Cristo tudo o que diz respeito à beleza e à integridade do mundo enquanto parte do universo. Por serem membros da comunidade humana, conhecem também tudo o que foi objeto do seu carinho ou interesse na terra. E, como criaturas elevadas à ordem da graça, têm um conhecimento claro das verdades da fé relativas à salvação: a encarnação do Senhor, a maternidade divina de Maria, a Igreja, a graça e os sacramentos13.

“Pensa como é grato a Deus Nosso Senhor o incenso que se queima em sua honra; pensa também quão pouco valem as coisas da terra que, mal começam, já acabam…

Pelo contrário, um grande Amor te espera no Céu: sem traições, sem enganos: todo o amor, toda a beleza, toda a grandeza, toda a ciência…! E sem enjoar: saciar-te-á sem saciar”14.

– A glória acidental.

NO CÉU, veremos a Deus e nEle teremos uma felicidade infinita, conforme a santidade e os méritos adquiridos nesta terra. Mas a misericórdia de Deus é tão grande, é tanta a sua generosidade, que quis que os seus eleitos encontrassem também no Céu um novo motivo de felicidade nos legítimos bens criados a que o homem aspira; é o que os teólogos chamam glória acidental.

Incluem-se nesta bem-aventurança a companhia de Jesus Cristo, a quem veremos glorioso e que reconheceremos depois de tantos momentos de conversa com Ele na nossa oração, depois de tantas Comunhões…, a companhia da Virgem Maria, nossa Mãe, de São José, dos Anjos – em particular do nosso Anjo da Guarda – e de todos os santos. Experimentaremos uma especial alegria ao encontrarmos aqueles que mais amamos na terra: pais, irmãos, parentes, amigos…, pessoas que influíram de uma maneira decisiva na nossa salvação…

Além disso, como cada homem, cada mulher, conserva a sua própria individualidade e as suas faculdades intelectuais, também seremos capazes de adquirir outros conhecimentos, servindo-nos das nossas potências15. Por isso, será motivo de alegria a chegada de novas almas ao Céu, o progresso espiritual das pessoas queridas que ficaram na terra, o fruto dos nossos trabalhos apostólicos ao longo da vida, a fecundidade sobrenatural das contrariedades e dificuldades enfrentadas no serviço ao Mestre… Esta glória acidental irá aumentando até o dia do Juízo final16. E depois do Juízo universal, acrescentar-se-á a tudo isso a posse do nosso corpo, ressuscitado e glorioso.

É bom e necessário fomentar a esperança do Céu: consola-nos nos momentos mais duros e ajuda-nos a manter firme a virtude da fidelidade. É tanto o que nos espera dentro de pouco tempo que se entendem muito bem as contínuas advertências do Senhor para que permaneçamos vigilantes e não nos deixemos envolver pelos assuntos da terra de tal maneira que esqueçamos os do Céu. No Evangelho da Missa17, o último do ano litúrgico, Jesus diz-nos: Velai, pois, para que não suceda que os vossos corações se embotem pelos excessos do comer e do beber, e pelos cuidados desta vida, e para que aquele dia não vos apanhe de surpresa… Vigiai, pois…, para que possais manter-vos de pé diante do Filho do homem.

Pensemos com freqüência nestas outras palavras do Senhor: Vou preparar-vos um lugar18. No Céu, temos a nossa casa definitiva, muito perto de Jesus e de sua Mãe Santíssima. Aqui estamos só de passagem. “E quando chegar o momento de rendermos a nossa alma a Deus, não teremos medo da morte. A morte será para nós uma mudança de casa. Virá quando Deus quiser, mas será uma libertação, o princípio da Vida com maiúscula. Vita mutatur, non tollitur (Prefácio I de defuntos) […]. A vida não nos é tirada, mas transformada. Começaremos a viver de um modo novo, muito unidos à Santíssima Virgem, para adorar eternamente a Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, que é o prêmio que nos está reservado”19.

Amanhã começa o Advento, o tempo da espera e da esperança. Esperemos Jesus permanecendo muito perto de Maria.

(1) Apoc 22, 1-6; Primeira leitura da Missa do sábado da trigésima quarta semana do Tempo Comum, ano II; (2) cfr. Sagrada Bíblia, vol. XII, Apocalipse; (3) Apoc 22, 5; (4) João Paulo II, Alocução, 22.10.85; (5) Hebr 13, 14; (6) Missal Romano, Prefácio de defuntos; (7) cfr. B. Perquin, Abba, Padre, pág. 343; (8) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, em Folha informativa, n. I, pág. 5; (9) Dan 7, 18; Primeira leitura do sábado da trigésima quarta semana do Tempo Comum, ano I; (10) Apoc 6, 14; (11) Camilo Lopez-Pardo, Sobre la vida y la muerte, Rialp, Madrid, 1973, pág. 358; (12) Is 49, 10; (13) cfr. São Tomás de Aquino, Suma teológica, I, q. 89, a. 8; (14) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, n. 995; (15) cfr. São Tomás de Aquino, Suma teológica, I, q. 89, ad 1, ad 3, aa. 5 e 6; III, q. 67, a. 2; (16) cfr. Catecismo Romano, I, 13, n. 8; (17) Lc 21, 34-36; (18) Jo 14, 2; (19) Alvaro del Portillo, Homilia, 15.08.89, em Romana, n. 9, 7.12.89, pág. 243.

 

Fonte: Livro “Falar com Deus”de Francisco Fernández Carvajal